O deleite intelectualmente delicado e formalmente desafiador de Cyril Schäublin o destaca como um novo e único talento cinematográfico.
Por Jessica Kiang | 15/02/2022
Em um vale no canto suíço de Bern, dominado pela indústria relojoeira local, o primeiro Congresso Internacional Anarquista aconteceu em 1872. E, dentro de um relógio mecânico tradicional como os que as fábricas de Bern produziam na época, há uma pequena roda espiral que equilibra o mecanismo chamado unrueh — a inquietação.
Essa coincidência delicada de terminologia ecoante no máximo pode causar um “huh” daqueles de nós que gostam de jogos de palavras e história social e contas do Twitter que postam exclusivamente imagens de máquinas em funcionamento. Mas, para o diretor suíço Cyril Schäublin, torna-se o cerne de “Unrest,” uma excentricidade lindamente leve brilhando com a ideologia, fotografia, cartografia, telegrafia, celebridade, solidariedade, o fluxo do capital, a rebeldia do tempo e a loucura um tanto que nobre de tentar domar um conceito tão pesado em algum pedaço de latão pequeno o suficiente para caber em um bolso de colete.
Pyotr Kropotkin era um polímata russo que se tornou uma figura central no movimento anarco-comunista do final do século XIX. Em “Unrest”, ele é obliquamente apresentado por um pequeno nó de damas russas usando renda e carregando sombrinhas brancas, e apertando chapéus floridos contra o vento em suas cabeças. Elas falam sobre “o coitado do Pyotr” — existiam rumores que ele tinha se apaixonado pela fotografia de uma mulher de Papua Nova Guiné que foi executada após ter cortado a garganta de um oficial inglês que tentou beijá-la — considerando que agora está visitando “algum vale na Suíça,” onde se tornou anarquista. A (não-)ação está então na Suíça, em que Pyotr (Alexei Evstratov) chega na cidade relojoeira de St. Imier ostensivamente para conduzir uma pesquisa para um mapeamento mais preciso da região.
St. Imier, em particular a indústria relojoeira, já é um foco do ativismo anarquista. Os trabalhadores e trabalhadoras, em sua maioria mulheres, têm um proto-sindicato que se alinha globalmente com outras organizações — enviando uma porção de seus montantes para ajudar com as greves dos trabalhadores ferroviários de Baltimore, entre outras causas. Isso não é um comportamento bem visto pelo diretor da fábrica, Roulet (Valentin Merz), que lança um édito afirmando que quaisquer trabalhadores afiliados devem ser dispensados. Entre aqueles que perdem assim seus empregos está a jovem e bela Josephine (Clara Gostynski). Ela conhece Pyotr. Eles vão caminhar. Assim como anarquistas são orgulhosamente antiautoritários, “Unrest” também se rebela lindamente contra a tirania das coisas que acontecem no filme.
Ao invés disso, temos uma grade loucamente complexa de detalhes e esboços que acontecem na cidade e ao seu redor. Há também um fotógrafo que vende fotos de figuras bem conhecidas, ajustando o preço à medida que consegue prender a atenção do freguês. Há um par de guardas afáveis encarregados de manter a paz no que talvez seja o lugar mais pacífico da Terra. E há a ironia ressonante de que dez anos antes estabeleceu-se o horário padrão, sendo que a plataforma relojoeira que é St. Imier funciona em quatro relógios diferentes: o da fábrica, o municipal, do telégrafo e da ferrovia. Pode-se chegar no trabalho mais cedo e, de alguma forma, ainda assim estar atrasado.
Esse é apenas o segundo filme do autor, diretor e editor Schäublin, após o incrível “Those Who Are Fine” de 2017, e ele já estabeleceu uma estética excêntrica única. Encenado por um elenco amador e, em sua maioria, local, esse filme de época tem uma modernidade casual, as personagens com frequência são enquadradas no limite extremo do brilhantismo de Silvan Hillmann, em imagens sarapintadas, em composições que são em sua maioria florestas ou céus, ou beirais de construções.
Uma grande porção do diálogo, como naquele primeiro filme, é pontualmente transacional e numérica: pessoas gritando listas de salários, ordenando quantidades e medidas de distância. Mas onde “Those Who Are Fine” usou números de série e códigos de banco como uma expressão excepcional de alienação da interação humana moderna, aqui o dispositivo funciona calorosa e caprichosamente. As ladainhas murmuradas de “Unrest,” reluzindo contra o panorama sônico de vento e da natureza do designer de som Miguel Cabral Moraes, são surpreendentemente relaxantes.
Contra a era volátil de fermento ideológico sendo investigada, o clima do filme é marcado por serenidade e silêncio perdido em pensamentos tão serenos que se pode ouvir as batidas de um relógio a cem passos de distância. Relatos de violência são recebidos com não mais do que uma piscadela ou uma sobrancelha levantada. Encontros políticos são mais propensos a culminar em uma música cantada por um coral de vozes puras do que em conflitos entre homens barbados em bares. No bar em si, um cliente não concorda que o “mapa anarquista” do vale seja pendurado na parede e o assunto é resolvido por uma votação rápida. O mapa fica. Os patronos voltam às suas bebidas. Pyotr e Josephine tornam o local uma lenda. E “Unrest” sai como entrou: habilmente equilibrado, embora, por pinças de precisão sob uma lupa, entre as ideias em sua mente e o brilho maquiavélico em seu coração.
Fonte: https://variety.com/2022/film/reviews/unrest-review-1235175382/
Tradução > Sky
agência de notícias anarquistas-ana
Escurece rápido.
Insistente, a corruíra
cisca no quintal.
Jorge Fonseca Jr.
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!