Instituto de Estudos Libertários (IEL) entrevista Dora Incontri
Julho de 2024
Quem é Dora Incontri?
Paulistana, descendente de italianos, radicada em Bragança Paulista, há 23 anos. Jornalista, educadora, escritora, com mais de 40 obras publicadas. Mestre, doutora e pós-doutorada em Educação pela Universidade de São Paulo. Espírita, médium. Editora. Liderança no chamado movimento espírita progressista. Anarquista, com bom diálogo com o marxismo. Psicanalista. Nas artes, poeta. Cantora ocasional. Coordenadora da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e da Universidade Livre Pampédia – um projeto livre e alternativo de educação.
Como conheceu o anarquismo?
Foi curioso. Estava eu saindo da adolescência, e estávamos nós, brasileiros, superando a ditadura militar, quando assisti, com minha mãe, a série Anarquistas, graças a Deus, na TV, inspirada no livro de Zélia Gattai. Nunca fui muito televisiva. Agora, aos 61, posso dizer que faz décadas que não vejo nenhum canal aberto. Na época, eu fazia faculdade de Jornalismo e minha mãe, a Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo. Nós duas, discutíamos o tempo todo filosofia, sociologia, política… e a série nos atraiu. Além disso, suspeitávamos que meu bisavô, avô de minha mãe, a quem homenageio com meu pseudônimo Incontri, tivesse sido anarquista. Talvez socialista. Mas com toda a certeza, antifascista. Logo em seguida, ela foi com meu pai para Milão, onde realizou pesquisas no Instituto Feltrinelli e lá fez descobertas interessantíssimas sobre o anarquismo em nosso país, no início do século XX. Havia naquele instituto um material enorme de revistas, jornais e livros da época, publicado por imigrantes anarquistas no Brasil. Ela trouxe uma penca desse material, em microfilme – as novas gerações não saberão o que era isso.
Ao mesmo tempo, sempre fui apaixonada por literatura russa. Tinha desde os 15 anos, as obras completas de Tolstoi e Dostoievski. Lia Gorki e Maiakovski. Já na área de Educação, conhecia Makarenko.
Entrei, portanto, junto com minha mãe, para o universo anarquista pelas pesquisas dela na Itália e pela porta de Tolstoi. Não havia absolutamente nada publicado no Brasil de Tolstoi em sua fase política. Encontrei na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, várias obras deste período, traduzidas para o francês. Isso nos tempos em que ainda frequentávamos bibliotecas para garimpar raridades, que hoje estão todas on-line.
Daí foi um passo para Malatesta, Bakunin, Kropotkin…
Nos fale um pouco sobe as conexões possíveis entre o espiritismo e o anarquismo cristão de L. Tolstoi.
As conexões não são evidentes, diretas, entre o espiritismo e o anarquismo tolstoiano que, aliás, sei bem, não agrada alguns anarquistas que não admitem qualquer diálogo com algum tipo de espiritualidade. Mas há ligações históricas entre anarquismo e espiritismo, sim. Não se poderia dizer que Kardec fosse um anarquista, mas ele estava no contexto do chamado (por Marx e Engels) socialismo utópico, em que o anarquismo estava tomando forma e autores como Proudhon e Fourier, por exemplo, tinham tanto caraterísticas socialistas como libertárias. Um amigo e parceiro de Kardec foi Maurice Lachâtre, editor e intelectual anarquista. Ainda na sua fase pré-espírita, Rivail (o nome de fato de Kardec) e Lachâtre fundaram um banco de trocas, de pequenos créditos e intercâmbio de serviços e produtos, uma ideia que um pouco mais tarde seria proposta como Banco do Povo, por Proudhon. Recentemente, foi descoberta em acervo histórico de Kardec, que está sendo traduzido e publicado lentamente pela Universidade Federal de Juiz de Fora, uma comunicação mediúnica de Proudhon, então recém falecido. Ou seja, era uma personalidade que estava presente para os espíritas de então.
Mas há outras e mais profundas conexões históricas entre espiritismo e anarquismo. Na Espanha, sobretudo em Barcelona – onde Lachâtre esteve exilado e onde recebeu uma encomenda de obras de Kardec e elas foram queimadas pela Igreja, no último ato da Inquisição espanhola em pleno século XIX – muitos grupos espíritas eram claramente anarquistas. Pesquisadores apontam que a proposta descentralizada e desierarquizada de Kardec para as organizações espíritas e suas ideias de transformação social se casavam muito bem com aquele anarquismo do final dos anos 1880 e 1890 na Espanha. Ao que se sabe, por exemplo, em pesquisas mais recentes, uma famosa médium e militante espírita espanhola, Amalia Domingo Soler, fundou junto com duas amigas anarquistas e feministas uma associação de defesa das mulheres. No Congresso Espírita de 1888, realizado em Barcelona, aparecem nas Atas algumas ideias cooperativistas.
O diálogo com o anarquismo tolstoiano já foi feito mais tarde, na primeira metade do século XX, pelo educador brasileiro João Penteado, um dos fundadores da Escola Moderna no Brasil. E mais recentemente, por mim, porque entendo que a visão de cristianismo que tinha Tolstoi, como algo distante das estruturas hierarquizadas e dogmáticas das igrejas, tomando a ética de Jesus em sua radicalidade, sem compromisso com poder algum, permite um excelente diálogo com uma postura semelhante de Kardec.
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