“É importante lembrar que a sociedade de classes não é a criação da humanidade como um todo. Em sua forma mais implacável, é a ‘conquista’ daquela proporção numericamente pequena de ‘povos avançados’ que estavam em grande parte confinados à Europa.
“De longe, a grande massa de seres humanos que ocupou o planeta antes da Era da Exploração desenvolveu alternativas próprias ao capitalismo, até mesmo à sociedade de classes. De maneira nenhuma temos o direito de considerá-los como sociedades estagnadas que aguardavam a gentil carícia da ‘civilização’ e a escultura do crucifixo.
“O fato de suas formas sociais, tecnologias, trabalhos culturais e valores terem sido degradados a meras ‘antropologias’ em vez de histórias por si mesmas é um testemunho de um atavismo intelectual que vê tudo menos suas próprias criações sociais como meros ‘restos’ de sua ‘pré-história’ e a ‘arqueologia’ de seu próprio desenvolvimento social.”
A Ecologia da Liberdade – Murray Bookchin
O direito originário à terra, aos bens naturais e ao modo de vida são fundamentais. Os Povos Originários foram os verdadeiros fundadores – na prática real e cotidiana – de uma ecologia social e libertária pautada na ajuda mútua, conforme reconhecido e observado por teóricos militantes como Murray Bookchin, Ricardo Flores Magón e Piotr Kropotkin. Por todo o continente americano, floresceram sociedades complexas e culturalmente diversas, nas quais se construíram e se firmaram relações cooperativas e comunitárias completamente opostas à dominação e à hierarquia entre seres humanos.
Para garantir essas formas de vida, os Povos Indígenas no Brasil resistem há mais de 500 anos contra as invasões europeias e incursões do capitalismo. O garimpo, o agronegócio e mais recentemente, o tráfico de drogas – quase sempre com o aval e participação do Estado brasileiro, sobretudo por meio dos militares – são os responsáveis por uma guerra incessante que tem levado, não raras vezes, ao extermínio de muitas nações indígenas.
O extermínio de povos indígenas não traz consequências dramáticas apenas para eles, mas afeta todo o conjunto da sociedade; junto às vidas exterminadas, também são exterminados e/ou apropriados conhecimentos infinitos que vão desde a medicina aos cuidados globais e ecológicos que poderiam apresentar saídas aos problemas ambientais gerados pelo capitalismo e sua constante e inevitável destruição da natureza.
Estamos agora diante do horror imposto aos Yanomami. Apesar da imprensa burguesa estar dando grande destaque ao caso neste momento, ele não é pontual. Nunca deixou de ocorrer, tendo em vista que o conceito de Progresso propagado pelo Estado brasileiro – por meio de seus governos de turno -, sempre esteve instrumentalizado pelo método de destruição das florestas e seus povos; iniciado com a invasão europeia, passando por adaptações durante as estruturações do Estado nacional, aprimorado com a visão de progresso dos militares e, cada vez mais, brutalizado pelos interesses do agronegócio e setor da mineração predatória.
Um breve histórico dos ataques aos Yanomami
Os Yanomami são um grupo complexo e diverso. Não são um grupo restrito ao território brasileiro, o que levanta no imaginário das classes dominantes, em específico ao Partido fardado e seus aliados burgueses, o temor da “ameaça às fronteiras”.
Nas primeiras décadas do século XX houve, pelo projeto Rondon e o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), contatos frequentes com os Yanomami. O objetivo era associar as comunidades indígenas localizadas nas fronteiras à chamada “comunhão nacional”, perspectiva essa de assimilação, a qual a longo prazo os povos seriam aculturados perdendo suas identidades étnicas específicas. Essa prática colonialista foi o germe da política de fronteiras da ditadura militar, cuja ação violenta atingiu e assassinou milhares de indígenas.
Os Yanomami sempre resistiram a essa política de assimilação e lutaram por sua autonomia, mesmo com a região de seu território contando com uma forte presença militar.
Na década de 80, com o esgotamento do garimpo de Serra pelada, essa região passa a ser ainda mais visada pela sanha criminosa da exploração capitalista. Mesmo no período da redemocratização, o garimpo avança em conluio com o governo José Sarney e seu representante na região: Romero Jucá. O agora considerado “democrata” (antigamente golpista) era presidente da Funai com íntimas relações com o garimpo.
Apesar de alguns avanços na década de 90, com a retirada dos garimpeiros e algumas operações, o garimpo, apoiado por políticos locais, retornou ciclicamente a sua atividade predatória.
Portanto, o ataque aos Yanomami é um problema de longo prazo tocado pelas classes dominantes brasileiras, a qual atingiu seu ápice com o governo genocida de Bolsonaro e os militares.
A situação atual dos Yanomami
São centenas de pessoas atingidas, a maioria crianças e idosas, mortas por doenças que poderiam ser facilmente tratadas. A desnutrição atinge quase a totalidade dos aldeados e as imagens divulgadas pelos meios de comunicação remetem aos horrores dos campos de concentração nazistas.
E é exatamente essa a disposição do governo Bolsonaro e de todos que estiveram dentro dessa composição política. Como, por exemplo, as forças armadas brasileiras, empresários do agronegócio, lideranças das igrejas neopentecostais e grande parte da burguesia nacional.
Aos poucos, surgem inúmeras evidências de que toda a política de proteção dos povos indígenas tenha sido desmontada de maneira intencional. O desmonte vai da negação de fornecimento de muitos remédios – inclusive vacinas contra a Covid-19 e a malária – até a distribuição de água potável. As políticas voltadas para a segurança alimentar, assim como a garantia de leitos para tratamento médico foram igualmente desprezadas. Dentre as evidências surge como importante responsável o nome de Damares Alves – ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e atual Senadora da República, eleita pelo Distrito Federal.
De maneira geral, consideramos que o Capitalismo e o Estado são os grandes responsáveis por essas constantes crises. Somente a superação desse modelo econômico e de organização social, em direção a um mundo novo em que a exploração e as opressões sejam superadas, podem nos garantir a liberdade com autodeterminação dos povos e autogestão dos recursos naturais e sociais. A luta das/os de baixo, construída através da solidariedade entre a cidade, o campo e a floresta, deve caminhar rumo à construção de uma força política anticapitalista, revolucionária e combativa contra todas a opressões.
De maneira imediata, a curto prazo é necessário que avancemos para que se tenha garantias mínimas de sobrevivência e autodeterminação dos povos originários. Medidas para contenção de danos devem ser reivindicadas de maneira intransigente por todas organizações das classes oprimidas. São urgentes o avanço em pautas como o crescimento das demarcações e proteção de terras indígenas; a destruição da agenda anti-índigena no congresso nacional como as PLs do Marco Temporal, da Mineração em Terras Índigenas, do Veneno, Grilagem de Terras, etc; e, a exemplo do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), a construção de condições materiais para a autodefesa organizada com o propósito de que os povos originários não fiquem reféns das mudanças de conjuntura política.
A autogestão e auto-organização dos Povos não é um sonho de futuro, mas uma tarefa imediata à qual somos todos chamados.
Pela Autodeterminação dos Povos!
Pela Revolução Social!
RUSGA LIBERTÁRIA – Mato Grosso
COMPA (Coletivo Mineiro Popular Anarquista) – Minas Gerais
OASL (Organização Anarquista Socialismo Libertário) – São Paulo
FARJ (Federação Anarquista do Rio de Janeiro)
agência de notícias anarquistas-ana
num relâmpago
o tigre
atrás da corça
Sousândrade
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!