[Espanha] O Antipoliticismo Anarquista

Por Laura Vicente

Há poucos dias, tentei me distanciar dos conceitos de “libertário” e “anarquista” que a extrema direita usa com uma desfaçatez irritante. Tentei enquadrá-los em nossa genealogia, que nos custou sangue e fogo (sem querer soar transcendental ou intensa), nunca com intenção de propriedade. O anarquismo é movimento, e está longe de mim a ideia de que haja conceitos ou ideias imutáveis e graníticas, mas também não sou a favor da volatilidade e do “líquido” (como dizia Bauman), porque por trás de nós existem experiências, pessoas, propósitos e emoções que nos enraízam a um projeto que continua vivo, mudando e se adaptando aos novos tempos.

O antipoliticismo, entendido como rejeição à política institucional, à democracia liberal e neoliberal delegada e representativa que nos condena a cada quatro anos aos que nos abstemos sem nos preocupar, ou enviando as “forças da (des)ordem” quando exercemos outros direitos dos quais nunca fazem campanhas publicitárias, tem sido anarquista.

Não quero entrar no debate se é um desses traços invariáveis do anarquismo ou não, entendo que nossa rejeição à democracia delegada e representativa como elemento de dominação pelo Estado é uma posição que faz parte do compromisso ético de não fazer como “meio” o que se contradiz com os “fins” que pretendemos. Não podemos votar e defender, ao mesmo tempo, a democracia direta. Pode haver exceções, remendos, votar “contra” e não “a favor de”, confiar que é possível “assaltar os céus” a partir das instituições, etc. Quando essas exceções acabam se tornando cotidianas, é preciso pensar no que se está fazendo, reconsiderar…, ou não, cada um é muito livre.

Mas, enfim, não estou escrevendo estas linhas para fazer campanha pela abstenção ou para insistir que a política não é apenas política institucional, que a política é “a coisa pública” e disso o anarquismo sempre fez muito. Escrevo estas poucas linhas para mostrar minha estupefação porque agora a bandeira do antipoliticismo e das posições anti-sistema também é erguida pela extrema direita.

Não escolhem um momento ruim, as pessoas estão de saco cheio da política institucional que ficou despojada e com as vergonhas expostas num momento em que quase ninguém tem maiorias absolutas e se coligam direitas e esquerdas, supostamente irreconciliáveis, pelo bem da “democracia” e da estabilidade (e pode adicionar todos os eufemismos que essa política nos oferece continuamente). Dizer ou prometer algo e fazer o contrário é moeda corrente, pactuar com qualquer um que ofereça os votos necessários para governar também. A incomodidade e o mal-estar dos eleitores fiéis vão se espalhando e enraizando, algo que vemos no crescente voto da extrema direita que se posiciona como um farol orientador questionando o sistema e o “establishment”, ou seja, os grupos de poder profissionalizado que manipulam o sistema institucional.

É desnecessário dizer que a extrema direita não se dá mal com o “sistema” e que aspira criar outro “establishment” que assegure ainda mais seus privilégios e sua ordem tradicional sem fissuras: a masculinidade patriarcal, a branquitude, a heteronormatividade, a família tradicional, a sociedade de classes, o individualismo darwiniano, etc.

Ao âmbito anarquista, o que cabe fazer nestes momentos? Como focamos o descontentamento e a despolitização? Votando ou construindo antipoliticismo anarquista?

Fonte: https://redeslibertarias.com/2024/07/14/antipoliticismo-anarquista/

Tradução > Liberto

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https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2024/07/03/espanha-a-direita-nos-rouba-os-moveis-anarquismo-e-libertario/

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serra nevada,
cumes tocam o céu –
nuvem furada

Carlos Seabra

One response to “[Espanha] O Antipoliticismo Anarquista”

  1. Kaboclo

    Bem ruim esse texto que vocês traduziram.
    Eu indico a leitura desse outro aqui escrito pelo Rafael Vianna muito melhor está em duas partes.

    https://elcoyote.net/politica/a-miseria-do-apoliticismo-e-as-raizes-de-esquerda-do-anarquismo-parte-i-rafael-v-da-silva/