“São poucos os geógrafos que conhecem o anarquismo e menos ainda os que se utilizam deles na discussão teórica.”

Instituto de Estudos Libertários entrevista Amir El Hakim de Paula, autor do livro “Os Operários Pedem Passagem”

Outubro 2024

Nos fale um pouco sobre o seu esforço para divulgar o anarquismo na sua prática docente.

Sempre tento colocar na minha prática docente as ideias libertárias. Seja nas aulas e nas avaliações que faço, procuro destacar a importância da participação coletiva, demonstrando de que maneira o anarquismo pode ser também efetivo na constituição de uma universidade mais plural e democrática. Como coordenador de PIBID, sempre incentivei que os bolsistas fizessem uma troca constante com os alunos das escolas, perguntando a eles quais as áreas de maior interesse e assim fosse possível trazer ao ambiente escolar temas que nunca eram debatidos pelos livros didáticos/apostilas.

Você tem lançado alguns livros, poderia nos falar sobre eles?

Desde a minha chegada na UNESP, em 2012, procuro publicar livros que versem sobre o anarquismo e a geografia. É importante ressaltar que aqui na biblioteca da unidade só havia um livro anarquista, demonstrando um profundo desconhecimento da comunidade universitária acerca das ideias ácratas. Dois deles estão disponíveis na editora Unesp e na Amazon, facilitando o acesso de muitos que estão fora da universidade mas que possuem grande interesse pela temática. Esse ano publicarei um sobre os operários e a cidade de São Paulo no período das greves gerais (1917), apontando como o anarquismo se apropria dos conceitos geográficos e os transforma em estratégias de luta.

Mais recentemente você publicou o livro: “Os Operários Pedem Passagem”. Quais as teses centrais desse novo trabalho?

Esse livro demonstra como os operários compreendiam uma cidade que passava por grandes transformações urbanísticas, trazendo a esse setor populacional a ocupação de áreas arrabaldes. Mais do que isso, ele insere nos debates geográficos a importância das greves e manifestações de rua enquanto um processo de apropriação espacial e territorial, permitindo que um evento local logo se espraie por todos o país. Assim espaço e território são apresentados como estratégias de luta da classe trabalhadora e não apenas conceitos que permitem um esclarecimento neutro.

Ao tratar da questão espacial das cidades, tendo como protagonistas os operários você estaria inovando ou esse é um tema familiar aos geógrafos?

Olha existem geógrafos que trabalhem os movimentos sociais e o papel de luta destes setores na sociedade de classes que vivemos. O que acho importante destacar é que a minha preocupação foi pontuar isso no início do século XX, apontando como esses trabalhadores iam se apropriando da cidade enquanto realizavam seus processos de luta. Me preocupei em demonstrar a assertividade do operário e não apenas as lamúrias de uma vida difícil.

Temos visto maior interesse dos geógrafos na temática libertária. Você considera que tal seja uma tendência ou as iniciativas são ainda isoladas?

As iniciativas são bem isoladas. São poucos os geógrafos que conhecem o anarquismo e menos ainda os que se utilizam deles na discussão teórica. É só ver a quantidade de trabalhos do congresso de geógrafos deste ano. Quando coloca-se anarquismo, Reclus ou Kropotkin aparece um trabalho apenas no meio de centenas. Muito está sendo feito mas ainda a presença destes autores e das dinâmicas dos anarquistas ainda é pouco conhecida quiçá debatida.

Um diálogo horizontal e equilibrado entre História e Geografia é possível?

Acho que a Geografia Histórica tenta, minimamente, discutir os temas históricos a partir de um viés espacial. Neste sentido, é importante perceber que todas as revoluções, eu disse todas, tiveram o espaço como o eixo de dispersão ou confinamento. A depender de como as classes trabalhadoras se envolviam nas práticas espaciais e territoriais a luta ganhava força ou arrefecia. Pensar as estratégias também geograficamente permite compreender que um processo histórico desenvolveu-se mais ou menos tendo as realidades espaço-territoriais como catalizadoras ou não. Não se trata de sobrepor uma ciência a outra. Mas apontar como a relação simétrica permite uma nova compreensão do processo.

Que outros autores você destacaria na busca de uma Geografia com acento libertário?

Eu continuo com os clássicos. Precisamos conhecer cada vez mais eles. Só assim perceberemos a importância de seus trabalhos e o diferencial que eles trazem para o pensamento geográfico. Isso não significa que anarquistas do século XX, como David Graeber e Murray Bookchin não sejam discutidos também!

ielibertarios.wordpress.com

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agência de notícias anarquistas-ana

Na noite sem lua
o mar todo negro
se oferece em espuma

Eugénia Tabosa

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