Entre as respostas que a inteligência artificial (IA) me ofereceu quando lhe perguntei sobre o transporte de animais vivos em barcos de um continente a outro, a primeira eu esperava: eficiência e baixos custos que permite “aos produtores acessar a mercados estrangeiros e ampliar suas oportunidades comerciais, o qual se considera lucrativo para o crescimento econômico global“. Certo, em um só navio podem transportar mais de 20.000 terneiros, por exemplo. A segunda também era previsível, pois parece que dita inteligência se move com argumentações neoliberais muito precisas: “Se devem estabelecer padrões de bem estar animal para garantir que os animais sejam tratados com cuidado e respeito durante todo o processo. Isto inclui proporcionar-lhes suficiente espaço, água, alimentação adequada e atenção veterinária durante a viagem“. Mas a terceira me pasmou quanto à capacidade criativa destes algoritmos: “Também, em alguns casos, os animais podem ter acesso às áreas ao ar livre no navio, o que proporciona uma experiência mais enriquecedora durante a viagem“. Vamos, como um cruzeiro.
Foi por brincar, por provar e conhecer estas tecnologias totalitárias às quais teremos que nos acostumar (ou não), porque na realidade aonde queria chegar ao meu trajeto investigativo é a consideração de alguns exemplos sobre como o transporte marítimo se mantêm como um dos principais elementos na atual economia global e capitalista, afastando de nossa vista, com escasso controle e muito sigilo.
No setor alimentício, a imagem de um navio mercante convertido em um estábulo amarrado no porto de Cádiz, procedente da Colômbia e com destino ao Egito, é tão impactante como ilustrativa, tanto que nos faz meditar sobre o que significa ecossocialmente dedicar um território e seus bens para a criação de animais que depois se exportarão a terceiros países. Mas temos que saber que, na península, esta imagem se repete assiduamente para dar saída a uma parte importante da produção animal estatal, que tem como destino principalmente a Arábia Saudita junto com outros países do Oriente Médio e do Norte da África. De fato, na Europa só três portos se dedicam à exportação de animais vivos, cujo tráfico é liderado pelo porto de Cartagena, com envios anuais que superam as 500.000 cabeças de gado, seguido pelo de Tarragona, com umas 240.000 cabeças por ano.
A IA me diz que o transporte marítimo também é chave para o tráfico de combustíveis e minerais, mas a ignoro e prefiro centrar-me no informe Os portos da morte, cúmplices das exportações de armas espanholas para a guerra, onde o Centre Delàs desvela outro grande grupo de operações marítimas entre Espanha e Arábia Saudita. “As armas são preciso levá-las da fábrica à trincheira. Da cadeia de produção ao campo de batalha” e para isso, explicam, vários buques propriedade da dinastia Saud fazem escala na Espanha após carregar contêineres de armas e explosivos de todo tipo nos Estados Unidos “para completar o abastecimento de um exército muito ativo cuja principal atividade militar se dá na guerra do Yemen“. As cifras são aterradoras: “Desde 2016 os portos espanhóis de Bilbao, Santander, Motril, Sagunto e Cádiz carregaram ao redor de 35.000 toneladas em armamento, que bem podem supor mais de um milhão de munições e explosivos fabricados na Espanha com destino ao exército da Arábia Saudita“. Um comércio de armas que, segundo a IA, “propõe preocupações éticas e de direitos humanos, mas que em termos econômicos oferece o potencial de gerar rendas consideráveis para os países exportadores de armas. Para Espanha, a exportação de armas pode contribuir para o crescimento econômico e a criação de emprego no setor de defesas e tecnologia militar“.
Todo este ir e vir de materiais também gera contaminação. Concretamente, segundo um informe de 2.021 da Comissão Europeia, a indústria de transporte naval provoca 14% do total de gases contaminantes, e não faz falta ser nem artificial nem inteligente para intuir que já se fala de propostas milagrosas para dar sustentabilidade a este setor. Efetivamente, entre elas, destacam as iniciativas para conseguir que esta maquinaria pesada de difícil eletrificação possa navegar graças ao hidrogênio verde que, como vimos no informe O hidrogênio verde um risco para a soberania alimentar, será uma nova agressão para os ecossistemas rurais.
Intuindo como a transição energética só quer fazer sustentável o que é insustentável e inaceitável, não se equivocava o pastor de Os contos do progresso, quando previu “Se uma empresa armamentista funciona com energia verde, as mortes serão sustentáveis?“.
Mais que inteligência nos convêm sabedoria.
Gustavo Duch
ctxt.es
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
No cimento quente,
A ilusão de um oásis:
Vaso de samambaias
Edson Kenji Iura
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!