No livro mais recente de Terry Stokes, o teólogo anarquista explora as conexões entre anarquismo e cristianismo.
Por Erik Gunn | 10/09/2024
Em Jesus e os Abolicionistas [Jesus and the Abolitionists], Terry Stokes funde os Evangelhos à teoria anarquista e os considera não apenas compatíveis, mas profundamente simpáticos.
Stokes não é necessariamente a pessoa que você esperaria que escrevesse um livro como esse. Ele cresceu na década de 1990 e na primeira parte do século XXI em um lar burguês negro e em um ambiente cristão evangélico conservador, onde ele admite que se sentia bastante confortável. Depois de se formar em Yale, ele frequentou o Seminário Teológico de Princeton. Foi “o primeiro espaço cristão progressista que já habitei”, escreve ele, onde “fui confrontado com mulheres pastoras, teólogos LGBTQ+ e uma série de pessoas e experiências que me forçaram a examinar minhas crenças sobre gênero e sexualidade, o que levou a questões ainda mais fundamentais sobre Deus, revelação divina e ética cristã”.
Ele se formou no mestrado em 2020 em um mundo no qual a pandemia da COVID-19 havia tirado a máscara das desigualdades sociais e econômicas e uma nova “iteração do movimento pela libertação negra” havia eclodido após o assassinato de George Floyd pela polícia.
Depois de trabalhar em uma igreja progressista, social e politicamente ativa, sua teologia mudou para a esquerda, e sua política logo o acompanhou: abraçou o socialismo, leu W. E. B. Du Bois e Angela Davis, seguindo-os até o comunismo e, finalmente, por meio do livro Ajuda Mútua [Mutual Aid] de Dean Spade e dos escritos de Murray Bookchin e outros, adotou a filosofia anarquista.
Stokes explica exatamente o tipo de anarquismo que ele segue – não violento e fundamentalmente sistemático. O capítulo de seu livro que detalha o conceito descreve uma estrutura social orgânica, centrada em comunidades densamente povoadas, que opera por meio de redes e organizações locais, coletivas e voluntárias, sem os ditames de um estado externo, maior.
“A anarquia tira a economia da esfera privada, como no capitalismo, ou de uma esfera separada, como no socialismo autoritário, e a leva para a esfera pública”, escreve ele. “A política econômica, como todas as políticas, é elaborada por toda a comunidade em relações face a face, trabalhando para o bem comum.”
Stokes considera o anarquismo uma necessidade existencial para sua própria identidade negra: “Estou enraizado na negritude enquanto, entre outras coisas, uma condição de ingovernabilidade ontológica e orientação antiestatal.” Mas o anarquismo também está profundamente entrelaçado com sua fé cristã. Explicando por que ele adota o termo “cristãos anarquistas” e rejeita seu anverso, “anarquistas cristãos”, ele escreve em uma nota de rodapé: “Vejo o cristianismo como sendo anárquico em vez de qualificando o anarquismo”.
Em seguida, ele constrói uma teologia sistemática que considera a Bíblia por meio de uma hermenêutica anarquista. Desde o Gênesis até os Evangelhos, ele desmonta as interpretações tradicionais e as reconstrói a partir de uma perspectiva anarquista. Veja a história de Adão e Eva e sua expulsão do Jardim do Éden (uma alegoria, enfatiza Stokes – não uma pré-história literal). Stokes interpreta o fruto proibido como um símbolo de “autossupremacia”, escolhido em detrimento da solidariedade mútua. (Lembra como, quando são pegos, Adão culpa Eva e Eva culpa a serpente?)
“As ‘maldições’ de Gênesis 3 são representações alegóricas das consequências universais das maneiras pelas quais os seres humanos escolheram agir e construir suas sociedades em torno do valor da supremacia, rejeitando repetidamente os apelos de Deus para que exerçamos nosso próprio arbítrio a serviço do cuidado”, escreve Stokes.
Do Livro dos Juízes – “a demonstração visceral e detalhada do fato de que a descentralização sem ética leva rapidamente ao caos total” – até o pano de fundo do famoso pronunciamento de Paulo sobre o amor em sua carta à igreja de Corinto, Stokes extrai lições discretamente relevantes para sua mensagem anarquista.
Os leitores público-alvo de Stokes são mais provavelmente cristãos curiosos sobre o anarquismo do que anarquistas curiosos sobre o cristianismo. O livro é de leitura rápida, com um estilo descontraído que será bem aceito por alguns, enquanto outros podem achá-lo simplesmente enjoativo. Um risco é que os leitores possam ignorar a complexidade e a sofisticação de suas reflexões teológicas.
Não se engane, contudo; ele leva bem a sério sua afirmação de que a sociedade anarquista que ele descreve – e que ele considera iluminada pelas lições das escrituras – é uma perspectiva genuína para a humanidade, seja ela cristã ou não.
Jesus e os Abolicionistas: Como o cristianismo anarquista empodera as pessoas [Jesus and the Abolitionists: How Anarchist Christianity Empowers the People]
Por Terry J. Stokes
Broadleaf Books, 173 páginas
Data de lançamento: 28 de maio de 2024
Fonte: https://progressive.org/magazine/a-prospect-for-humanity-gunn-20240910/
Tradução > anarcademia
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!