Uma bibliotecária descobre em uma caixa do Arquivo Histórico de Barcelona desenhos inéditos que uns 500 menores fizeram em uma sala de leitura habilitada para meninos e meninas durante o conflito
Por Carla Quintana | 17/07/2023
Os irmãos Fernando e Mariano Cuerda Rodrig Álvarez eram uns meninos quando a guerra os pegou sem avisar. Viviam na praça Nova, muito perto do Arquivo Histórico de Barcelona. Em 30 de janeiro de 1938, a aviação italiana de Benito Mussolini bombardeou seu lar e se viram forçados a fugir.
Muitas escolas já haviam fechado suas portas e os meninos e meninas passavam o dia na rua. Brincavam de imitar o que viam: assassinatos e batalhas. Ante a ameaça das bombas fascistas sobre o centro da cidade, o Arquivo Histórico impulsionou um refúgio para que os menores pudessem se salvaguardar e também ler, escutar histórias e pintar.
Em seus 92 anos, Mariano, desde seu exílio no México, recordava “com carinho” as tardes na Sala de leitura para Infantes, um lugar para a evasão, refúgio e diversão de muitos meninos e meninas que, como ele, haviam sido condenados a crescer entre bombas.
A sala, inaugurada em setembro de 1936, se converteu em outra janela para o mundo para centenas de meninos e meninas. Assim o refletem as centenas de desenhos que realizaram durante esses meses, nos quais se mesclam a simbologia bélica com personagens míticos do imaginário infantil do momento.
Até agora, ninguém sabia da existência destas ilustrações. Passaram mais de 85 anos fechadas na caixa 26 do Arquivo histórico da cidade até que a bibliotecária do Arxiu Maria Messeguer as descobriu faz uns meses.
O achado se converteu na exposição L‘Arxiu en Guerra, com curadoria de Messeguer e do historiador Daniel Venteo, que explica pela primeira vez, a guerra desde o ponto de vista dos infantes de Barcelona.
Messeguer, que anteriormente trabalhou em uma biblioteca especializada em literatura infantil e juvenil, um dia se interessou por uma fotografia da Sala de leitura para Infantes, realizada pelo fotógrafo Carlos Pérez de Rozas, que estava pendurada no vestíbulo da Casa de l’Ardiaca. Uma companheira lhe sugeriu que investigasse em “el Arquivo del Arquivo”, onde se guardam os documentos relativos à gestão administrativa da instituição.
Ali, a bibliotecária deu com a caixa 26 na qual figuravam os nomes de meio milhar de infantes que visitaram a Sala de leitura, assim como as coleções de livros e revistas que seus usuários leram e reproduziram em seus próprios desenhos: TBO, El Gato Félix, Pocholo, Rataplán, Charlot, Bimbo, El Patufet ou Pirulí.
A caixa 26 não só continha ilustrações tipicamente infantis. “Pone la piel de gallina” ver tantos desenhos que continham alusões à guerra”, expressa Messeguer. A bibliotecária rememora como não poderia conter o entusiasmo por compartilhar a descoberta, pelo que começou a buscar fontes orais e documentação histórica junto a Venteo.
De fato, os curadores dizem “sonhar” em organizar um encontro com os autores ou seus familiares mais diretos, já que esta mesma semana uma pessoa reconheceu na exposição os nomes de sua mãe e de sua tia: Núria e Montserrat Llopart. Por isso, não descartam que durante os próximos meses apareçam mais pessoas vinculadas aos 500 usuários que passaram pela Sala de leitura para Infantes.
Quando os meninos pensam na guerra
A mostra temporária, estreada este mês de julho e que poderá ser visitada até o próximo 4 de novembro, apresenta na sala principal da Casa de l’Ardiaca coleções de revistas e livros infantis que inspiraram, em grande parte, os quase 1.000 desenhos que a bibliotecária encontrou no Arquivo da caixa 26, dos quais uns setenta foram selecionados para sua exibição.
Abundam, como é lógico, representações de cenas da vida cotidiana, assim como ilustrações de personagens que apareciam nas capas destas revistas infantis. Mas a grande espetacularidade da mostra reside em que também há ‘Popeyes’ da CNT, cowboys convertidos em soldados, trincheiras, metralhadoras ou hospitais de campanha.
Pode surpreender que os infantes foram tão conscientes do espirito revolucionário que invadia seu dia a dia. Neste sentido, Venteo recorda que naquela época se fazia uma “propaganda massiva” por parte de milícias populares como a CNT e a FAI, incluindo, também, a difusão propagandística por parte da Generalitat republicana. Segundo explica, era “normal” que meninos e meninas se sentissem emocionalmente vinculados à guerra, especialmente, quando viam marchar os seus familiares à frente.
O curador quer enfatizar que o famoso cartaz “Aplastemos el fascismo” de Pere Català, no qual se mostra uma alpargata esmagando uma cruz gamada, não se fez até meses depois que um menino desenhasse a mesma ideia na Sala de leitura para Infantes. “Parece um desenho premonitório”, aponta Venteo, já que aparece um miliciano pisando a palavra ‘fascio’, rodeado de siglas pertencentes a entidades antifascistas da época: CNT, FAI, AIT e POUM.
O segundo âmbito da exposição recupera a memória histórica de dois aspectos intimamente vinculados à infância e ao mundo dos Arquivos durante os anos da Guerra Civil: a celebração da Semana da Infância —a alternativa laica aos Reis Magos— e a contribuição do Arquivo Histórico da cidade para salvar o patrimônio documental catalão durante a guerra, realçando o papel de Agustí Duran i Sanpere, seu diretor e impulsionador da Sala de leitura para Infantes.
Uma homenagem para os meninos e meninas que vivem uma guerra
“Esta exposição documental quer ser uma oferenda para os infantes que viveram ou vivem atualmente a guerra em suas carnes”, sentencia Venteo. E acrescenta também que a mostra propõe uma imersão emocional e didática para “ponerse en la piel de estos niños y niñas”, já que se divulgam, também, alguns dos acontecimentos de transcendência histórica que atravessaram a vida dos infantes durante os primeiros meses da Guerra Civil.
Tanto Messeguer como Venteo afirmam que a exposição está tendo uma muito boa acolhida por parte do público, sobretudo adolescentes e gente jovem. “É necessário fazer pedagogia sobre o olhar infantil da guerra, assim como do grande trabalho de conservação dos Arquivos para conhecer novas histórias e seus matizes”, corroboram os curadores.
Ambos esperam que L’Arxiu en Guerra possa prorrogar seu tempo de exibição até o mês de dezembro, para assim estender a oportunidade a centros educativos que queiram visitá-la.
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
sombras pelo muro:
a borboleta passa
seguindo a anciã…
Rosa Clement
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!