Defesa da existência de uma ‘raça superior’ ganhou força com experimentos racistas de Herman Lundborg no início do século XX
Por Camila Araujo
A tentativa racista de “purificar” a população não é monopólio da Alemanha nazista. Na verdade, o corpo teórico que fundamentou a hipótese de uma raça “inferior” veio antes mesmo do nazismo tomar o poder alemão, e se manifestou em experiências práticas em lugares como a Suécia.
O médico Herman Bernhard Lundborg, primeiro diretor do Instituto Sueco de Biologia Racial em Uppsala, acreditava que os nórdicos eram uma “raça superior”, e que qualquer tipo de miscigenação não era desejada.
O povo escandinavo seria, segundo sua visão, racialmente mais forte se ocorresse o processo de “suecização” de “genes desagradáveis”, garantindo o “mais alto grau de perfeição humana”. Ou seja, era preciso acabar com tais genes, impedindo a reprodução de pessoas pertencentes a “minorias raciais”, para garantir o domínio de uma raça superior.
Lundborg, nascido em 1868, era nada mais que fruto de seu contexto. Isso porque é no final do século XIX que se desenvolve a teoria do darwinismo social. Funcionando como uma tentativa de aplicar a teoria de Darwin sobre a evolução nas sociedades humanas, tais ideias têm a função de justificar ideologicamente a “necessidade” europeia em colonizar os povos bárbaros e “inferiores” do além-mar.
Muito antes de os nazistas se empenharem nesse tipo de pesquisa, o instituto sueco já dava portanto sua contribuição para a difusão de teorias eugenistas na Alemanha, nos Estados Unidos e nos países escandinavos.
Povo nativo sámi
Em 1913, Lundborg viajou para o território da Lapônia, região que abrange partes da Suécia e outros países vizinhos, constituído pelo povo nativo sámi, para fazer medições de crânios, comparações de fisionomias, análises de pelos pubianos e, por fim, a classificação entre “superiores” e “inferiores”.
Os nativos sámi, vale destacar, são tidos como um povo indígena, com diferentes grupos linguísticos, e que há muitos séculos ocupam regiões setentrionais da Noruega, Suécia, Finlândia e Rússia.
Em suas experimentações, o médico insiste em mostrar que os indígenas tinham “crânio curto”, ao passo que os escandinavos tinham “crânio longo”, o que, em sua opinião, também influenciava a “marca moral” dos indivíduos.
Seus estudos racistas forneceram álibis para que as empresas de mineração ou funcionários do governo desapropriassem, e seguem a desapropriar, os sámi de suas terras. Também inspiraram campanhas de esterilização de “indesejáveis” que continuaram acontecendo, de diferentes maneiras, até meados da década de 1990.
A escritora e jornalista sueca Maja Hagerman, autora do livro Enigmas de um biólogo racial, em tradução livre, publicado em sueco e alemão, sobre os experimentos de Lundborg, conta que o mais surpreendente da história do médico é que ele próprio chegou a se relacionar com uma mulher sámi, tendo um filho com ela, e assim reproduzindo uma “genética inferior”.
“Ele estava constantemente alertando os suecos sobre a ameaça de outras raças. Então, o que ele estava pensando?”
Foi portanto na segunda metade do século XIX que as ideias de hierarquização de “raças” se desenvolveram e ganharam força. Alguns anos mais tarde, elas culminariam em um dos projetos de extermínio no contexto nazista. No entanto, outras formas de estabelecer práticas eugenistas se deu também por meio de esterilizações forçadas ao longo da história de outras populações, como, por exemplo, no Peru ditatorial de Alberto Fujimori e no Canadá contra povos indígenas.
No caso dos sámi, os experimentos de Lundborg colaborou no respaldo à leis como a de 1915 que proibia o casamento de pessoas portadoras de deficiências mentais e, mais tarde, os decretos de 1934 e 1941, que permitiam a esterilização dos sámi e de outros grupos etnicamente marginalizados.
Luta por reconhecimento
Em 2014, o governo sueco reconheceu que esterilizou, perseguiu e impediu a entrada de ciganos no país no século anterior. Graças a uma comissão relatora criada para investigar tais processos, descobriu-se que, entre 1935 e 1996, a Suécia realizou esterilizações em cerca de 230 mil pessoas no contexto de um programa baseado na eugenia e nos conceitos de “higiene social e racial”.
As 63 mil esterilizações realizadas entre 1934 e 1975 destinavam-se, de acordo com a investigação, em garantir a “pureza” da raça nórdica, respaldadas por leis aprovadas com o consenso dos grupos políticos do país. Nem mesmo a queda do nazismo interrompeu as “soluções finais” de estilo escandinavo.
A luta dos sámi e do Parlamento do grupo étnico é agora pela retomada de restos de esqueletos e de crânios que ainda se espalham em museus e universidades escandinavas. A universidade de Uppsala, por exemplo, guardou 57 crânios e seis esqueletos do povo nativo, misturados com os de colonos e de presos mortos cujos cadáveres foram entregues à ciência pelo governo sueco até a década de 1950.
Em 2007, a sessão plenária do Parlamento Sámi exigiu que os governos nórdicos identificassem todo o material ósseo encontrado em todas as coleções nacionais para que, assim, esses restos mortais retornem para o local a que pertencem.
Na opinião de Stefan Mikaelson, presidente do Parlamento, a importância dos restos mortais que estão armazenados dentro de uma instituição sueca não devem ser subestimados. Em declaração citada pelo jornal Público, ele diz que “Um funeral é um evento importante na comunidade sámi, onde toda a família se reúne e homenageia os mortos com a sua presença. O fato de ainda estarem guardados naqueles acervos estaduais só reforça as velhas atitudes colonialistas e discriminatórias”.
O Executivo da Suécia, em novembro de 2021, se comprometeu a criar uma comissão da verdade para examinar o tratamento do país com relação à minoria no passado. O reitor da Universidade de Uppsala também solicitou ao governo sueco permissão para devolver um esqueleto encontrado no Museu da Universidade Gustavianum à Associação Arjeplog Sami.
agência de notícias anarquistas-ana
Pelo zumbir dos mosquitos
deve ser alta madrugada.
Ó esta lua demorada!
Etsujin
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!