O capitalismo e o Estado, no contexto do neoliberalismo, trabalham para sequestrar e enterrar as histórias e memórias das e dos de baixo. É parte do projeto dominante de sociedade em toda América Latina, inclusive no Brasil. Desde o apagamento dos modos de vida e organização social dos povos originários e de suas lutas seculares contra a colonização, das manifestações políticas, econômicas e culturais do povo negro que vem resistindo ao genocídio desde a escravidão, do protagonismo das mulheres nas lutas populares, que (sobretudo as mulheres negras) sofrem com duplas ou triplas jornadas de trabalho e muitas vezes são expostas a violências de todos os tipos, tanto no espaço público quanto no doméstico. Enfim, é possível fazer uma lista expressiva dos sequestros e apagamentos que envolvem as lutas das classes dominadas em todo o mundo, e com o 1º de maio, Dia Internacional dos Trabalhadores, um marco no luto e na luta das e dos de baixo, não é diferente.
Nesse dia, fazemos memória ao ano de 1886, mais especificamente na cidade estadunidense de Chicago, quando a classe trabalhadora, como tantas vezes, fez das praças e ruas palcos de sua ação direta por vida digna. Em 2021, junto a organizações irmãs de todo o mundo, publicamos a declaração Por um Primeiro de Maio de Luta!, que dizia:Em 1º de maio de 1886, uma greve massiva inicia nos Estados Unidos exigindo uma jornada de trabalho de 8 horas. A palavra de ordem dessa campanha era ‘Oito horas de trabalho, Oito horas de lazer, Oito horas de descanso’, propagada desde a metade do século 19 através da qual o movimento da classe trabalhadora lutava para retirar poder do Capital e disputar o tempo de trabalhadores e trabalhadoras para a vida, a cultura e a diversão”.
O braço armado do Estado capitalista não tardou a reprimir o movimento, ferindo e assassinando trabalhadores grevistas e acirrando ainda mais os confrontos, até que, no dia 4 de maio, em um novo ato na Praça Haymarket, uma pessoa desconhecida atirou um explosivo em resposta à repressão policial. Isso instigou uma reação brutal da polícia e da justiça burguesa, que lançou uma campanha conspiratória de perseguição, aprisionamento e tortura de trabalhadores e suas lideranças, entre as quais muitos eram anarquistas. Essa conspiração foi amplamente denunciada pelo movimento operário e ganhou notoriedade internacional e, embora isso não tenha impedido que oito anarquistas fossem condenados à morte por enforcamento ou à prisão, a história dos Mártires de Chicago tornou-se o pano de fundo para a criação do Dia Internacional dos Trabalhadores, data celebrada pela primeira vez em 1890 e que incentivou a classe trabalhadora de diferentes países a lutar e conquistar a jornada de 8 horas.
Hoje, 137 anos após esse episódio, se observarmos nossos locais de trabalho, estudo, moradia e lazer, poderíamos afirmar que contamos com ‘Oito horas de trabalho, Oito horas de lazer, Oito horas de descanso’? O tempo dedicado ao trabalho de reprodução social, historicamente relegado às mulheres, está dentro das oito horas de trabalho remunerado? E o tempo de deslocamento gasto no transporte coletivo? As mensagens em grupos de aplicativos que invadem nosso tempo de lazer e descanso? A responsabilização que nos é imposta se não estamos “trabalhando ou estudando enquanto eles dormem ou se divertem”?
O capitalismo busca destruir os direitos historicamente conquistados com sangue e suor da nossa classe e, para isso, não apenas roubam o tempo que dedicamos ao trabalho assalariado, mas também invadem nossos momentos de lazer e descanso, nossos sonhos e subjetividades. Isso impede a classe trabalhadora de instruir a si mesma enquanto classe, entendendo-se como parte do conjunto das classes oprimidas que lutam e conquistam. É o capitalismo neoliberal levando o povo a viver em isolamento, fora das vivências comunitárias em seus territórios.
Além do cansaço da rotina de trabalho, soma-se o desgaste de nossos olhos, mentes e corpos com o tempo dedicado ao consumo de informações nas redes sociais e aplicativos de comunicação. A nova tecnologia sobre domínio dos capitalistas direciona o que lemos, pois os algoritmos trabalham como uma nova censura do capital que impõe os conteúdos que lhes servem ideologicamente.
Cansados, não encontramos forças para ler, estudar, debater, produzir e organizar formas de resistir contra a atual etapa do capitalismo. Este sistema nos impede de conhecer experiências revolucionárias em curso como as protagonizadas pelos zapatistas no México e pelos curdos em Rojava, de acompanhar a luta da classe trabalhadora francesa contra os ataques de Macron à previdência, a luta contínua dos povos indígenas pela retomada de seus territórios, o protagonismo das mulheres feministas no combate à extrema-direita nas ruas das cidades brasileiras, o protagonismo estudantil pela revogação do Novo Ensino Médio, a luta do povo negro em diferentes frentes sociais.
Tornou-se comum não nos identificarmos como parte integrante das lutas dos povos oprimidos de todo o mundo. É no presente que o capitalismo opera para destruir as nossas histórias e memórias do passado e minar nossa confiança em conquistar um futuro digno, e o apagamento do conteúdo rebelde do 1º de Maio e seu sequestro por governos e patrões, que passaram a comemorá-lo como “Dia do Trabalho” e tratá-lo como uma data festiva, faz parte dessa operação. A cooptação da data conta ainda com o consentimento das centrais sindicais pelegas, que muitas vezes priorizam realizar showmícios a convocar a classe para lutar por suas demandas concretas, como é o caso da revogação das reformas antipovo aprovadas no último período, marcado pelo aprofundamento do ajuste fiscal.
Nesse sentido, cabe ao conjunto da militância anarquista pautar essa data como um marco histórico da nossa ideologia, destacando a inserção anarquista nas lutas de ontem e de hoje e ressaltando a construção das nossas histórias e memórias como tarefa fundamental na atual etapa de resistência, a fim de forjar uma nova subjetividade pautada em valores como a defesa da liberdade individual e coletiva, da igualdade em termos sociais, políticos e econômicos e da solidariedade e apoio mútuo. Devemos seguir organizadas/os junto às classes oprimidas nos locais de trabalho, estudo e moradia, construindo Poder Popular em nossa peleia diária por vida digna e ocupando as ruas pela revogação do Novo Ensino Médio, da Reforma Trabalhista e da Previdência, contra o novo arcabouço fiscal e quaisquer outras medidas do atual governo de conciliação que visem manter a precarização dos nossos direitos e serviços públicos!
VIVA O 1º DE MAIO ANARQUISTA!
EM MEMÓRIA AOS MÁRTIRES DE CHICAGO!
REVOGAR AS REFORMAS NAS RUAS E CONSTRUIR PODER POPULAR!
cabanarquista.org
agência de notícias anarquistas-ana
relampejou
sobre as árvores
a tarde trincou
Alonso Alvarez
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!