Por Antonio Hidalgo Diego
A imensa maioria de nossos familiares que viveram pessoalmente o que se chamou “guerra civil espanhola” faleceu. Durante décadas vivemos tempos de paz militar, não a paz interior. Três gerações sem pisar a trincheira e sem caderneta de racionamento são mais que suficientes para chegar à errônea conclusão de que as guerras são coisa do passado, são próprias de lugares remotos, um pesadelo improvável para uma sociedade tão “avançada” como a nossa, na qual nos preocupamos pelo respeito dos direitos humanos, a saúde mental e os cuidados sanitários.
As professoras ensinam seus alunos a rechaçar a guerra, pintando nos pátios dos colégios bem intencionados murais com pombas e folhas de oliveira, mas nunca lhes ocorreu ensinar a essas crianças o quê fazer quando se vê a guerra desde a janela de sua casa e não desde a tela da televisão. Os meninos sonham em ser milionários enquanto brincam despreocupadamente a chamada à ação; a guerra, para eles, para nós, é tão virtual como um vídeo game. As meninas se preocupam em estudar uma graduação e uma pós graduação e um mestrado e conquistar assim um brilhante futuro de trabalho assalariado, ao mesmo tempo que se cuidam muito para não ser objeto de nenhum micromachismo, de não ter menos direitos que os homens. Mas tanto elas como eles não foram informados de que a guerra, longe de ser um incômodo a evitar na preparação de suas próximas férias ao exterior, é uma triste realidade que se impõe com cada vez mais evidência. Soam os tambores de guerra. Eles e elas, nossos jovens, tem já um bilhete reservado para participar ativamente no conflito bélico que está por vir.
A mili já não é a aborrecida historinha que o avô sempre conta. O ministro de defesa da Alemanha, Boris Pistorius, comunicou que há que recuperar o serviço militar obrigatório para “jovens, mulheres e homens”. A comissária parlamentar para as Forças Armadas alemãs, Eva Högl, declarou que “terminar com o serviço militar foi um grande erro”. Um total de dezoito Estados europeus mantém ou recuperara a “mili”: Albânia, Áustria, Azerbaijão, Bielorrússia, Chipre, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Letônia, Lituânia, Noruega, Rússia, Suécia, Suíça, Turquia e Ucrânia. Patrick Sanders, chefe do Estado Maior do Reino Unido, vai mais além e reclamou recentemente a criação de um “exército cidadão” que complemente as forças profissionais para alcançar assim os 120.000 efetivos militares em três anos.
O gasto bélico mundial não parou de crescer nos últimos oito anos, sendo o continente europeu, o nosso, o dos direitos humanos, o do estado de bem estar, o que mais incrementou seu gasto em armas e apetrechos para a guerra. Em um ano, o gasto bélico na Europa aumentou em 13%, destacando países como Finlândia (incremento de 36%), Lituânia (de 27%), Suécia (12% mais que o ano anterior) ou Polônia (incremento de 11%). Se Arábia Saudita aumentou seu orçamento militar em 16% com relação ao ano de 2013, o incremento da China foi de em escandaloso 63%. O mundo se prepara para a guerra; Europa também.
O governo sueco advertiu sua população de que devem se preparar para uma “guerra total”. Erik Kristoffersen, chefe das Forças Armadas norueguesas, assinalou que em apenas dois, talvez três anos, terão que fazer frente a uma invasão russa: “resta pouco tempo”. Grant Schapps, secretário de defesa do Reino Unido, advertiu que a Grã Bretanha “deve preparar-se para novas guerras contra a China, Rússia, Irã e Coreia do Norte nos próximos cinco anos” e reivindica um incremento substancioso do gasto militar. Muitos cidadãos polacos tem medo de uma iminente invasão russa, ainda mais desde que se divulgou que o presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, informava a seu aliado russo, Vladimir Putin, que os mercenários do Grupo Wagner querem “marchar para Varsóvia” e estão entrando em território polaco camuflados entre o coletivo de migrantes que acessam o país desde a Ucrânia.
É muito provável que, em poucos anos, estejamos em guerra e tenhamos que chorar a morte de nossos jovens enquanto fazemos intermináveis horas extras em uma fábrica de armamento. Será o momento no qual cairemos da videira e deixaremos de ver o Estado como essa ferramenta neutra que nos paga a pensão, nos oferece de maneira altruísta o “melhor sistema sanitário do mundo” e legisla leis justas, sensatas e necessárias que nos protegem do empresário explorador e do ex marido maltratador. A alma do Estado é seu exército e para o alto mando militar só há três situações possíveis: guerra, pós guerra e pré guerra. Não o digo eu, o diz o secretário de defesa britânico: “passamos do mundo do pós guerra ao mundo da pré guerra (…) fechamos o círculo”.
Delegar todas as decisões que afetam nossas vidas nas instituições estatais significa viver em um ciclo sem fim de conflitos armados. Guerra é sinônimo de morte, de mutilação, de violações massivas, de destruição de nossa casa, de fome e de frio. Votar nas eleições é introduzir uma bala no tambor. O amor à pátria é a pulsão de morte prematura de teu filho.
A repulsa das instituições estatais é, pelo contrário, a mais firme oposição à guerra.
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
pardal sozinho –
primeira aventura
fora do ninho
Carlos Seabra
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!