Algumas camaradas tem demonstrado surpresa com os últimos acontecimentos repressivos, relacionados ao movimento sindical e trabalhista, na Espanha. Em um esforço para melhor entender o que lá se passa, se faz pertinente recordarmos alguns fatos, que são públicos, inclusive.
Dessa forma, apesar de quase cinquenta anos terem se passado desde a morte de Francisco Franco (1892-1975), a sombra do franquismo ainda paira sobre a Espanha. As instituições, impregnadas por décadas de autoritarismo, continuam a manifestar comportamentos repressivos e autoritários que refletem o legado sombrio do regime ditatorial. Casos recentes, como o das Seis de La Suiza, evidenciam que, apesar das aparências de uma “democracia” moderna, a essência repressora do Estado espanhol permanece intacta.
O Franquismo: Uma Herança Persistente
O regime franquista, que durou de 1939 a 1975, instituído após a guerra civil espanhola, foi marcado por uma brutal repressão política, censura e supressão das liberdades individuais. O ditador fascista Francisco Franco consolidou seu poder através de uma rede de instituições autoritárias que não apenas governavam, mas também moldavam a sociedade espanhola de acordo com uma ideologia ultranacionalista, católica e conservadora. A “transição” para a democracia burguesa, como era de se esperar, falhou em erradicar essas raízes autoritárias.
A Constituição espanhola, que entrou em vigor em 29 de agosto de 1978, foi um passo formal para a desmobilização da ditadura e também na direção da democracia burguesa, mas não conseguiu (e não queria…) desmantelar totalmente as estruturas e mentalidades herdadas do franquismo. Muitos altos funcionários do regime mantiveram suas posições, e a falta de um processo de justiça transicional significativo, apesar das manifestações e protestos realizados pela anarcossindicalista CNT (Confederação Nacional do Trabalho) e outras organizações políticas, permitiu que muitos crimes do regime ficassem impunes. Este pano de fundo criou um ambiente onde as práticas autoritárias sempre mostram sua verdadeira face, especialmente em momentos de crise política ou social.
As Instituições Autoritárias
As instituições espanholas, especialmente no sistema judiciário e nas forças de segurança, ainda exibem aberta e orgulhosamente traços de autoritarismo – o que para nós, anarquistas, não é nada surpreendente, já que estamos falando de organismos estatais, portanto violentos e repressores por natureza. A centralização do poder, a falta de transparência e a repressão das dissidências são características que permeiam o funcionamento do Estado. A Lei de Segurança Cidadã, popularmente conhecida como “Lei Mordaça”, aprovada em 2015, é um exemplo claro dessa continuidade repressiva. Esta lei restringe severamente o direito de protesto e impõe pesadas multas e sanções a manifestantes, jornalistas e ativistas.
Além disso, a polícia e outras forças de segurança frequentemente agem com impunidade, com nítida covardia contra protestos pacíficos e movimentos sociais. As constantes batidas policiais contra o movimento anarquista e mesmo a resposta brutal aos referendos de independência na Catalunha em 2017 ilustram bem essa tendência autoritária, sem falar nos presos políticos que lotam os cárceres espanhóis.
O Caso das Seis de La Suiza
O recente caso das Seis de La Suiza, em que seis sindicalistas asturianas foram condenadas por participar de um piquete informativo durante um conflito trabalhista, é emblemático da natureza repressora do Estado espanhol. Essas trabalhadoras enfrentam a possibilidade de prisão simplesmente por exercerem seus direitos de protesto e organização sindical. O Tribunal Supremo ratificou a condenação, ignorando a proteção aos direitos trabalhistas e sindicais constantes da própria legislação espanhola, transparecendo (e, outra vez, nada que nós anarquistas não saibamos) como a lei não configura nenhum impedimento para que o Estado e o Capital atuem livremente na consecução de seus interesses.
Este caso não é isolado, mas parte de um padrão mais amplo de criminalização da dissidência e do ativismo social. Ao classificar as atividades sindicais como criminosas, o Estado envia uma mensagem clara de que qualquer forma de contestação ao status quo capitalista será reprimida. Esta abordagem não apenas viola os direitos humanos básicos, mas também ameaça a própria essência do sindicalismo, que depende da capacidade dos indivíduos de se organizarem e expressarem suas opiniões livremente.
A Repressão como Ferramenta Política
A repressão na Espanha não se limita unicamente aos conflitos trabalhistas. Grupos de direitos civis, organizações de mídia independentes e movimentos sociais também são frequentemente alvo de vigilância e intimidação. A prática de espionagem de ativistas e a infiltração de informantes em grupos dissidentes são táticas comuns utilizadas para suprimir a oposição. A mídia tradicional, alinhada com os interesses do Estado e do Capital, contribui para a estigmatização dos movimentos sociais, retratando-os como perigosos e ilegítimos.
Além disso, o sistema judiciário, longe de ser um bastião de imparcialidade, serve aos interesses do poder estabelecido. As decisões judiciais majoritariamente refletem um viés contra os movimentos sociais e a favor das forças conservadoras. A politização da justiça é evidente em muitos casos, onde a aplicação seletiva da lei é usada para silenciar vozes dissidentes e proteger os poderosos.
Resistência e Solidariedade
Diante dessa realidade, a resistência e a solidariedade são essenciais. O anarquismo e outras expressões autônomas, tem tomado as ruas espanholas e ecoado a voz anticapitalista e antiautoritária, desafiando o Estado e o Capital e denunciando sua essência violenta e repressora, ao mesmo tempo que lutam pela transformação social e política, onde os direitos e liberdades de todas e todos sejam finalmente respeitados. E aqui não temos ilusões de um Estado justo ou de um Capitalismo benévolo: somente a aniquilação dessas instituições permitirá a emersão de uma nova sociedade.
De outro lado, a solidariedade internacional também desempenha um papel vital. A pressão externa pode ajudar a expor as injustiças e a apoiar aquelas que lutam contra a repressão dentro da Espanha. Organizações de direitos humanos, sindicatos e movimentos sociais globais podem e devem unir forças para condenar as práticas repressivas do Estado espanhol, alastrar a revolta, e apoiar as vítimas dessas políticas.
Conclusão
O franquismo pode ter terminado oficialmente em 1975, mas seu legado autoritário ainda vive nas instituições e práticas do Estado espanhol. Casos como o das Seis de La Suiza demonstram que a repressão e a criminalização da dissidência continuam a ser ferramentas utilizadas pelo Estado para manter o controle e a normalidade capitalista. Não nos enganemos: outros casos, iguais ou piores, surgirão e nós, como sempre, estaremos aqui para resistir!
Liberto Herrera
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!