O dia em que Louise Michel inventou a bandeira anarquista

Quase todo anarquista conhece a história de que a bandeira negra foi utilizada pela primeira vez por Louise Michel, a communard e anarquista francesa, durante uma passeata de desempregados.

A bandeira negra ou a rubro-negra são dois estandartes do anarquismo ao nível internacional. Junto ao mais contemporâneo “anabola”, sinalizam a presença de anarquistas em manifestações e demais rituais políticos.

Ao ler “Anarquismo e a história da bandeira negra” (1997), de Jason Wehling, tomei conhecimento sobre o pioneirismo de Louise Michel no uso do referido estandarte como um símbolo anarquista.

Naquele artigo, Wehling afirma, apoiado em George Woodcock, que Michel teria usado a bandeira negra pela primeira vez em 9 de março de 1883, durante uma passeata de desempregados em Paris, na França, que contou com 500 pessoas e Louise como líder.

O autor diz ainda que “nenhum aparecimento mais antigo pode ser encontrado da bandeira negra” e identifica um uso posterior ao de Michel em 27 de novembro de 1884, em Chicago, EUA, durante uma manifestação anarquista.

Guardei essa sociogênese da bandeira como parte de minha autoformação em anarquismo. Décadas depois, pesquisando sobre Louise Michel na Hemeroteca Virtual da Biblioteca Nacional, ressurgiu para mim a história daquele estandarte.

Na edição de 28 de julho de 1883 do Mercantil, um jornal de Petrópolis, encontrei o artigo de um correspondente do periódico em Paris, que relatava, numa crônica política, aquela passeata de desempregados liderada por Michel.

A crônica indica que a bandeira negra foi usada na mesma data afirmada por Woodcock. O cronista, diga-se de passagem, é simpático à Louise Michel e afirma que Emile Pouget esteve com ela na liderança daquela manifestação e foi condenado a oito anos de prisão, e Michel a seis anos.

A crônica contém detalhes que não foram mencionados por Wehling. Ela nos informa que o evento inaugurador do uso da bandeira negra contou não só com uma manifestação de desempregados, mas com brutalidade policial, provas forjadas, criminalização do protesto, acusações injustas, prisão de lideranças e indignação popular com o veredito.

É representativo do que é o anarquismo, o fato da gênese social da bandeira negra ocorrer numa manifestação de trabalhadores desempregados contra a carestia, liderada por uma anarquista ex-communard e pelo brilhante teórico do sindicalismo revolucionário e futuro vice-secretário de uma histórica organização operária francesa, a Confederação Geral do Trabalho.

O dia em que a bandeira negra foi erguida pela primeira vez, indica uma prévia do modus operandi anti-anarquista do Estado, quase uma receita de bolo para criminalizar o protesto social e encarcerar lideranças populares. Isto é, um manual de como transformar a questão social em caso de polícia.

Três meses após inventar o estandarte que posteriormente seria associado ao anarquismo, Michel foi condenada à prisão. Sua mãe morreu durante esse período. Com quase três anos de encarceramento, ela foi perdoada e libertada com a intervenção de Clemenceau e Rochefort. Saiu dali e realizou uma série de comícios. Pouget seria liberto ainda naquele mesmo ano.

Em seu livro “O conceito de cultura” (2009), o antropólogo Leslie White diz que o símbolo é composto de um significado e uma estrutura física através da qual ele “entra” em nossa experiência. Em 9 de março de 1883, Louise Michel nos deu esse objeto, um pedaço de pano preto, e um significado, a anarquia. Ela inventou um símbolo político até hoje legitimado pelos anarquistas e reconhecido em todo o mundo.

Obrigado, Louise.

Raphael Cruz

agência de notícias anarquistas-ana

Entardecer
Sob o velho telhado
Retornam pardais.

Hidemasa Mekaru

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