Esquerda e chantagem: a defesa impossível do governo de Maduro

Por Ybelice Briceño Linares | 06/08/2024

As políticas que esse governo vem implementando há anos estão longe de ser democráticas, progressistas ou mesmo meio revolucionárias.

[Escrevo] contra o silêncio eloquente e performático de boa parte dos intelectuais e artistas da chamada esquerda que, em nome de um mito ao qual não podem renunciar […] não se posicionam a favor da vida, como acreditávamos, mas a favor da repressão, da falsificação e do discurso ideológico monolítico.

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Dirijo-me a essa esquerda latino-americana e global que prefere se posicionar ao lado do terror pelo simples medo de perder sua utopia, uma esquerda que não consegue se livrar da chantagem grosseira: se você não está com Maduro, está com a CIA.

Os homens e as mulheres venezuelanos da esquerda crítica e honesta há muito se cansaram dessa chantagem. Não apoiamos o setor radical da oposição liderado por María Corina Machado, porque não concordamos com seus ideais nem com suas práticas geralmente antidemocráticas e de direita. Rejeitamos enfaticamente o bloqueio dos EUA, bem como qualquer tipo de interferência em nosso país. No entanto, isso não nos impede de ver que a revolução bolivariana (que apoiamos durante seus primeiros anos) há muito se desviou do caminho.

Há anos sabemos que, apesar de sua retórica esquerdista e de seu discurso anti-imperialista, o governo de Maduro e os militares que o apoiam são um governo absolutamente impopular, gerador de desigualdades sociais e cada vez mais autoritário, como demonstram a perseguição aos protestos populares nos últimos dias (mas que começou há anos) e suas práticas que beiram o autoritarismo mais sangrento.

Não estamos apostando no triunfo de uma oposição cujo projeto não compartilhamos, mas consideramos fundamental reconhecer a vontade popular expressa em uma eleição que, apesar das táticas vantajosas do governo e de todas as suas estratégias de intimidação, teve seu candidato claramente vencedor. E esse triunfo, mais do que uma aposta em um projeto de direita, expressa o cansaço absoluto de um povo que não suporta mais a situação de miséria, precariedade e profunda desigualdade a que foi submetido.

Isso foi agravado pela indignação com a fraude, que era suspeita, mas foi mais flagrante do que se poderia imaginar. As estratégias de má qualidade e as desculpas incomuns do Conselho Nacional Eleitoral – cujos membros são conhecidos por serem pró-governo – ficaram muito evidentes e, uma semana após as eleições, ele ainda não mostrou os resultados oficiais que apoiam o suposto triunfo de Maduro. Soma-se a isso a ausência de números detalhados por estado, paróquia e seção eleitoral, como sempre foi o caso. Tudo isso no contexto da proclamação precipitada de Maduro como presidente – antes da divulgação do segundo boletim com os resultados finais. Essas, entre muitas outras irregularidades, deram origem a uma profunda raiva que foi expressa nas ruas de todos os bairros e cidades do país. As pessoas que saíram para se manifestar não são apenas a população de classe média das grandes cidades, mas, acima de tudo, aquelas que vivem nos bairros populares e nos vilarejos mais pobres do interior, que vivem na situação mais precária, sem eletricidade, água, gás e com salários miseráveis; em outras palavras, as mesmas pessoas que saíram em 13 de abril de 2002 para defender Chávez do golpe de Estado da oposição.

O governo reagiu a esses protestos, em sua maioria pacíficos, com um discurso e uma prática de intimidação, perseguição e sequestro, descrevendo qualquer pessoa que se manifeste como “terrorista”, capturando não apenas aqueles que estão protestando, mas também aqueles que demonstram seu descontentamento por meio de redes e até mesmo simples testemunhas de mesa do processo eleitoral. Essa política foi acompanhada pela mobilização de forças parapoliciais ligadas ao governo (conhecidas como “coletivos”), cidadãos armados e motorizados que estão circulando pelos bairros, intimidando os habitantes e até mesmo atirando neles. O saldo atual dessa estratégia de terror, que o governo com o maior cinismo chamou de Operação Tun Tun – o nome de guerra de bater nas portas das pessoas – é de cerca de mil pessoas detidas – sem o devido processo -, mas o próprio Maduro prometeu encarcerar mais 1.200 pessoas e adaptar duas novas prisões para elas.

Por tudo isso, é urgente falar com a esquerda mundial, não apenas para fazê-la se posicionar sobre o que está acontecendo agora, mas também para fazê-la entender, de uma vez por todas, que as políticas que esse governo vem implementando há anos estão longe de ser democráticas, progressistas ou até mesmo revolucionárias:

– A perseguição, detenção e execução de jovens de bairros populares – enquanto faziam acordos e davam salvo-conduto aos líderes de gangues criminosas – em operações de segurança como a Operação Cacique Guaicaipuro, que levou à prisão sem julgamento justo, detenção em condições desumanas e morte em cativeiro de jovens inocentes, como no terrível caso dos cinco jovens de La Vega. Essa não é uma política de esquerda.

– A desoneração de impostos e tarifas sobre a importação de bens, alimentos e artigos de luxo, para favorecer as empresas – chamadas Bodegones – dos novos ricos ligados ao governo. A privatização neoliberal de ativos estatais também está ocorrendo, de acordo com a Lei Antibloqueio (2020), enquanto a maioria da população vive na pobreza e precisa sobreviver com um salário de quatro dólares por mês. Essa não é uma política de esquerda.

– A entrega de 12% do território nacional à exploração mineradora por meio do megaprojeto extrativista ARCO MINERO – por meio da figura autoritária do Decreto Presidencial 2248 que suspende todos os tipos de direitos na área – que abriu as portas para grandes transnacionais norte-americanas, canadenses, russas e chinesas, bem como para a mineração ilegal. Esse projeto resultou na devastação da floresta e de sua biodiversidade, na promoção do trabalho escravo, do trabalho infantil, da exploração sexual de meninas e mulheres e na perseguição e no assassinato de líderes comunitários indígenas Warao, E’Ñepa, Hoti, Mapoyo, Kariña, Piaroa, Pemón, Ye’kwana e Sanema. Essa não é uma política de esquerda.

– A intimidação, a perseguição e a detenção de líderes sindicais, camponeses e sindicais que lutam pela defesa dos contratos coletivos, contra os “bônus”, pela liberdade de associação ou por um salário digno. Esses foram os casos de Leonardo Azócar e Daniel Romero, líderes sindicais da SIDOR -Siderúrgica del Orinoco -, que foram presos e julgados “por terrorismo”, ou o ativista da Ferrominera del Orinoco Rodney Álvarez, que ficou preso por mais de 10 anos. Isso não é política de esquerda.

A essa altura, é preciso muita ingenuidade ou muito cinismo para continuar dizendo que o governo de Maduro – e seus militares – é um governo revolucionário. É por isso que me pergunto quando a esquerda internacional perceberá que tipo de regime está defendendo. Quando perceberá de que lado da história está se posicionando. Quando ela sairá da chantagem. Quando chegará à conclusão de que é obsceno que o medo de perder uma utopia valha mais do que o sofrimento, a fome, a perseguição de milhares de homens e mulheres venezuelanos.

Fonte: https://zonaestrategia.net/izquierda-y-chantaje-la-imposible-defensa-del-gobierno-de-maduro/

Tradução > Liberto

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