Não é minha intenção intervir na polêmica que está ganhando espaços nos meios de comunicação estes dias de novembro: me refiro à redução de penas para alguns agressores sexuais como consequência da entrada em vigor no mês passado da conhecida como “Lei do só sim é sim”. A Lei impulsionada por Irene Montero desde o Ministério de Igualdade propiciou estes dias silêncios e comentários diversos dentro e fora do Governo de coalizão e declarações da titular de Igualdade no sentido de que havia juízes que “estavam descumprindo a Lei por machismo”.
Surpreende que Montero diga algo tão óbvio como que os juízes e as juízas desprendem machismo (sim, as juízas também). O problema não é só o judiciário mas o conjunto do Estado, no que ela como ministra e seu partido estão integrados, e que está impregnado de generismo. Para entender o ocorrido com esta Lei, e outras muitas, há que pôr no centro do debate a norma heterossexual como regime político e econômico que propicia a divisão sexual do trabalho e por sua vez origina as desigualdades estruturais entre os gêneros que estão atravessados por especificidades de raça/etnia, classe, dissidência sexual, etc.
Portanto, falamos de masculinismo¹ ou generismo do Estado porque este tem umas características que dão significado, sancionam, sustentam e representam o poder masculino como forma de dominação. Esta dominação se expressa no judiciário, e em qualquer outra instituição do Estado, como o poder que tem de estabelecer a descrição e a direção do mundo nas mãos dos homens.
A demanda de proteção para as mulheres realizada pelo lobby político do feminismo institucional para o Estado é um contrassenso se não se questiona sua masculinidade, por isso o Estado é um instrumento essencialmente problemático para levar a cabo uma mudança político feminista. Os tratos com o Estado implicam um alto preço em troca da proteção política institucionalizada que implica sempre um grau de dependência e um compromisso de atuação dentro do marco de normas ditadas pelo protetor. Qualquer abertura impensada pode ser aproveitada, também para pôr em questão a Lei mais protetora que uma ministra possa pensar.
Ao longo da história, a ideia de que as mulheres necessitam a proteção de e por parte dos homens foi fundamental na hora de legitimar a exclusão das mulheres de certos âmbitos de trato e seu confinamento em outros. Da mesma forma, a vinculação da “feminilidade” com raças e classes privilegiadas podem acabar convertendo as normas protetoras em marcas e veículos dessas mesmas divisões entre as mulheres beneficiando as privilegiadas e intensificando a vulnerabilidade e a degradação daquelas que ficaram do lado da intempérie (mulheres pobres, racializadas, dissidentes sexuais, etc.)
O poder do Estado é, portanto, um conjunto desconexo e heterogêneo de relações de poder e um veículo massivo de dominação e, por isso, está problematicamente determinado pelo gênero. O feminismo anarquista deve colocar estas considerações e partir de uma repolitização crítica em contra ofensiva ao generismo e masculinismo do Estado assim como ao lobby político do feminismo institucional, no qual, apesar de tudo, está Irene Montero e Unidas Podemos.
Laura Vicente
[1] De “masculinismo” fala Wendy Brown em seu livro: Estados del agravio. Poder y libertad en la modernidad tardía e de “generismo” fala Sayak Valencia em “Trans-feminismos, necropolítica y política postmortem en las economías sexuais de la muerte“. Ambas leituras são esclarecedoras do papel do Estado nas lutas feministas.
Fonte: http://acracia.org/generismo-de-estado/
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
Sombra de árvore –
Até mesmo a companhia de uma borboleta
É karma de uma vida anterior.
Issa
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!