A histórica rádio autogestionária faz aniversário, um projeto consolidado que atualmente tem nas mudanças geracionais seu principal desafio.
Por Joan Canela | 04/04/2022
O final dos anos 70 foi turbulento. Os anos que se seguiram à queda da ditadura foram marcados por uma explosão de lutas e criatividade: greves e protestos, mas também fanzines e contracultura. Uma realidade que, muitas vezes, a mídia não quis captar ou, se o fez, foi com o objetivo de ridicularizar e criminalizar. “Era necessário criar nossos próprios meios de comunicação”, explica Manolo Gallego, um dos fundadores da Rádio Klara. A decisão foi tomada no final de 1979, em um encontro cultural realizado no extinto cinema Alameda e organizada por uma das seções da recém dividida CNT.
O projeto foi cuidadosamente elaborado. “Passamos quase três anos analisando, escrevendo documentos, estatutos e levantando recursos econômicos”, continua Gallego, mas finalmente, em março de 1982, a Rádio Klara levantou sua antena no telhado de uma casa particular em Montcada (município ao norte de Valência) e assim iniciou suas transmissões.
O começo não foi fácil. Eles sofreram três fechamentos, o primeiro ainda no governo da UCD e os outros dois já com o PSOE. “Depois eles viram que isso era inútil, porque mesmo que eles confiscassem ou selassem nossos equipamentos, nós voltávamos a transmitir. No fim das contas, eles nos tomaram por indomáveis e acabaram nos tolerando”, lembra Gallego.
Outro dos fundadores, Aniceto Arias, destaca que “Rádio Klara não nasceu com vocação para a marginalidade já que conscientes do papel dos meios de comunicação nas sociedades modernas e a serviço de quem estãoela pretendia ser uma alternativa de comunicação projetada para o futuro”.
E eles realmente cumpriram isso. Desde o início, Rádio Klara não se tornou só a voz dos grupos libertários e de protesto valencianos, como por ex o Grupo Ecologista Libertário, o Movimiento de Objeción de Conciencia ou a Casa de la Dona, além da própria CNT, mas foi também o canal de divulgação da rica vida contracultural de uma cidade que vivia sua própria “movida”. De fato, a rádio se sustentava organizando shows sob o nome de Movida Musical Rádio Klara, que teve a participação de bandas como La Resistencia ou Carmina Burana.
“Tudo isso mobilizou muita gente ao mesmo tempo que foi desprezado pelos demais meios de comunicação. O programa Al loro por la cara dava destaque a esses grupos e alcançou uma grande audiência”, continua Gallego.
O mundo literário ou artístico também usava frequentemente os microfones de rádio, que transmitiam ao vivo os encontros literários da livraria Cavallers de Neu, que assim como o cinema Alameda, também desapareceu. “Para fazê-lo, tivemos que montar a antena no telhado da casa, que se despedaçou e quase afundou”, lembra o histórico ativista.
Rádio Klara também transmitiu um dos primeiros programas com temática LGTBQIA+ quando nem se chamava assim-: a pinta rebelde, apresentado por alguns dos ativistas gays mais históricos da cidade. Desde então, a Rádio Klara não parou de transmitir toda a atividade alternativa, social ou cultural, valenciana: a explosão punk, a campanha contra a OTAN, a rebeldia, os primeiros grupos musicais em dialeto valenciano, chegando até ao 15M e a primavera valenciana.
“É fundamental reconhecer a importância do público, principalmente aquele que, com sua ajuda, contribuiu definitivamente para o sustento econômico da Rádio Klara durante esses 40 anos”, afirma Aniceto Arias.
Com a consolidação do projeto, e superadas as tentativas de fechamento, passou a ser cogitada sua regularização. “Insistimos na regulamentação. Reclamamos tanto que no final ficamos amigos dos funcionários que trataram do assunto”, explica Galego.
Finalmente, conseguiram arrancar do governo de Joan Lerma – que tinha o então jovem Ximo Puig como assessor de políticas de comunicação – uma lei que criava uma licença para “rádios culturais”.
Os beneficiários dessa lei foram três, sendo uma rádio por província. Rádio Escavia, em Segorbe, que era uma estação sem fundo político; uma rádio educativa dos Jesuítas em Ibi, e a Ràdio Klara em Valência. “Era uma forma de disfarçar porque eles não queria admitir que estavam dando licenças para anarquistas”, relata Gallego se divertindo. Uma legislação que é a mais avançada do Estado na matéria e que nunca foi replicada em nenhum outro território.
Juventude e rádio, o desafio pendente.
Na era do boom do podcast, Rádio Klara está perdendo vozes jovens. “Esta é nossa principal urgência agora”, reconhece Manolo Totxa, uma das pessoas mais ativas no projeto hoje. E não é por falta de adaptação às novas tecnologias. De fato, a Rádio Klara foi uma das primeiras emissoras da Espanha a transmitir ao vivo e online e mantém atividade constante nas redes, onde divulga a maioria de seus programas.
“O problema não é tanto o podcast -continua Totxa- que nos permite obter conteúdo de altíssima qualidade, mas o modelo organizacional. Muitas pessoas preferem fazer seu programa de forma autônoma, e então todo o espírito comunitário que a rádio oferece se perde”.
Essa falta de jovens também se reflete no público. Com cerca de 100.000 ouvintes regulares na FM, seus números são muito bons. Além disso, o número se multiplica em momentos de tensão informativa, como por exemplo com a guerra na Ucrânia, e ainda mais em tempos de conflito local, como durantea revolta estudantil conhecida como Primavera Valenciana.
“As pessoas nos ligaram e nos explicaram o que estava acontecendo ao vivo. O rádio é um meio muito dinâmico e permite uma cobertura muito ágil e imediata”. Mesmo assim, reflete Totxa”, se a maioria dos programas for feita por pessoas muito idosas, seu público tenderá a ser da mesma idade, pelos temas, pela linguagem e pelos interesses que transmitem”.
Fonte: https://www.publico.es/culturas/radio-klara-40-anos-utopia-libertaria-ondas.html
Tradução > Mauricio Knup
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agência de notícias anarquistas-ana
Minha voz
Torna-se vento —
Coleta de cogumelos.
Shiki
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!