Bem, companheiros e companheiras, estamos de volta com os artigos aqui no blog do À Margem. Sem “domínio” e sem “hospedagem”, mas não menos radical. Sem faltar com respeito a quem eu acredito que irá ler este texto de peito aberto e com senso crítico que merece. Todos nós sabemos, ou quase todos nós percebemos o quão acelerado está esse tempo burocrático – aquele que marca os milésimos, os segundos e as horas – do que devemos fazer ou deixar de fazer, o porquê e como fazer aquilo que nos impõe. Eu adoro o cheiro de uma flor cujo seu aroma faz-me transbordar de poesia. Mas se a jornada de trabalho extrapola todo o limite mínimo para que um corpo possa se conectar com a natureza, como vou permitir deixar a poesia entrar em mim?
Aqueles que defendem o status quo (aqui concebido como um conjunto de relações que predominam boa parte das narrativas sociais) irão reproduzir o velho e tóxico discurso no qual criminalizam o fazer política. É bizarro, porque estes mesmos, apoiam a existência de um Estado, as atividades de um agronegócio genocida e por aí vai. Nós os anarquistas, você que não se identifica com a atmosfera partidária, temos muitos motivos para criticar as hipocrisias e violências vindas do parlamento. O mesmo acontece com o que se chama de grande mídia – aquela com maior repercussão de audiência. Posso ser sincero com vocês? Nesse exato momento ocorre-me uma raiva enorme desse sistema capitalista, que é a extensão daquela força energética de outros tempos. A disputa por “poder”. Concentração de riqueza. Depois querem que sejamos moderados. Deixa eu respirar três vezes e me recompor. Aliás, estou me comunicando com quem, a princípio almejo que tenha interesse em minha reflexão. Pois bem, com o tempo linear, aprisionado pelos “poderosos” que mais querem que não fiquemos ociosos do que realmente possamos produzir mais. Até porque no capitalismo não tem espaço para todos. Os meios de produção são destruídos para que poucos possam controlar a classe trabalhadora através das “trocas voluntárias” – leia-se salário precarizado.
Essas coisas que citei acima geram vários tipos de comportamentos em nossa sociedade. Tem o que não se importa mesmo, aceita a submissão, tem o que sabe que é maçante mas tem preguiça de lutar, porque no fundo quer ser “bom vivant” também (sem moralismo”, tem o que se sensibiliza, se engaja, absorve e compreende que a luta por um mundo melhor, não é um mero desejo individual, mas uma vontade política que de fato atinja toda uma população. Os preguiçosos ou “burgueses de espíritos” certamente vão vir com o papo que isto é uma “utopia”. Recentemente assisti (por acaso) um vídeo na internet pelo qual o locutor (um ex deputado de um partido de direita) dizia que as pessoas com “ideologia” estavam ultrapassadas e que essa coisa de ver “política em tudo” é uma perda de tempo, porque o mundo não quer saber mais desses empecilhos. Essa velha tática dos sentinelas do capital de coagir as pessoas não falarem sobre o bairro, a cidade, a vida, politicamente, é bastante nocivo para a melhoria nas vidas dos mais vulneráveis – do ponto de vida da falta de moradia, saúde frágil, salário precarizado, etc. – e portanto a inércia vai tomando conta consideravelmente de boa parte dos espaços sociais. Tem diversos vulcões dentro de mim querendo entrar em erupção, não para destruir o mundo, mas para irromper com tal estrutura de sociedade que gera fome, miséria e mortes em grande escala. Por um outro lado reconheço que não posso agir com violência nem com proselitismo junto ao meu vizinho ou qualquer outra pessoa na rua. O mundo é complexo. Com isso é sábio utilizar da prudência para se relacionar em determinadas situações. Veja, não estou falando de se curvar a uma pessoa nem a uma narrativa. Mas da gente ser sagaz, observar, e agir com a sensibilidade de uma navalha. Deixa o soberbo achar que você está “morto”. Quanto ele menos esperar vai sentir a força da resistência – não necessariamente violenta, mas tão sutil como a água que sobrepõe a mais dura das pedras. – Eu publiquei em minhas redes sociais um breve texto sobre o porquê da expressão “sensível como uma navalha”, em outra ocasião colocarei aqui. Prosseguindo com a minha construção reflexiva, acredito que o cerco está apertando para cima dos insurgentes, revolucionários, anarquistas, radicais, seja o que for que pede uma outra sociedade. Olha o que está acontecendo com os povos indígenas na américa latina, sobretudo aqui no Brasil. Sem contar os apartheids pipocando pelos quatro cantos do planeta. A partir dessa dura realidade para quem tem propósito em contribuir para um mundo mais igualitário, é que acredito que os mesmos terão que pensar mais ainda em modos sofisticados de implementar nas várias atuações diante das lutas espalhadas por aí. O mundo está acontecendo agora. O que aconteceu lá atrás pode não acontecer mais. Alguns creem que temos que responder na mesma moeda aquilo que sofremos diariamente. Confesso que em dado momento, isso passa pelo meu corpo, a revolta é inevitável, mas será que talvez não seja essa uma armadilha que o Estado-Militar-Capitalista, quer que façamos? ´Que aí pode ser uma justificativa para gerar mais ainda repressão. Perceba, não falo sobre binarismo – de não-violências versus autodefesa – pelo simples fato de que o debate fica capenga com essa condição. A minha questão é mais a nível do cotidiano, até de fato atingir um aspecto mais macro, de encontrarmos caminhos que reconfigurem um modo sofisticado de nossa parte. É evidente que tem artistas, professores, comunidades, coletivos, ativistas, fazendo esse papel, entretanto minha indagação talvez vá de encontro com um pilar bem importante para o anarquismo que é o internacionalismo, e nisso, penso em como estas forças de ações, podem se aglutinar para sairmos do jogo da resistência e entrarmos no campo da real disputa.
Querem que sejamos comedidos ao mesmo tempo que a polícia invade uma comunidade dita periférica que mata corpo pobre e preto. Como falei acima, eu amo me conectar com a minha sensibilidade. De poder ver a beleza em uma flor que está molhada com a água da chuva. Acho lindo o bater das asas de uma borboletinha que voa, voa para afirmar a sua beleza e sua vida. Não está sendo fácil ver a limpeza étnica que os palestinos estão sofrendo por um Estado colonial. Essa praga do colonizador é quem degrada o solo, as diversas espécies, o meio ambiente. Quem fez jorrar lama em cidades como Mariana (MG) e Brumadinho (MG), destruindo ambas, não foi quem estava questionando a indústria extrativista e suas atividades nocivas, na verdade foram os gananciosos. Se privatiza para enriquecer acionista estrangeiro. Belo Monte até hoje mexe com o psicológico dos afetados pela toxicidade dessa usina.
Dias atrás falei para uma companheira que a sociedade é como um jogo de xadrez, com a diferença que nesse jogo real, pessoas pagam com suas vidas. Uma grande narrativa vai sendo disseminada em tudo que é canto, da conversa da padaria até a um bizarro anúncio que fala em ficar rico em segundos. E como mencionei anteriormente, quando esta narrativa do “olhe, não fale de política, não questione quem quer empreender”, faz com quem está a procura de um emprego para pagar os seus sustentos, se afaste das discussões sobre a cidade, o mundo. Tenho a consciência de que em muitas comunidades, as pessoas reinventam seus modos de sociabilidades de forma sofisticada. As culturas de matriz africana afirmam isto.
A narrativa que se pretende hegemônica visa fazer com que a população se afaste cada vez mais das decisões que irão impactar direta e indiretamente em suas vidas. Como disfarce, vão colocar gestores ricos para se eleger como parlamentar, falando que não é político. Trazendo Murray Bookchin para esta proposição, o mesmo aponta para o quão a esfera anarquista não pode deixar de pensar o progresso, a civilização, as tecnologias, porque senão vai deixar que os capitalistas ditem o ritmo das coisas. Bookchin inclusive fala que se não pensarmos uma tecnologia que erradique o trabalho braçal, por exemplo, o sistema capitalista irá continuar remando para que o trabalho continue precário. É exaustivo demais ficarmos horas do dia pensando, trabalhando para que tais situações aconteçam. Mas assim como o norteamericano pontua sobre as tecnologias, também acredito que se abdicar de tais debates, é oferecer caminho livre para os oligarcas mundiais.
Não abrir mão de meditar, de brincar, de dar um banho no mar, na cachoeira, de encontrar amigos, pessoas, faz muito bem para o corpo. Escapar para resistir. Ludibriar o sentinela do capital, são táticas cotidianas poderosas ao meu ver, mas a mim acredito, como um corpo rebelde, anarquista, que nunca possamos deixar a nossa sensibilidade como uma navalha, se desprender de nossas almas. É ela que ajudará a iluminar sempre que preciso aquele cantinho precioso do nosso inconsciente. Quero amar vocês permitindo que os mesmos discordem de mim sem desejar o meu fim. Quero receber o amor de vocês que respeitem a minha decisão de não seguir o que a maioria quer.
Gabriel Ribeiro
À Margem
amargemcanal.wordpress.com
agência de notícias anarquistas-ana
E cruzam-se as linhas
no fino tear do destino.
Tuas mãos nas minhas.
Guilherme de Almeida
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!