Por Regula Bochsler | 28/01/2019
No dia 26 de janeiro de 1885, o então presidente suíço Karl Schenk ficou aterrorizado ao ler em sua correspondência uma carta avisando que anarquistas planejavam “explodir o Parlamento durante uma sessão plenária do Conselho Federal”.
Segundo a nota, dezessete homens teriam se prontificado para “realizar o serviço sujo”, dinamite e detonador de tempo já estariam na cidade e os explosivos seriam suficientes para “aniquilar completamente Berna”.
O autor, que assinou a nota como “Número 5”, parecia aflito com dor na consciência. Ele reiterou: “eu estremeço com a ideia de que sou confidente e colaborador neste crime terrível, e por pressão de minha amada esposa, faço esta confissão”. Ele encerrou com o conselho: “Vigiem o prédio do Parlamento dia e noite. Proíbam a entrada de estranhos; mas tenham cuidado pois todos os camaradas receberam armas e ácido sulfúrico”.
Mudar a sociedade à força
O presidente Schenk levou a carta a sério. Nos últimos anos haviam acontecido vários atentados contra potentados e monarcas na Europa. Os perpetradores eram principalmente partidários da chamada Propaganda pela Ação, uma corrente ideológica dentro do anarquismo que defende o uso da força para mudar a sociedade. Se no início os assassinos recorriam a facas e pistolas, eles passaram a utilizar cada vez mais bombas com dinamite, que fora patenteada por Alfred Nobel em 1867.
Em outubro de 1878, o rei espanhol Alfonso XII sofreu um atentado com arma de fogo. Um mês depois, o rei Umberto I da Itália sofreu ferimentos leves durante um ataque com faca, mas o czar Alexandre II sucumbiu em um ataque à bomba em 1881. O recordista era o Kaiser Wilhelm I, que foi vítima de três tentativas de assassinatos desde 1878. Ele sobreviveu ao último ataque apenas porque provavelmente um detonador úmido fez com que a bomba não explodisse. Nesse contexto, o presidente Schenk não poderia descartar que os anarquistas realmente planejavam um ataque contra o governo federal.
Refúgio para anarquistas estrangeiros
Embora a Suíça tivesse sido poupada de ataques até aquele momento, ela desempenhara um papel importante no terror anarquista. Graças à sua política liberal de asilo, a Suíça era um refúgio importante para perseguidos políticos vindos principalmente da Alemanha, França, Itália e Rússia. Estes exilados continuavam então sua luta política a partir do solo neutro da Suíça.
Organizados em pequenas células conspiratórias, os ativistas se valiam da liberdade de imprensa consagrada na constituição Suíça desde 1848 para imprimir panfletos e jornais que eram subsequentemente contrabandeados para seus países de origem.
Não é coincidência, portanto que os mais importantes porta-vozes do anarquismo militante, os jornais Freiheit e L’Avant-Garde, tenham sido fundados na Suíça. Ambos proclamavam a “necessidade da revolução” e divulgavam a violência como um meio legítimo contra a exploração, a opressão e a hipocrisia. “Enquanto tivermos uma casta de ociosos sustentados por nosso trabalho sob o pretexto de que são necessários para nos governar, esses ociosos continuarão sendo um antro empesteado na moral pública”, dizia L’Avant-Garde. “Temos uma praga na casa e temos que destruir sua causa. Mesmo que tenha que ser a ferro e fogo, não podemos vacilar.”
Devido à sua atitude liberal, a Suíça enfrentou dificuldades repetidamente. Quando L’Avant-Garde publicou um hino de louvor ao regicídio em 1878, Itália, Alemanha, Rússia e Espanha reagiram com pressão diplomática e exigiram a proibição do jornal. O governo suíço cedeu para não pôr em risco as relações com seus vizinhos europeus, e um tribunal sentenciou o autor do artigo a dois meses de prisão e expulsão do país por dez anos por incitação à violência contra chefes de estado estrangeiros.
“Os trabalhadores constroem os palácios e vivem em casebres miseráveis”
O momento em que o aviso anônimo chegou foi particularmente perturbador para o presidente Schenk. Há apenas um mês, o anarquista alemão Friedrich August Reinsdorf, mentor de uma tentativa de assassinato contra Wilhelm I, fora condenado à morte. Como defesa, ele argumentou perante o tribunal: “Os trabalhadores constroem palácios e vivem em casebres miseráveis; são eles quem produz tudo e mantém toda a máquina do estado. E ainda assim nada se faz por eles. Eles manufaturam todos os produtos industriais, e mesmo assim têm comida ruim e escassa. […] Isso vai realmente durar para sempre, não seria nosso dever realizar uma mudança?”.
Reinsdorf viveu por muitos anos na Suíça e era muito bem conectado na cena anarquista local. Consequentemente, a possibilidade de que seus camaradas vingassem a sentença de morte com a destruição do parlamento não poderia ser descartada.
O plano diabólico também poderia estar relacionado ao destino do alemão Hermann Stellmacher e do austríaco Anton Kammerer. Eles também viviam na Suíça antes de cometerem vários assassinatos políticos no exterior. Ambos foram sentenciados à morte em setembro de 1884 por um tribunal vienense e eram, desde então, glorificados por seus companheiros como “mártires da revolução social”.
O jornal Freiheit chegou a conclamar seus leitores explicitamente à vingança: “Muitos vilões ainda vão ter que ser abatidos com os punhais ou revólveres dos anarquistas. Aqueles que levaram Stellmacher ao cadafalso também não serão poupados”. Como Stellmacher abandonou sua residência no cantão de St. Gallen às pressas ao ser informado de que sua casa seria revistada, era também provável que seus companheiros quisessem se vingar da polícia suíça.
“A Suíça não vai poder nos escapar”
Seis dias mais tarde, o presidente recebeu uma segunda carta anônima. A primeira carta veio da cidade de St. Gallen, onde Stellmacher viveu. A segunda foi encontrada em Frauenfeld, tinha inconfundivelmente a mesma caligrafia e repetia o mesmo aviso da primeira.
Em 4 de fevereiro, uma carta de Winterthur chegou com a ameaça de que a “o Parlamento Federal será dinamitado sem falta neste mês”. Uma quarta nota foi então recebida com um aviso sobre a existência de outra carta dos conspiradores perto em uma agência de correios em Berna. A polícia encontrou no local indicado um mapa e instruções detalhadas sobre como a dinamite deveria ser contrabandeada para dentro do Parlamento.
Finalmente em 21 de fevereiro, a revista Freiheit, que era então impressa em Londres, publicou um aviso a todos “bandidos-mor do establishment dos vários países europeus”. Nele lia-se: “Na Inglaterra já estamos dinamitando para valer; a Suíça não vai poder nos escapar… Um por todos e todos por um! Nossa pátria é o mundo”. Onde ainda se encontra o Parlamento, os anarquistas disseram que logo iriam “salgar a e arar a terra”.
Onda de prisões
O governo federal decidiu em seguida abrir uma investigação criminal “sobre indivíduos que têm conclamado, a partir de solo suíço, pela execução de crimes comuns na Suíça ou no estrangeiro, ou que de alguma outra maneira tenham perturbado a ordem constitucional e a segurança interna do país”.
Ao raiar do sol no dia seguinte, sete anarquistas estrangeiros foram presos e tiveram suas casas revistadas em Berna e em St. Gallen. Mais prisões em outras cidades se seguiram e grandes quantidades de jornais, panfletos e correspondência privada foram confiscados.
Dica de Nova York
A série de cartas anônima não parou por aí. Primeiro veio uma carta com ameaças de Winterthur, pouco depois uma de Paris. “Podem cercar seu presidente com muitos guardas durante o tempo que quiserem. Ele vai morrer como um cão quando dinamitarmos seu palácio!”, lê-se na nota. Em uma carta anônima de Nova York recebida no dia 12 de março, o autor afirmou ter conhecimento de que um “alemão vestido como um cavalheiro, com barba e bigodes loiros, bastante corpulento e forte” estaria encarregado do atentado contra o parlamento. O terrorista traria o detonador em uma pequena bolsa “ou até debaixo de seu chapéu”. Dias depois, um autor anônimo afirmou que a Federação de Anarquistas da Suíça teria decidido “dinamitar para o inferno” todos os deputados, chefes do governo federal e senadores.
O responsável vai ser pego ou não?
A pista decisiva para a elucidação do caso veio de um caçador da área de St. Gallen. Ele pôde atribuir o texto de certas cartas ao cabeleireiro alemão Wilhelm Huft, que escrevia irregularmente para a imprensa anarquista.
Em 31 de março de 1885, Huft foi preso e interrogado. Ele afirmou sua inocência, mesmo depois do segundo e do terceiro interrogatórios. Depois de 44 dias sob custódia, ele se enforcou na cela com um lenço de seda.
O relatório final do juiz que instruiu o processo é devastador e sem atenuantes quanto à personalidade de Huft: “Vaidade, perfídia e baixeza, vaidade ilimitada e sede insaciável de escândalo, um mulherengo e um utopista com prazer em inventar coisas”.
Quanto à questão de como Huft organizou o envio de cartas anônimas de várias cidades suíças, bem como de Paris e Nova York, o relatório não soube dar uma resposta. O governo federal encerrou o caso com a expulsão de 21 anarquistas do país, embora nenhum ato criminoso pudesse ter sido comprovado.
Até hoje, não está claro se os anarquistas planejaram seriamente explodir o parlamento federal, ou se tudo foi produto da imaginação de um cabeleireiro anarquista. Seja como for, esta história bizarra acabou inspirando o compositor Mani Matter a fazer uma reflexão musical muito popular sobre a democracia suíça.
Confira aqui a música em uma versão do ano de 1992 com a banda “Züri West”, que canta em dialeto suíço:
https://www.youtube.com/watch?v=laWR4JKRSRM
agência de notícias anarquistas-ana
Libélula voando
pára um instante e lança
sua sombra no chão
Masuda Goga
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!