Depois de mais de uma década, a Publicación Refractario chega ao fim, e assim fechamos as portas deste projeto.
Nós postergamos essas palavras finais e o necessário sentimento de encerramento deste projeto, refletimos sobre continuá-lo ou criá-lo sobre novos formatos, mas é necessário que deixemos um bilhete na porta antes de fecharmos. Um projeto construído com tanto esforço e carinho merece um encerramento digno.
Em Julho de 2012 nós começamos esse projeto de contrainformação. Nós produzimos materiais em papel que duraram oito edições (de 2012 a 2014), e nós também publicamos 5 edições especiais. Sem dúvidas, o coração do nosso projeto era o site. Nele nós convergimos várias dimensões do campo anticarcerário: notícias, contingências, convocatórias, propaganda, reflexões e posicionamento em diferentes conjunturas, materiais de interesse, memória e informação prática.
Ao longo de 11 anos, o projeto operou, para muito além dos objetivos iniciais. Mantivemos o ritmo de publicação, o espaço para reflexão e posicionamento em diferentes conjunturas, enquanto por outro lado o feedback dos camaradas que traduziram os textos, enviaram comunicados e mantinham discussões informais dentro do movimento anarquista fez da Refractario uma ferramenta útil e ativa.
Ao longo desse período nos alegramos com inúmeros camaradas sendo soltos da prisão, acompanhamos o julgamento de vários e mantivemos forte agitação em solidariedade com vários que ainda estão atrás das grades. Muitas campanhas foram internacionalizadas graças a projetos como esse, que nos permitiram informar, disseminar e posicionar a urgência em outras latitudes. A intenção sempre foi nos tornarmos um espaço para encontrar informações precisas, assim como abrir a discussão sobre tantos que nesses anos têm dividido os ambientes antiautoritários ligados à prisão, julgamentos e repressão.
No fim de Janeiro de 2006, a página de contrainformação “Palabras de Guerra” deu adeus ao mundo virtual. Nós destacamos algumas das razões que levaram ao seu encerramento, como expressas em seu comunicado de despedidas.
– Excesso de conteúdo de informação, na maioria supérfluos, uma reflexão na sociedade Ocidental do excesso.
– Ritmos acelerados de publicação, confrontados com ritmos naturais
– Um imediatismo que gera a necessidade de estar constantemente informado
– A emergência de uma subjetividade revolucionária cuja militância é baseada principalmente na internet
(O texto completo permanece disponível aqui: lahaine.org/est_espanol.php/la_web_anarquista_palabras_de_guerra_se)
Essas críticas e cuidado têm nos acompanhados desde sempre nos vários projetos de contrainformação dos quais participamos, apoiamos, colaboramos ou construímos. Mas nitidamente nos últimos anos nós temos encarado uma verdadeira força centrífuga em relação às mesmas questões que já foram levantadas por camaradas anos atrás.
A pandemia foi a materialização de uma erosão que vem crescendo por pelo menos um ano no que diz respeito ao uso do nosso site. O uso massivo das redes sociais, em especial o uso da plataforma Instagram em detrimento de página web na busca por informação e “debate” dentro do movimento anarquista foi exponencialmente consolidado.
E dada a natureza da plataforma e seus formatos de publicação, os argumentos apresentados pelos camaradas do “Palabras de Guerra” tem chegado a níveis ridículos e absurdos. Nos encontramos com uma quantidade de informação que está mudando, não apenas diariamente, mas hora a hora. Ao mesmo tempo, a necessidade de se manter informado nos faz manter um ritmo frenético de publicações onde o que é relevante se perde em um mar de informação que nós mesmos criamos.
É essa dinâmica que impede uma melhor reflexão, debates e mesmo por design (o uso de textos convertidos em imagem como modelo) torna impossível a tradução e transcrição de textos, em alguns casos levando até mesmo a elaboração de textos menores para se adequar a seu espaço reduzido. A modalidade nega qualquer forma de arquivamento ou mecanismo de busca do que foi publicado no passado, mas aí está, trabalhando de uma forma ou de outra “conectando” muites companheires. Anúncios, notícias urgentes, manchetes e alguns comunicados são agora disseminados exclusivamente através desses canais. Por exemplo, nós tentamos nos aventurar nesse formato com o Refractario, mas não alcançamos sucesso, precisamente pois a impossibilidade de desenvolver reflexões ou compartilhar textos que fossem além destas limitações. Eles simplesmente não são compatíveis.
Nós entendemos que esses problemas afetam não apenas nosso projeto, mas inúmeras páginas da web e projetos de contrainformação que foram encerrados ou se tornaram obsoletos. A escassez ou ausência de jornais físicos também nos dá uma pista do problema. Se isso viesse acompanhado de uma proliferação de espaços físicos, encontros reais, debates, não seria tão preocupante como o cenário decadente no qual ambientes anárquicos se encontram atualmente. A repetição de slogans, a ausência de respostas contra massacres repressivos, a indiferença pelo que acontece fora do círculo de conhecidos, a identidade e o estilo de vida como luta, é acompanhado pela imagem/estética de capuzes e fogo como um fim em si mesmo. Para fortalecer o internacionalismo, para elaborar reflexões, perspectivas de luta, para projetar novas ofensivas, para costurar redes de conspiração, para nos educar politicamente em uma forma independente são elementos indispensáveis na hora de nos armarmos na guerra social, aspectos que são afogados em petições reformistas, reclamações, poses de gangue e escassos espaços para aprofundamento político.
Nós deixamos registrada nossa visão atual do ambiente anárquico pós revolta e o desuso prático no qual nossa página caiu (entre outros projetos), então talvez o que aconteceu em outra época, em outro território, possa servir como uma experiência aprendida. Esse cenário não nos desmotiva de maneira alguma, mas acreditamos que é necessário avaliar o presente com um senso de realidade para aprofundar e qualificar os caminhos de negação a este mundo. Onde buscamos nos informar, onde levantamos debates, como conversamos entre camaradas que não se conhecem, onde marcamos nós mesmos a iniciativa e não a conjuntura?
Hoje, Refractario chega ao fim. Mas este não foi o primeiro projeto anticarcerário e certamente não será o último. Hoje decidimos dar um enterro a este projeto e não deixá-lo flutuando a esmo. A página permanecerá no ar por tanto tempo quanto a virtualidade permitir, para que os queiram revisar nosso rico arquivo que existe lá. Na bagagem de experiência permanece todos os comunicados e redes de caráter internacional forjadas, os debates abertos e acalorados que permitiram ao mundo anarquista se posicionar e se nutrir.
Nossa contribuição buscou escapar da solidariedade acrítica, evadir os espaços de caridade e rejeitar a desinformação geralmente tão presente na realidade dos prisioneires (Quando foi preso, de que foi acusado, há quanto tempo foi sentenciado, onde está, já foi solto?), defendendo a perspectiva que considera os prisioneiros da guerra social como os camaradas que estão nos fazendo falta nas ruas, portanto nós rejeitamos qualquer figura heroica ou intocável, conversando com eles, dialogando, levantando propostas ou debatendo.
Antes de concluir, nós não esquecemos da urgência que significa o cumprimento de sentenças que vem da justiça militar contra o camarada Marcelo Villarroel, a longa sentença que o camarada Juan Aliste está servindo, o regime de isolamento enfrentado pelo companheiro anarquista Alfredo Cospito na Itália ou a recente sentença de prisão perpétua deferida contra o companheiro anarquista Francisco Solar, que assumiu os ataques contra os poderosos e opressores.
Finalmente, nós chamamos ao fortalecimento de todos projetos de contrainformação que teimosamente resistiram ao tempo, como o Informativo Anarquista, apenas com o apoio de todes nós, se tornaram ferramentas úteis.
Nada acabou, tudo continua.
“Nós não desistimos de nossos camaradas aprisionados. Nossa solidariedade ofensiva é vingança por estarem cativos. Isso não significa uma identificação com a visão deles. Os prisioneiros não são ídolos sagrados ou símbolos da luta, mas são eles que fazem falta de estarem ao nosso lado” – Conspiração das Células de Fogo
“A vida é uma luta contínua, é superar a monotonia e a inércia” – Mauricio Morales
Refractario – Fevereiro de 2024
publicacionrefractario.wordpress.com
Tradução > 1984
agência de notícias anarquistas-ana
Em minha cabana
É só assobiar
Que vêm os mosquitos!
Issa
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!