Carta de Noelle Hanrahan e poema de Julia Wright
Mumia escreve:
“Minhas amigas e meus amigos. Que triste notícia. Mas seguimos adiante, há que fazê-lo! Os amo a todos! Com amor, sem medo! Mumia.”
Noelle escreve:
Estimados amigos e amigas,
Vi Mumia ontem (02/04) e ele estava profundamente afetado pelo golpe, a gravidade, a dilacerante decepção, e a notícia de que a liberdade atrasará outra vez. Levei a ele a “opinião” de 38 páginas da juíza Clemons. Ele leu as palavras cuidadosamente, primeiro tirando seus óculos para ler do bolso de sua camisa. Inclinado para a frente, leu todas e cada uma das linhas. Palavras que foram escritas para enterrá-lo. Palavras destinadas a extinguir a esperança. Páginas para atá-lo. Uma opinião que mantêm a revisão desnuda de todas suas cavidades corporais antes e depois de cada visita. Uma ordem que lhe nega a comida e o exercício que poderiam curar seu coração partido e sua condição cardíaca. Páginas que o separam de seus bisnetos, seus irmãos, seus filhos, sua filha. Palavras que o impedem receber o abraço curativo de seu povo enquanto chora e sofre por Wadiya, sua esposa de 41 anos que faleceu em dezembro.
A prometida finalidade é na realidade uma tentativa transparente de encobrir o que todos sabem é verdade: a polícia, os promotores e sim, agora os juízes, roubaram décadas da vida dos habitantes negros da Filadélfia. É uma promessa de que o sistema de injustiça permaneça igual, sem oposição, com Mumia preso em uma jaula até seu último alento.
No entanto, ontem, domingo 02 de abril, me encontrei com um homem cheio de vida.
Mumia, profundamente comprometido com sua tese de doutorado, usa a [Frantz] Fanon para medir este novo mundo. Esboça o futuro – o dia em que serão defendidos os condenados da terra. Converte a narrativa em uma contra narrativa que invoca e imagina a liberdade.
Me encontrei com um homem comprometido com o mundo e sim, cheio de esperança, por todas e todos nós, e por si mesmo.
É impossível não unir-se à gargalhada alegre de Mumia. É um homem muito, muito divertido. Tenho que pedir-lhe “vamos, por favor, deixa de fazer-me rir com esses disparates”.
O amor de Mumia é valente, é honesto, com os olhos bem abertos e sem medo, e transformador para todos nós.
Julia Wright escreve:
A juíza
pode ter pisoteado
o chão,
agitou seu martelo
como uma varinha supremacista branca
e disse que não
mas esta manhã
não posso encontrar nenhum Blues
para Mumia
a juíza
pode ter desfrutado
champanhe e selfies
com os que tiram
suas listas eleitorais
mas esta manhã
Não posso encontrar nenhum Blues
para Mumia
Não posso encontrar nenhum Blues
Porque todo o mundo
está chorando
não lágrimas
não um rio
mas uma liberdade ensurdecedora
para Mumia –
e a juíza
é impotente
para detê-lo
Julia Wright (c) 2023
Noelle segue escrevendo:
Em 9 de dezembro de 1981, às 3 da manhã na rua 13 e Locust no centro da Filadélfia, Mumia Abu-Jamal acabava de parar seu táxi e estava deixando um cliente. Saltou de seu táxi, cruzou correndo a rua depois de ver o VW de seu irmão detido e Bill sendo golpeado com um porrete pelo policial da Filadélfia Daniel Faulkner. Não há debate sobre o que aconteceu depois. Daniel Faulkner disparou em Mumia no peito. Mumia cai com uma bala no pulmão. Logo, alguém mais dispara fatalmente em Faulkner e foge.
Nesse momento nosso mundo e o mundo de Mumia se desgarraram.
Cada vez que vou à prisão tiro os livros com os quais estou trabalhando de minha estante, hoje foi “Má Conduta Policial” de Paul Messing e “Um Longo Caminho para a Liberdade” de Nelson Mandela. Os levo, os ponho sobre a mesa, os compartilho, as esquinas para baixo, os parágrafos sublinhados, e vou às máquinas vendedoras.
Volto com uma caneca de deliciosos tomates cereja, azeitonas e cebolas que adornam uma bela salada grega fresca, uma maçã verde em fatias com Nutella e uma caneca de um belo melão cantalupo, melão verde, e pinha. Se podem por salada orgânica na máquina vendedora, podem dar-lhe salada e fruta fresca, uma dieta saudável para o coração, em suas comidas regulares.
No mês passado disseram que Mumia deve esperar sete meses para um exame de sangue. Ele resistiu, e agora está recebendo os exames que necessita. Todos os presos na Pensilvânia necessitam uma dieta saudável para o coração. Alimentos frescos e verduras.
O testemunho, a solidariedade, a comida e os livros são necessários para permanecer centrados e vivos e em resistência. Quando sobrevivemos, ganhamos.
Quando amamos, ganhamos.
Quando luthamos ganhamos,
When We Fight, We Win
Tradução > Sol de Abril
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!