A complementar a abertura da exposição ‘revista A Ideia – 50 anos”, realizou-se a 15 de Outubro de 2024 no auditório da Biblioteca Nacional, em Lisboa, um debate subordinado a este tema. Apesar da chuva que caía, estiveram presentes cerca de 40 pessoas e o debate prosseguiria ainda bem além das duas horas se a instituição não tivesse imperativamente de encerrar as suas portas.
Todos os oradores convidados haviam sido exilados políticos e foram protagonistas dessa tão referida revolta estudantil em Paris. Fernando Medeiros (já licenciado do IEDES) abriu a sessão e esboçou a sua análise sobre o significado histórico desses acontecimentos, considerando-os como o fecho de um ciclo secular que simbolicamente concretizou aquele que fora um sonho do sindicalismo anarquista – uma greve geral revolucionária, definitivamente emancipadora –, porém apenas abrindo a porta para uma nova fase do desenvolvimento capitalista. Num breve intermezzo e em nome da organização do evento, João Freire agradeceu a presença de todos e evocou a dimensão “trabalhista” daquela greve geral, que viria a influenciar o período efervescente do “PREC” português.
Manuel Villaverde Cabral (então trabalhador-estudante radicado em Paris desde há uns anos) orientou a sua intervenção no sentido de evidenciar a importância do factor-chave da quebra demográfica em Portugal (como na Europa e no Ocidente), ligando-o à evolução da estrutura familiar nestes países e, implicitamente, às emergências culturais dessa revolta juvenil.
Na mesa, da esquerda para a direita: M. V. Cabral, Helena Cabeçadas, Fernando Medeiros (moderador), Fernando Pereira Marques, José Rodrigues dos Santos e João Freire (de pé). João Freire que apresentou a mesa, recordou o tempo em que trabalhava na fábrica Renault. Invocou o papel dos anarquistas na génese do protesto estudantil e a memória desses operários que “espontaneamente” se colocaram em greve de solidariedade (à margem da direcção sindical) com os estudantes e salientou os ganhos substantivos obtidos pelos trabalhadores e operários franceses depois das jornadas de Maio de 68. No conjunto, o Maio de 68 acabou por reforçar a construção do Estado social francês que estava em curso.
Helena Cabeçadas, que estudava ciências sociais em Bruxelas, transferiu-se rapidamente para Paris, onde se envolveu em muitos dos acontecimentos seguintes, e falou da remise en cause do modo de vida até então dominante, destacando especialmente a componente da emancipação feminina.
Fernando Pereira Marques, então estudante na Sorbonne (e, como manifestante, detido pela polícia logo no início do mês), referiu diversas dimensões do Maio de 68, apontando em particular que ele significou o fim da longa hegemonia do marxismo-leninismo sobre o movimento operário mundial e as correntes marginais que também se opunham aos autoritarismos e a outras facetas do poder capitalista.
Por fim, José Rodrigues dos Santos (ao tempo activista em Nanterre e mais tarde professor de ciências sociais na Universidade de Évora e na Academia Militar), numa análise de longue durée, traçou o itinerário histórico do pensamento radical e de algumas das correspondentes práticas, com especial enfoque em momentos-chave no domínio cultural (literatura, pintura, etc.), na emancipação das mulheres e em acontecimentos políticos internacionalmente relevantes ao longo do último século, terminando com uma apreciação crítica que evidenciou aspectos da degenerescência em algumas das movimentações sociais protagonizadas por jovens nas grandes metrópoles mundiais.
Estas densas intervenções terão impressionado alguns dos presentes, em sentidos diversos. Apenas foi de lamentar a quase impossibilidade de debate destes oradores com a assistência, devido às condições externas já assinaladas.
JF
16.10.2024
Fonte: https://aideiablog.wordpress.com/2024/10/17/debate-herancas-de-maio-de-68/
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