Por Vishwam Heckert | 05/09/2021
Ir para a casa em um sábado à noite partindo de Edimburgo na semana passada foi uma aventura. O trem estava lotado e eu caminhei para o vagão mais próximo em busca de silêncio.
Acabei encontrando um homem, apelidado de Pavarati pelos seus amigos. Ele cantava ópera a plenos pulmões e era muito bom isso; talvez, em uma outra ocasião eu pudesse ter aproveitado melhor o show.
Havia um contraste notável entre aquilo e o dia pacífico que eu estava tendo em um evento chamado “Sacred Anarchy: Re-wild your Heart.”
Nós estávamos discutindo (e experimentando) como práticas espirituais, como meditação, yoga e passar um tempo em silêncio na natureza pode nos ajudar a encontrar uma força interior e a gentileza necessária para praticar a arte de nos relacionarmos livremente como iguais (minha definição favorita de anarquismo).
Eu segui para um restaurante silencioso com alguns amigos, onde a conversa continuou de uma nova forma. O interessante foi que eu me encontrei catapultado para dentro de algo que a maioria das pessoas considera ser anarquia. Eu estava bêbado e cantando de maneira turbulenta, enquanto muitas pessoas sem máscara curtiam juntas no meio de uma pandemia, vaiando a polícia quando ela chegou para tirar uma garrafa de destilado das mãos do nosso amado cantor Pav.
Proteção ou crescimento?
Perto do final da nossa jornada, eu me vi conversando com um homem jovem sobre a independência da Escócia. Ele gostava da ideia, mas não tinha certeza se era a hora certa para isso. “Nós passamos por tanta coisa” ele disse. “Talvez devessemos esperar.”
Mais tarde, eu comecei a refletir sobre biologia celular. Bruce Lipton é um grande cientista que dedicou muitos anos da sua vida pesquisando células tronco, muito antes de termos começado a ouvir falar sobre elas.
Ele observou que os sistemas biológicos têm dois estados que se excluem mutuamente: proteção e crescimento. Se você colocar uma célula num ambiente hostil, ela vai criar uma parede de proteção para se manter segura.
Se você colocar uma célula em um ambiente saudável, ela usa toda sua energia nas funções vitais principais que são evolução e crescimento.
Através do seu trabalho, ele começou a perceber que esses dois estados não são limitados a células, mas também se aplicam a indivíduos. Além disso, ele compreendeu que o ambiente também inclui nosso ambiente mental.
Então se nós pensamos estar em uma situação hostil (por exemplo, quando estamos com medo), todo nosso sistema entra em um modo de proteção. Se estamos focados em quais recursos e nutrientes estão disponíveis em um lugar e uma hora específicos, podemos aproveitar os benefícios da cura e do crescimento.
Evolução humana
Podemos dizer que Lipton é um Peter Kropotkin moderno que fez observações similares sobre como a cooperação (crescimento) tem um valor maior para a evolução do que a competição (proteção). Kropotkin foi um dos grandes pensadores da tradição anarquista europeia, assim como um renomado biólogo, naturalista e geógrafo.
Na sua época, Kropotkin foi visto como muito controverso, afinal ele foi contra a interpretação popular e imperialista do trabalho de Darwin. A cooperação é agora altamente compreendida por biólogos como um fator muito importante para a evolução, muito embora Kropotkin seja raramente creditado pela sua genialidade fora dos círculos anarquistas.
Ambos Kropotkin e Lipton reconhecem que esses padrões também se aplicam em um nível social. Talvez possamos nos perguntar “Em qual tipo de Escócia queremos viver? uma baseada em proteção, competição e medo ou em uma nação nutrida por um crescimento vibrante, cooperação e amor?”
O medo, naturalmente, é uma função biológica incrível. Se realmente existe uma ameaça, uma descarga de adrenalina pode nos ajudar a sair da situação através de pensamento e ação rápidos.
Contudo, na nossa sociedade moderna, somos encorajados a viver com medo por muito tempo. Quando as pessoas estão em modo de defesa, elas são fáceis de manipular.
É claro que quando alguém é manipulador, sabemos que a pessoa está também com medo, tentando proteger suas riquezas, sua identidade, seu senso de poder e seus títulos. Quando vemos as pessoas tentando controlar os outros (e a si próprias), motivadas pelo medo, pode ser que fique mais fácil de ter compaixão por elas.
Ter compaixão por nós mesmos e, ao mesmo tempo, poder dizer “não, obrigado!”.
Eu suspeito que seja por isso que temos visto uma guinada de auto-cuidados desde o Covid-19 na Escócia maior do que na Inglaterra. Nicola Sturgeon fala abertamente sobre amor e solidariedade com convicção. Nós conseguimos sentir a consistência da sua mensagem.
Os cuidados acerca do Covid não são sobre controle, mas sobre uma gentileza que é o suporte do nosso bem-estar coletivo e individual. Enquanto isso, Boris Johnson e companhia… bem, deixa pra lá.
Auto-determinação e auto-cuidado
Apesar de quem parece estar na liderança, todos nós podemos contribuir para a existência de uma Escócia vibrante, saudável e auto-determinada ao nutrir essas qualidades dentro de nós e entre nós. Cada indivíduo encontrará um jeito único de fazer isto.
Certa vez, a grande anarquista Emma Goldman escreveu: “O indivíduo é o coração da sociedade. Ele conserva a essência da vida em sociedade. A sociedade são os pulmões que distribuem os elementos para manter funcionando a essência da vida, que é o indivíduo, puro e forte.”
Goldman deixa claro que ela não está promovendo o individualismo ácido idealizado pelo pensamento capitalista (como, por exemplo, o que é baseado em medo). Ao contrário, ela fala sobre uma individualidade criativa que reconhece que cada um de nós tem seus dons especiais para oferecer.
Só podemos brilhar à nossa própria maneira quando somos propriamente nutridos. Talvez seja esse tipo de Escócia na qual queremos viver.
Fonte: https://bellacaledonia.org.uk/2021/09/05/cell-biology-sacred-anarchy-self-determination-in-scotland/
Tradução > Calinhs
agência de notícias anarquistas-ana
Dia de primavera —
Os pardais no jardim
Tomam banho de areia.
Onitsura
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!