Stalin ou Hitler?

Estes dias tenho me sentido como num túnel do tempo, vivendo uma situação semelhante ao que houve na Segunda Guerra: não apenas por causa da catástrofe que está assolando o Rio Grande do Sul (RS), mas também por causa do cenário político que a permeia. 

Na grande guerra, dois genocidas disputaram entre si pelo poder de fascinação das massas, um mais à direita (Hitler) e outro mais à esquerda (Stalin), e ali quem era de direita não admitia questionamentos à imagem do Fuher Hitler, enquanto quem era de esquerda não admitia questionamentos à imagem do Paizinho Stalin: enquanto as massas alinhadas a cada lado atacavam os pastores supremos do lado oposto e defendiam cegamente os seus pastores políticos de estimação, ambos os pastores, de direita e de esquerda, chafurdavam impunemente na lama dos mais hediondos crimes contra a humanidade – Stalin com seus Gulags e Hitler com seus campos de concentração (aliás, inspirados nos Gulags de Stalin).

O que se passa agora no Brasil com o caso do RS não é muito diferente: enquanto milhares de pessoas morriam afogadas (sim, ou vocês acreditam realmente no discurso da grande mídia e das autoridades de que numa catástrofe daquelas proporções morreram apenas algumas centenas?), um simplesmente sumiu da cena, enquanto o outro fazia “brincadeiras” com chistes futebolísticos (enquanto sua esposa “curtia” em mega eventos) e impunha um “corpo mole” nos processos burocráticos e nas providências oficiais necessárias para acudir o povo.

E eu nisso? Bem, como anarquista que sou, tenho apontado para os crimes contra a humanidade cometidos pelo governo durante esse processo, e eis que vem eclodindo um “ai, ai, ai” da parte de compas que, antes, eu jurava não serem crentes de nenhum pastor político: o raciocínio de fundo motivando a pelegagem aí é fácil de deduzir, pois é o mesmo que calou a esquerda na grande guerra com relação aos crimes de Stalin: ” não se pode apontar os crimes dele agora, sob risco de fornecer lenha para a fogueira do outro”.

Então, é “menos ruim” ser cúmplice (por omissão) de um genocida supostamente “democrático popular” do que de outro “antidemocrático”? É “menos ruim” porque, supostamente, a maioria das vítimas são apoiadores do outro? Porque, supostamente, são “xenófobas”, “amantes de ditaduras”, “monstros inumanos”? Afinal, não foi esse o sentimento que uma influencer governista expressou, ao declarar em uma postagem em suas redes que “estava feliz em ver o gado boiando”?

E eis que, no final, o que um condena no outro aparece claramente como mácula própria dos dois lados: a crueldade.

Eu quero ver quando as águas do RS baixarem, e o processo etnogenocida de construção da ferrovia Ferrogrão (projeto desenvolvimentista apoiado por ambos os genocidas de plantão) começar a avançar, exterminando grupos humanos tradicionalmente associados ao campo do governo (tal como foi nos casos de Belo Monte e da construção das ‘arenas’ da Copa da FIFA de 2014), como vai ficar torcido o discurso de ambos os lados para justificarem uma “necessidade de união em torno de um empreendimento necessário para o benefício comum”, e que se danem os indígenas e quilombolas atingidos, contanto que não se ataque a imagem de seus respectivos pastores políticos. Duvidam? Não seria nenhuma novidade histórica, afinal, no início da Segunda Guerra Stalin e Hitler foram aliados, e os grupos de fiéis seguidores de ambos reproduziram acefalamente a “narrativa” imposta a eles goela abaixo de que “naquele momento isto era necessário”. Ah, as artimanhas do poder.

Porém, no contexto do atual drama do RS, tenho visto pelas redes que começam a surgir manifestações populares frequentes de decepção para com todos os governos, ecoando sentenças do tipo “o povo não precisa dos governos para (sobre)viver”, o que – se os anarquistas não estivessem tão rendidos ao “papai” (ex) “operário”, por medo do mitológico “Fuher” – poderia ser aproveitado como um campo de sentimento coletivo fértil para a promoção de ideias e práticas de autogestão social, antigovernamentais, de modo a construir a partir daí a perspectiva de um cenário pós catástrofe mais tendente ao desenvolvimento de organizações de autonomia popular, ao invés da perpetuação de um cenário de divisão dos de baixo  em torno de dois pólos de poder elitistas, como aconteceu ao final da segunda guerra.

O que mais me impressiona nisto tudo é a estupidez dos “anarquistas”, que não aprendem nada com a história.

Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira 

Anarquista Ácrata

agência de notícias anarquistas-ana

Teus olhos formam
das ázimas lágrimas
rios que retornam ao mar

Anibal Beça