Voltairine de Cleyre (1866-1912), uma mulher estadunidense um tanto esquecida dentro do rico universo libertário, uma ativista e escritora de grande talento. Seu nome, por certo, se deve a que sua família era de origem francesa e seu pai era um grande admirador de Voltaire. Em um primeiro momento, embora flertou com outras ideias, seria por exemplo admiradora de Thomas Paine, um dos representantes mais progressistas do liberalismo nos Estados unidos, mas seria a execução dos chamados mártires de Chicago um dos fatores que a levou ao anarquismo e a colaborar com Benjamin Tucker em seu jornal Liberty; como mostra de sua visão libertária ampla, foi também uma grande admiradora de Thoreau. De 1889 a 1910, permaneceria durante a maior parte do tempo na Filadélfia e ali conhecerá James B. Elliot, livre pensador, com quem terá um filho. Trabalhou como professora, tradutora e propagandista anarquista nos círculos judeus, com inumeráveis escritos, um trabalho que se comparou ao de Rudolf Rocker.
Se assinalou Voltairine como a outra grande mulher, junto a Emma Goldman, dentro do anarquismo estadunidense. No entanto, não poderiam ser pessoas mais diferentes e, podemos aceitar a priori, mas mais adiante veremos que o assunto tem muitos matizes, que ambas representem duas tendências dentro do anarquismo, aparentemente antagônicas, mas obrigadas a entenderem-se, como são o anarcoindividualismo e o comunismo libertário. Emma escreveu um artigo onde descreveu Voltairine como “a mulher anarquista mais dotada e brilhante que a América produziu”, descreveu suas vidas e esforços como unidas geralmente pela causa libertária, às vezes em harmonia e outras em oposição.
Por sua vez, Voltairine defendeu Emma Goldman de maneira enérgica ainda que aceitando suas diferenças; de fato, como podemos observar na introdução da Wikipedia, algo tendenciosa, frente ao comunismo de Goldman, ela se definiu como defensora da propriedade individual, algo muito próprio da tradição estadunidense, mas onde talvez possam se encontrar ecos de Max Stirner. Ao mesmo tempo, considerou Voltairine que a competição não seria nunca anulada totalmente pela cooperação e inclusive seria bom que assim fosse, algo que recorda a filosofia de Proudhon e suas antinomias em equilíbrio permanente sem uma instância superadora (como na dialética hegeliana e marxista). Apesar de todas essas afirmações, como veremos mais adiante, o pensamento de Voltairine irá oscilando para outros caminhos dentro do universo libertário; o que sim pode dizer-se, desta autora e do anarquismo em geral, é que não acreditava em nada preconcebido a nível social e que os diferentes modelos libertários, em ausência de uma autoridade coercitiva, deveriam ser postos em prática e demostrar-se assim qual é mais efetivo.
Haverá quem esteja tentado a incluir a figura de Voltairine de Cleyre nesta tradição ultraliberal, esse suposto individualismo norte americano que chega até a atualidade com essa aberração dos libertarians e essa falácia do anarcapitalismo; desgraçadamente, há toda uma apropriação atual do libertário, e inclusive do anarquismo, mas claro, pouco ou nada que ver. Voltando à figura que nos ocupa, Voltairine pode catalogar-se como anarquista sem nenhuma dúvida, já que apostava pela liberdade em sentido amplo e esteve ao lado sempre dos mais humildes e oprimidos, acreditou sempre na emancipação das classes mais baixas através da cultura; como veremos, em seguida, terá também uma evolução ideológica que dificulta etiquetá-la sem mais.
Bem é certo, tal e como esclarece David Martín Sánchez, autor do recente livro Voltairine de Cleyre. A pérola do anarquismo, é que sim com frequência se considera esta figura dentro do individualismo é por haver considerado sempre que ao comunismo faltava a intimidade; como é lógico, criticava toda concepção socialista paternalista e burocrática, que anulasse o desenvolvimento e a liberdade individuais.
Como boa anarquista, Voltairine defendia a igualdade e a emancipação feminina por causas diferentes as das sufragistas de sua época. Coincidia com Emma Goldman em conceber o matrimônio como uma prisão para a mulher, ainda que ao que parece foi mais além ainda e acabou criticando inclusive a união livre, já que considerava que a convivência nesse sentido anulava o desenvolvimento vital e intelectual do indivíduo. Não obstante, insistimos, ainda que se poderia qualificar a esta mulher como partidária do anarcoindividualismo em um primeiro momento, propensa a um mutualismo proudhoniano que deu tanto jogo no século XIX nos Estados Unidos, já dissemos que sofreu uma considerável evolução e logo, sem talvez abraçá-los, compreendeu também os postulados do comunismo libertário. Pode dizer-se que se aderiu finalmente a um anarquismo sem adjetivos do estilo de Ricardo Mella ou Tarrida del Mármol combatendo toda etiqueta.
De fato, algo primordial em sua evolução, em 1897 Voltairine fará uma viagem à Grã Bretanha onde permanecerá durante quatro meses e se entrevistará com Louise Michel, Rudolf Rocker, Max Nettlau e Kropotkin, que definirá como um dos grandes homens que a Rússia havia dado assim como Tolstói. Outro fato, semelhante ao dos mártires de Chicago, que lhe impressionou enormemente e que provocará talvez outro giro em seu pensamento foi conhecer anarquistas espanhóis que haviam sido torturados em Montjuic. Era assim até o ponto que passará de um anarquismo tolstoiano, mais radicalmente pacifista, a ser partidária de uma ação direta e, sim não a justificar, a compreender às vezes certos atos violentos desesperados por parte dos libertários. Em 1911, conheceu também a Revolução Mexicana, e o pensamento de Ricardo Flores Magón, entusiasmando-se com tudo isso, iniciando uma grande campanha de apoio e escrevendo de maneira regular no jornal Regeneración do próprio Magón.
Há que dizer que em 1902 sofreu um atentado por parte de um antigo aluno, onde ao que parece entraram em jogo temas pessoais de ciúmes, pelo que talvez hoje o catalogaríamos de crime machista ou de gênero. O atentado debilitou ainda mais sua frágil saúde, com diversas enfermidades crônicas, e Voltairine morreu jovem em junho de 1912. Desconhecemos como teria seguido evoluindo, diferente de Emma Goldman, que viveu a Revolução Russa e a Revolução Espanhola durante a guerra civil. Ainda assim, cremos que sua figura merece ser recordada dentro do rico universo anarquista.
Capi Vidal
Fonte: http://acracia.org/voltairine-de-cleyre/
Tradução > Sol de Abril
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agência de notícias anarquistas-ana
Ah, quanta inveja
Da maneira que termina
O namoro dos gatos.
Ochi Etsujin
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!