Cerca de 40% das terras da América Latina ainda estão nas mãos de povos indígenas, negros e camponeses, ou são áreas de conservação natural, inalienáveis de acordo com a lei. O extrativismo está avançando sobre esses territórios em toda a região. Tirar a terra das pessoas é o mesmo que tirar suas vidas, e é por isso que elas a defendem com tanta força. Não se pode negociá-la.
Por Raúl Zibechi | Quarta-feira, 5 de julho de 2023
Agora é Jujuy, mas ontem foi o Peru, o Chile e o Brasil. E amanhã será em qualquer lugar onde a acumulação de capital por meio da desapropriação de povos e terras seja a principal forma de operação das multinacionais. Um modo em que apenas a riqueza do subsolo conta, enquanto os seres humanos e não humanos são apenas um obstáculo para o enriquecimento do capital financeiro.
No Brasil, Lula não consegue cumprir sua promessa de campanha de avançar com a demarcação de terras indígenas, à qual todos os governos estão obrigados pela Constituição de 1988, mas que nenhum deles, nem os de direita nem os de esquerda, cumpriu integralmente.
No Peru, a reacionária Dina Boluarte lançou as forças armadas e a polícia contra os povos andinos para garantir a liberdade das empresas de mineração de levar a riqueza e deixar apenas a destruição ambiental e social. As mais de cinquenta pessoas mortas a tiros não incomodaram nem o governo nem as organizações internacionais que, quando é de seu interesse, falam em direitos humanos.
No Chile, o presidente supostamente progressista, Gabriel Boric, militarizou a Wall Mapu com um efetivo militar maior do que o de governos anteriores, para defender as terras usurpadas por empresas florestais de comunidades indígenas e camponesas. Com a mesma mão que militariza os territórios mapuches, ele perdoa os Carabineros pelos mais de 400 olhos explodidos durante a revolta de 2019, com o resultado de que a instituição estatal com o maior apoio popular do país.
Sem mencionar Chiapas, onde, sob o governo progressista de López Obrador, houve 110 ataques armados contra comunidades pertencentes à região zapatista de Moisés e Gandhi, de Caracol 10, dentro do município oficial de Ocosingo. Grupos paramilitares apoiados pelo governo por meio do governo estadual de Chiapas.
Em Jujuy, tudo gira em torno da extração de lítio, para a qual o governo provincial precisa violar os povos indígenas e suas mais de 400 comunidades que se opõem à invisibilidade da nova constituição provincial. O fato de o governador Gerardo Morales ser um genocida e ecocida, disposto a eliminar qualquer pessoa para satisfazer sua fome de poder, não deve esconder de nós vários fatos importantes.
O primeiro é que ele pode se tornar o próximo vice-presidente da Argentina, pela graça de uma classe média que considera os índios como pessoas de segunda classe, ou seja, não os consideram seres humanos como eles próprios.
A segunda é que Morales faz parte do sistema político que se preocupa apenas em administrar o modelo e, nesse sentido, ele não é muito diferente de outros políticos de ambos os lados da divisão. O governo nacional não quer, embora possa, intervir em Jujuy e acabar com a repressão, porque, na verdade, além de suas declarações, ele já militarizou boa parte das empresas extrativistas, começando pela Vaca Muerta.
O restante são apenas declarações com o objetivo de ganhar alguns votos. Quem quiser acreditar que há diferenças fundamentais entre macristas e kirchneristas deve se perguntar por que nenhum deles tem a menor intenção de acabar com o extrativismo, a mineração e as monoculturas, a extração de ouro e lítio, a soja e as fumigações.
A única disputa séria entre os dois setores gira em torno de como enfrentar os setores populares: alguns apostam na domesticação com planos e uma boa dose de repressão; enquanto os outros apostam em mais repressão e uma boa dose de planos. Como se pode ver, é apenas uma questão de proporções, porque ambos os lados da divisão estão apostando na repressão e nos planos simultaneamente.
Não há outra opção a não ser resistir. A um ou a outro. Com o tempo, as pessoas estão descobrindo que são apenas dois lados da mesma moeda. A do extrativismo, que não pode existir sem a militarização dos territórios, a poluição da terra e a aniquilação do povo.
O modelo não tem limites. Os relatórios anuais do Instituto de Desenvolvimento Rural da América do Sul, no qual o Grupo de Estudos Rurais da Universidade de Buenos Aires colabora, afirmam que cerca de 40% das terras latino-americanas ainda estão nas mãos de povos indígenas, negros e camponeses, ou são áreas de conservação natural, inalienáveis de acordo com a lei.
O extrativismo está avançando sobre esses territórios em toda a região. Tirar a terra das pessoas é como tirar suas vidas, e é por isso que elas a defendem com tanta força. Eles não podem negociar isso. Não o farão.
A única coisa que deve ser lembrada ao sistema político argentino é que eles estão brincando com fogo. Foi a ameaça de extinção das comunidades maias que as levou a se organizarem no EZLN e a decidirem pelo levante armado. Algo semelhante está acontecendo no sul do Chile e no sul da Colômbia, assim como na Amazônia brasileira. Eles não querem a guerra, mas não têm medo dela se sua existência como povo estiver em jogo.
Amanhã, não digam que não sabiam.
Fonte: https://pelotadetrapo.org.ar/el-extractivismo-es-la-muerte-de-los-pueblos/
Tradução > Liberto
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