Louise Michel: nem extremismo, nem colaboração

A anarquista francesa Louise Michel (1830-1905) foi “homenageada” na abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, mas o cenário e a função memorial da “homenagem”, muito atreladas ao Estado francês, são uma afronta à trajetória da combativa figura histórica. Neste texto, Alexandre Samis e Antony Devalle analisam o acontecimento e criticam a apropriação feita durante o evento. Trata-se de uma análise que mostra como a utilização de uma estátua em suposta homenagem pode também servir para deturpar e/ou silenciar o legado da luta daquela que empunhou a bandeira negra.

Por Alexandre Samis e Antony Devalle

A abertura dos Jogos Olímpicos na França contou, como de hábito, com ampla cobertura midiática e alimentou com imagens, símbolos e frases de efeito o aparentemente insaciável apetite por emoções circunstanciais. Ao que tudo indica, os organizadores da celebração desportiva optaram por sublinhar a importância do país-sede para o mundo. A relevância da França para o “foro civilizatório”, para a constituição de um Estado-nação forte e que se quer universal.

Para tanto, não podiam faltar as costumeiras associações arbitrárias, as recorrentes falsificações, sempre fartamente regadas com atos da mais escandalosa hipocrisia. Estamos falando aqui de um tipo de memória que, ao servir ao poder, homenageia o cinismo, corrompe o sentido do sacrifício e, por fim, esteriliza a potência transformadora dos atos. Uma verdadeira burla que, mesmo sob a aparência de homenagem, degrada os agraciados colocando-os a serviço de uma causa contra a qual sempre se bateram.

Mais objetivamente, estamos nos referindo ao fato de que entre as muitas formas de ilusionismo, os organizadores acharam por bem destacar 10 mulheres francesas que, supostamente, teriam colaborado para que a história do país não fosse irrelevante para o resto do mundo. Convertidas em monumento, essas mulheres passaram a servir de testemunhas mudas, obrigadas a assistir ao triste espetáculo para o qual foram compulsoriamente obrigadas a comparecer. Um evento que convoca igualmente as reputações das homenageadas para, logo em seguida, amesquinhá-las até que sejam reduzidas à estatura que o Estado sempre lhes conferiu.

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Gotas de sangue
estão prestes a pingar:
pitangas maduras.

José N. Reis