Apesar de que nunca conheceremos o número exato de execuções que aconteceram sob acusação de bruxaria na chamada Idade Moderna, sim sabemos que estes assassinatos foram parte de uma vasta perseguição impulsionada pelo Estado e a Igreja que durante três séculos semeou o terror em muitas comunidades ao longo da Europa ocidental, levando à morte a milhares de mulheres. Ademais, já no século XVI os missionários estenderam a caça às bruxas ao “Novo Mundo” como instrumento de conquista e colonização, especialmente no Brasil, Colômbia e Perú. Houve acusações de bruxaria contra homens e mulheres submetidos à escravidão nas plantações americanas. É evidente, pois, como denunciaram as feministas, que a caça às bruxas dos séculos XVI, XVII e XVIII foi um fenômeno histórico mundial de máxima importância, crucial para reprimir a rebelião contra a submissão e para a definição da posição social das mulheres no desenvolvimento do mundo capitalista.
Por este motivo, caberia pensar que um fato histórico tão extraordinário deveria ter movido grandes esforços e inspirado centenas de projetos de investigação com o fim de descobrir suas causas e consequências e as condições econômicas e políticas que o tornaram possível. Mas, como bem sabemos, nada mais longe da realidade. Antes do movimento feminista, só uns poucos especialistas tinham abordado este tema, produzindo textos e artigos disponíveis unicamente para um número limitado de acadêmicos; e a história da caça às bruxas nunca foi incluída em nenhum currículo acadêmico, como se o assassinato legal de milhares de mulheres acusadas com delitos claramente pré-fabricados fosse um fato sem relevância histórica. E o que é ainda pior, como no caso do extermínio das populações indígenas nativas americanas, a caça às bruxas que acompanhou o nascimento do capitalismo se converteu em um brinquedo de criança e em uma diversão, como no caso dos Estados Unidos, onde a noite de Halloween as meninas pequenas colocam “chapéus de bruxas” e brincam ao “trick or treat” (travessura ou gostosura). No momento no qual as “bruxas” se convertem em objeto de lenda, brincadeira, folclore, parte de um mundo imaginário de duendes e fadas, a bruxa real/histórica, a camponesa/artesã/proletária/mulher escrava horrivelmente torturada e assassinada se torna invisível, fica eliminada da história e inclusive ridicularizada. Para gerações de mulheres, incluída a nossa, este fato significou a usurpação de uma história que teria nos ajudado a compreender a origem de nossa subordinação social e a realidade da sociedade na qual vivemos.
Queremos fazer um chamado para reclamar esta história e a memória desta perseguição. Porque o que não se recorda, se repete. E, com efeito, em várias partes do mundo, ao menos desde os anos noventa, temos assistido a uma nova caça às bruxas que já conta com milhares de vítimas e que de novo é dirigida principalmente contra as mulheres. Esta onda de violência e misoginia aumentou de forma alarmante nos últimos anos por parte de movimentos religiosos extremistas que se mesclam com interesses capitalistas e extrativistas e atacam mulheres e comunidades em defesa de seus territórios. Por isso decidimos não ficar caladas. Recuperar a história das “bruxas” que, para muitas das quais procedemos da Europa e América é a história de nossas bisavós, também é necessário para compreender a onda global de violência que acompanhou o processo de “globalização” e que tem todas as características de uma nova caça às bruxas.
Desde que começamos a Campanha em 2018 se formaram grupos de leitura em diversas cidades para discutir os materiais disponíveis sobre a caça às bruxas, tendo em conta a todo o momento sua conexão com o presente. Iniciamos investigações locais e começamos a compor um mapa com os lugares onde se deu a caça às bruxa histórica para analisar a memória que se tem desses fatos. Reunimos de forma sistemática livros, artigos, imagens e outros recursos sobre a caça às bruxas presente e passada. Nesta web podem consultar as conferências realizadas em 2019 no I Encontro Feminista pela Memória das bruxas em Iruñea; o encontro de 2020 teve que ser adiado para 2021, mas seguimos trabalhando de forma coordenada.
>> Mais infos: memoriadelasbrujas.net
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
um gato perdido
olha pela janela
da casa vazia
Jeanette Stace
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!