Livros e rosas: a história do militante anarquista Idilio de León, el Gauchito
Por Gustavo Fripp | 07/11/2024
No mesmo lugar onde, há 50 anos, ele foi morto pelas Forças Conjuntas, foi apresentada uma obra que o recorda.
A pequena praça Portugal, que fica ali na Monte Caseros e Mariano Moreno, viu sua pacata rotina de primavera ser interrompida na tarde da última quinta-feira quando mais de cem pessoas começaram a se reunir, convocadas para a apresentação de um livro.
Longe dos salões reluzentes das instituições em que esse tipo de atividade costuma ser realizado, não se tratava, porém, de uma escolha caprichosa de local para a apresentação do livro La resistencia anarquista: el Gauchito de León y el grupo de acción Los Libertarios (A resistência anarquista: O Gauchito de León e o grupo de ação Os Libertários), uma pesquisa de Pascual Muñoz, que naquele mesmo dia uma van laranja levou, na hora, da encadernadora direto para a praça.
Além de apresentar o livro, seu objetivo também era reivindicar a figura de alguém que pode ter sido um dos últimos, se não o último, dos mortos em um confronto armado com as Forças Conjuntas em 29 de outubro de 1974: Idilio de León, um anarquista que, naquela mesma praça, após um assalto a um caminhão de entrega de bebidas, sangrou até a morte depois de um confronto com uma patrulha militar.
Idilio de León Bermúdez (Tacuarembó, 1944) foi atraído pelas ideias anarquistas quando era muito jovem, ao ouvir os versos do payador libertário Carlos Molina, que falava do sofrimento do homem do campo e das duras condições de trabalho na terra. Foi assim que ele se envolveu com os jovens anarquistas que se reuniam na sede da Sociedad de Resistencia de Obreros Panaderos, em La Teja, onde nasceu o Ateneo 1º de Mayo (Ateneu 1º de Maio). Lá ele conheceu Adalberto Soba e, juntos, ingressaram em 1964 na Federación Anarquista Uruguaya (FAU), uma organização que surgiu em 1956 e que reunia quase toda a militância anarquista da época, o que não era pouco.
Ele participou da ocupação de um terreno em La Teja, onde os vizinhos construíram o primeiro campo para a Institución Atlética La Cumparsita e uma fazenda que era um centro para as atividades dos jovens libertários. Nesse rancho, eles recebiam os produtores de cana-de-açúcar que vinham de Bella Unión e organizavam noites de solidariedade com a participação de diversos convidados, entre eles Mario Benedetti, Eduardo Galeano, Los Olimareños, Alfredo Zitarrosa, Daniel Viglietti e o próprio Gaúcho Molina.
Em seus primeiros passos na militância, ele participou de ações de solidariedade aos trabalhadores do Bao e dos frigoríficos que estavam em conflito.
Nesse mesmo bairro, Gauchito e outros jovens anarquistas construíram, junto com militantes da Associação de Estudantes de Medicina, uma policlínica autogerida em outro terreno ocupado.
Como militante da FAU, ele foi para Bella Unión em 1964 e caminhou com os “peludos” que trabalhavam nos canaviais, na marcha que, sob o slogan “Pela terra e com Sendic”, chegaria à capital para mostrar a todo o país as condições de vida miseráveis que eles suportavam.
Em 1969, ele se juntou ao braço armado que a FAU estava desenvolvendo e que mais tarde seria chamado de Organización Popular Revolucionaria 33 Orientales (OPR-33). Ele participou do roubo da famosa bandeira dos 33 Orientais do Museu Histórico Nacional. A ideia original, observa o livro, era “manter a bandeira por um tempo até que se encontrasse um momento oportuno para que ela reaparecesse em meio a alguma luta popular”. No entanto, “os desvios da luta social fizeram com que esse reaparecimento nunca acontecesse, e a bandeira, com sua forte carga simbólica, tornou-se uma obsessão dos comandantes militares durante a ditadura e um motivo para repetidas sessões de tortura”.
Após o assalto frustrado à Fábrica Nacional de Cerveja no dia do pagamento em 1970, El Gauchito foi preso junto com Roger Julien e transferido para a prisão de Punta Carretas, que estava começando a se encher, aos trancos e barrancos, de prisioneiros com motivações políticas. Lá ele se reuniu com outros companheiros de sua organização, como Hébert Mejías Collazo e Augusto Chacho Andrés.
Em 1971, os Tupamaros presos naquela prisão haviam cedido três lugares aos prisioneiros da OPR-33 para a fuga conhecida como El Abuso, na qual 111 prisioneiros escaparam. Um deles era Idilio de León.
Embora em 1972, com o país em estado de guerra interna, o MLN já tivesse sido derrotado militarmente, a FAU tinha suas estruturas quase intactas. Tanto a organização política quanto suas várias frentes (a OPR-33 e a Resistencia Obrero Estudiantil, ROE).
Mas alguns de seus principais líderes – Gerardo Gatti e Hugo Cores – eram procurados e León Duarte estava preso e sofrendo torturas. Nesse contexto, a FAU decidiu se retirar, obrigatório para seus militantes, para a Argentina, com a intenção de continuar operando de lá, uma decisão que encontrou forte resistência entre seus membros. De León se recusou a sair e organizou, por conta própria, uma ação de sabotagem contra uma padaria que não respeitava os ganhos obtidos pelo sindicato.
Esses dois foram os elementos que levaram a organização a expulsar De León e seus companheiros de suas fileiras, ao que eles responderam criando o grupo Los Libertarios, cujos membros eram apenas uma dúzia e que se dedicava, como Muñoz relata no livro, a realizar “expropriações para financiar a infraestrutura da luta revolucionária, algumas sabotagens, algumas punições para os carneros e as hierarquias ligadas aos aparatos repressivos”.
Uma vez implantada a ditadura e em um contexto repressivo cada vez mais complexo, esse grupo conseguiu realizar inúmeras “expropriações”. Embora tenham sido expulsos da FAU, seus antigos companheiros, agora na Argentina, continuaram a lhes oferecer ajuda para deixar o país, algo que tanto De León quanto seus companheiros continuaram a recusar.
No entanto, Muñoz deixa uma janela aberta para sugerir que, dado o contexto repressivo de 1974 e a maneira como as coisas estavam indo, talvez o último ataque que lhe custou a vida tenha sido uma ação para arrecadar fundos para a tão resistida partida para a Argentina.
Algo que nunca aconteceria, porque ele morreria ali, com apenas 30 anos, sangrando até a morte, após um confronto com os militares. Na mesma praça onde, na quinta-feira, alguns de seus antigos companheiros se reuniram para lembrá-lo, como Chacho Andrés com sua bengala (autor do livro Estafar un banco: ¡qué placer!, publicado pela Alter Ediciones) ou sua irmã Sara, de 86 anos, que também foi militante da FAU e presa política, ou os irmãos Elbio, Rosario e Juan Pilo.
Como apresentação de um livro, foi bastante atípica. Entre outras coisas, porque seu autor, Pascual Muñoz, entre as montanhas de exemplares à venda em uma velha mesa de madeira, tinha três rosas vermelhas. Porque, nas palavras do próprio Muñoz, “dizem que no dia seguinte à sua morte, no lugar onde ele caiu, alguém colocou algumas rosas. E parece que todo ano, nessa data, alguém coloca rosas lá”. Algo que sua irmã, Sara, descobriria anos mais tarde, na prisão, sem nunca descobrir de quem eram as mãos anônimas que ousaram fazer um ato tão ousado.
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
Recanto úmido.
A pedra
e seu delicado capote verde.
Yeda Prates Bernis
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!