Uma empresa de capital catalão quis converter a Dragonera em uma área urbana para veranistas endinheirados, mas os contínuos protestos da sociedade malorquina e a batalha legal travada pelos ecologistas conseguiram converter a ilhota no que é hoje em dia, um valioso parque natural.
Por Angy Galvín
Mallorca, Menorca, Ibia, Formentera, Cabrea… e Dragonera? Ainda que seja menos conhecida, a história de Baleares passa por essa ilha localizada no sudoeste de Mallorca, em frente de uma das localidades turísticas mais populares do arquipélago: Sant Elm. A luta para salvar a ilhota de Sa Dragonera é a batalha contra a especulação e a destruição da natureza, que às vezes acaba com um final feliz.
O historiador Pere J. Garcia, autor do livro “Salvem Sa Dragonera. Història dels ecologismes a Mallorca” (Illa Edicions), relembra que este parque natural esteve a ponto de ser convertida em uma “ilhota de veraneio para ricos”, que teria acesso pelo heliporto que era previsto para ser instalado pela empresa construtora de resorts de luxo PAMESA (Patrimonial Mediterránea S. A.).
“As mobilizações foram a chave para salvar a ilhota, e vêm de um contexto muito específico: a maioria das pessoas estava mobilizada, pois estavam saindo da ditadura e havia esperanças de mudança”, explica Garcia. “As sucessivas ocupações da ilhota sim, foram uma novidade”.
“Havia hippies, libertários, anarquistas, intelectuais… Não havia acampamentos, nem mesmo barracas. Se dormia de baixo dos pinheiros, ou no máximo num saco de dormir”, comenta o fotógrafo Eduardo Miralles, que participou na ocupação da Dragonera e nas sucessivas mobilizações que a sociedade malorquina protagonizou nos anos 70, contra a construção do resort de luxo.
Os protestos, que se estenderam durante anos, tentavam evitar que a PAMESA construísse um complexo turístico em uma zona de especial relevância ambiental. “Foi uma explosão social, uma luta contra a destruição da paisagem, que cada vez estava – e está – mais cheio de chalés”, comenta Miralles. “Diziam-nos que o contrato estava assinado e que não conseguiríamos nada, mas era preciso lutar.” garante.
Um valor ambiental especial
Dragone é a casa de diversas colônias de pássaros, entre as quais destaca a principal colônia de falcões marinhos da Espanha ou as espécies do falcão de Eleonora (“falcó mari” em catalão). Os ecologistas da época defenderam que representa um exemplo da vegetação das zonas áridas do Mediterrâneo Ocidental e que dá uma beleza singular à paisagem com sua silhueta, que atua como prolongamento da Sierra Norte de Mallorca e fecha a bahia de Sant Elm.
Toni Munyoz, membro do GOB, explica que a Dragonera é uma boa representação dos ecossistemas isolados que puderam se manter à margem da exploração turístico-imobiliária”. A ilha tem elementos de fauna muito importantes, alguns inclusive só vivem ali, como uma subespécie da lagartixa balear e alguns crustáceos. Também habitam espécies armazenadas como a pardela cinzenta (‘virot’ em catalão), a pardela balear (‘virot petit’), o paíño (‘noneta’), os cormoranes (‘corb marí’) e a gaivota de Audouin (‘gavina roja’).
Povoado desde a época talaiótica, a ilhota acabou nas mãos do Bispo de Barcelona, Berenguer Palou, após a chegada dos cristãos. No começo do século XIX passou para as mãos da família Villalonga, voltou a comprar a ilha e a vendeu para a Joan Flexas Pujol em 1944 por 150.000 pesetas. Em 1974, a PAMESA comprou a Dragonera de Flexas, ainda que em realidade Flexas passou a ser acionista da empresa, oferecendo a Dragonera como capital por um valor de 300 milhões.
Veraneio para os ricos
Cinco urbanizações, serviços de luxo, redes de estradas e ruas, zonas de estacionamentos de veículos, duas plantas de tratamento de água, uma estação de tratamento de esgoto, um porto esportivo, um cabo elétrico submarino… A empresa PAMESA tinha planejado uma urbanização quase completa da ilhota, para dar uma ilha a mais de 4.500 pessoas.
PAMESA era uma empresa de capital catalão, vinculada ao Banco Mas Sardá, uma imobiliária de Barcelona e a Cavas Codorniu, como explica Garcia. O historiador comenta que a entidade se construiu apenas para fazer construções na Dragonera. O objetivo era convertê-la em lugar de veraneio para endinheirados, um projeto que contou desde o primeiro minuto com o apoio da Prefeitura de Andratx, que viu oportunidades de negócios na urbanização da ilhota, desde o benefício econômico a concessão de licenças, até postos de trabalho que estavam previstos.
Após umas poucas mudanças no plano inicial, a Prefeitura de Andratx aprovou o plano urbanístico em 31 de dezembro de 1976, “quando a população estava se preparando para as festas de fim de ano, uma data estranha que poderia responder a necessidade de não chamar a atenção”, aponta Garcia. O povoado de Adratx, na linha de Consistorio, apoiou majoritariamente o projeto por interesses econômicos, inclusive chegou ao ponto de expulsar o pároco, Joan Fracesc March, que era contrário aos planos de urbanização.
Além disso, acreditava-se numa imagem distorcida dos ecologistas, dos hippies e dos anarquistas que lutavam pelo ilhote, até o ponto de afirmar que teriam chalés ou que estavam passando as férias em Dragonera. Como aponta Garcia em seu livro, uma carta enviada ao semanário Andraitx se dizia que era uma “juventude barbuda e mal vestida”.
Uma mobilização histórica
O historiador denuncia que as autoridades da época fizeram todo o possível para sucumbir aos “interesses especulativos”. Dragonera passou de espaço protegido a urbanizável em questão de meses. Em 1976 se aprovou o PGOU de Andratx, que previa a urbanização da ilhota. Tudo estava pronto para o começo das obras, mas tanto a Prefeitura de Andratx como a empresa construtora se depararam com uma grande oposição social contra as obras na ilha, que foi declarada parque natural em 1995.
Xavier Pastor, dirigente do GOB naquela época, explica que esta entidade liderou a luta judicial, a qual foi “crucial”. Houve uma batalha legal e burocrática, mas não fosse a mobilização social que aconteceu entre 1977 e 1983, provavelmente Dragonera seria hoje uma área urbana de luxo. A maioria das pessoas que participou no processo para salvar a Dragonera era anônima, e viriam a fazer parte dos movimentos sociais que apareceram depois da Ditadura. Destacamos o Terra i Llibertat, o GOB e a CNT.
Também foram pessoas anônimas que ocuparam a ilha, em protesto, repetidas ocasiões. A primeira ocupação da Dragonera foi em 7 de Julho de 1977, quando um grupo de pessoas, de ideologia libertária e relacionadas com a Terra i Llibertat, se armaram com mochilas e mantimentos para ocupar a ilha. O primeiro problema: como chegar a ela. “Precisaram se passar por estudantes da universidade para poder entrar na balsa que ia e vinha regularmente”, explica Garcia.
Uma vez lá, o grupo acabou ficando incomunicável. Contaram com a ajuda dos que se manifestavam em Palma, que se organizavam para lhes levar alimentos e substituí-los. “Às vezes alguém passava de barco e nos dava arroz ou macarrão”, comenta Miralles. Comíamos muito arroz com peixe. Vinha uma zodiak de vez em quando e nos trazia frutas e um companheiro que tinha prática como piloto nos jogava chocolate de um avião. A guarda civil se assustava”, lembra Pujula.
Os proprietários das barcas estavam avisados que não podiam transportar ninguém até a ilha, por isso um segundo grupo acabou ficando na costa de Sant Elm e organizou desembarques com barcas particulares ou de plástico. Ou mesmo nadando.
A ocupação da ilha foi um processo lento, condicionado pelas patrulhas da Guarda Civil e a guarda costeira, que impediram muitas viagens. O que piorou as condições de vida na ilha. Naquele momento, quarenta pessoas a ocupavam. Uma delas era Montse Pujula, do grupo Terra i Libertat: “ser ecologista é ser revolucionário. Éramos jovens e tínhamos vontade de mudar o mundo. Defino-me mais como libertária do que como anarquista”.
“Foi uma grande aventura, na minha casa não sabiam que eu havia ido. Acho que eu não era nem maior de idade. Disse-lhes que estava na casa de um amigo, estudando. Muita gente jovem de diferentes ideologias queria fazer coisas diferentes”, comenta, a palavra “hippie” veio depois. A maneira de se vestir, de romper com o passado. Eu levava as camisetas do meu pai, e minha mãe as escondia”, lembra.
Pujula lembra que “a ocupação não podia ser mais precária, dormíamos em sacos de dormir” e passamos “por muito medo” pelas patrulhas da Guarda Civil, em uma época na qual o franquismo ainda impregnava os aparatos do Estado. A ideia da ocupação foi de Basilio Baltasar, que planejou a data de 7 de julho de 1977: “Em algumas semanas organizamos a ocupação”, explica Pujula.
Os ocupantes da Dragonera contavam também com as ações que aconteciam na capital malorquina, com o objetivo de arrecadar dinheiro e alimentos, e algumas personalidades como a cantora Maria del Mar Bonet e o pintor Joan Miró apoiaram a causa. Terra i Libertat chegou a organizar uma performance para vender, de forma fictícia, parcelas da Dragonera, enquanto enchiam as ruas de plástico e lixo como metáfora ao que aconteceria caso a ilhota fosse urbanizada.
Dragonera chegou a ser um dos principais temas de debate durante vários anos e até a BBC fez uma reportagem sobre esta ilha balear. As mobilizações começaram em 1977 por coletivos anarquistas e, ao longo de seis anos, foram se desenrolando. Houve três ocupações da ilha. Entre 1977 e 1979, os anarquistas da Terra i Libertat impulsionaram uma mobilização constante, com consequente repressão policial.
Uma vez desmobilizado esse grupo, somente o GOB, que não apoiou desde o início a ocupação da ilhota, foi capaz de manter certo nível de protesto; por exemplo, compartilhando correspondência com os cidadãos para enviá-las a casa do gerente da Codorniu, a quem culpavam de ser o instigador da urbanização da ilha.
A Nomeação como parque natural
A última grande manifestação a favor da Dragonera foi em 29 de agosto de 1981. Finalmente, os tribunais deram razão aos ecologistas, em 1983 os planos urbanísticos foram anulados pelo Conselho de Mallorca por 280 milhões de pesetas ao Banco Bilbao e foi declarado parque natural em 1995.
“Quando vou a Sant Elm e vejo a Dragonera, me sinto orgulhosa. Sou mais consciente agora do que naquele momento. Fazemos muitas coisas na nossa vida e nem sempre ganhamos, mas desta vez sim, ganhamos. Todo mundo lutou para defender a ilha”, comenta Pujula.
Fonte: https://www.eldiario.es/illes-balears/sociedad/anarquistas-isla-balear-ricos_1_8949872.html
Tradução > 1984
agência de notícias anarquistas-ana
Durante o pôr-do-sol
Vejo andorinhas voando
Juntas, sempre em bando.
Renata da Rocha Gonçalves
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!