[EUA] Os anarquistas têm algumas lições para a América de Trump

O espectro do autoritarismo rodeia os Estados Unidos. Como seus cidadãos responderão determinará seus futuros e o futuro do mundo. Mas qual deve ser essa resposta?

Por Cara Hoffman| 15/11/2024

Donald Trump prometeu prender seus opositores, virar o exército contra o “inimigo interno” e engrenar deportações em massa. Ele elogiou os generais de Adolf Hitler, especulou sobre como uma ex-membra do Congresso se sentiria com armas sendo “testadas na sua cara” e disse que não se importaria se jornalistas fossem baleados. Essas declarações fizeram com que historiadores, assim como alguns dos antigos conselheiros de Trump, o chamassem de fascista. Enquanto ele se prepara para assumir o cargo, o espectro do autoritarismo assombra a nação.

Como os americanos responderão a isso determinará seus futuros e o futuro do mundo. Mas qual deve ser essa resposta?

Uma resposta pode ser encontrada em um pequeno enclave de Atenas chamado Exarchia, onde vivi por sete anos pesquisando levantes populares. Aproximadamente do tamanho da East Village, em Nova York, Exarchia tem sido um bastião antifascista desde a década de 1970 e um exemplo de como a luta contra o autoritarismo pode energizar uma comunidade.

Gerações de antifascistas construíram Exarchia, incluindo combatentes que resistiram aos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e brigadas auto-organizadas que lutaram contra fascistas locais e estrangeiros durante a Guerra Civil Grega. Décadas depois, pessoas enfurecidas pelo assassinato de dezenas de manifestantes e testemunhas pela polícia na Universidade Politécnica de Atenas, em 1973, ajudaram a derrubar a ditadura apoiada pelos EUA. Em 2008, anarquistas voltaram às ruas depois que um policial assassinou um jovem de 15 anos, desencadeando protestos por toda a nação, expulsando a polícia de Exarchia e estabelecendo uma nova medida de autonomia.

Se você está imaginando um bairro cheio de criminosos usando balaclavas negras, pense novamente. Do alto da colina Strefi, em Exarchia, há um parque mantido pelos moradores, é possível ver crianças jogando basquete e pessoas passeando com cachorros e fazendo batalhas de rap, com a Acrópole e o brilhante mar visíveis à distância. As varandas estão repletas de jasmim trepadeira e jardins. Os próprios edifícios formam um enorme mural interconectado de tags de grafite e pinturas abstratas e figurativas. Árvores de laranja amarga alinham as ruas, florescendo com flores brancas na primavera.

É difícil distinguir um amigo da comunidade de coral local, o seu dentista, o seu mecânico ou a avó do seu vizinho, de um antifascista. Toda semana, os moradores de Exarchia realizam assembleias abertas em centros comunitários e em espaços ocupados — edifícios vazios que foram ocupados e reformados; suas pautas são determinadas pelo que é mais urgente na comunidade.

As decisões são executadas por aqueles que estão mais entusiasmados e têm as habilidades relevantes. Por exemplo, um agrônomo se voluntaria para pesquisar relatórios ambientais sobre o bairro. Pessoas que serviram no exército ou estudaram direito podem ter ideias sobre segurança. Os Exarhites criaram seus próprios abrigos para imigrantes, centros comunitários, cozinhas de alimentos gratuitos, parques e bibliotecas em espaços ocupados. Grupos antiautoritários distribuem alimentos e remédios para os necessitados. Eles fazem tudo isso sabendo que não se pode confiar no governo, nas igrejas e nas ONGs para fornecer esses serviços.

Claro que existem desvantagens em viver em Exarchia. É sempre bom ter uma máscara de gás confiável para quando a polícia usa gás lacrimogêneo para dispersar protestos. O vandalismo de Airbnb ‘s para aluguel é comum — apesar dos esforços dos moradores, a gentrificação tem avançado.

Nos últimos anos, Exarchia tem sido ameaçada pelo governo conservador de Kyriakos Mitsotakis. O governo tem desalojado os ocupantes e enviado imigrantes da comunidade para campos de refugiados. Árvores na praça central foram cortadas e esquadrões de policiais militarizados posicionados nas ruas para proteger o altamente contestado local de uma nova estação de metrô, que os moradores veem como um movimento em direção à gentrificação. Ações como essas destroem comunidades.

Aqui está como Exarchia tem reagido.

Manter o espírito do bairro é fundamental. Exarchia é conhecida por festivais com apresentações do coral comunitário e das orquestras locais, carnavais e festas de dança que duram a noite inteira, algumas em comemoração a vitórias passadas ou em memória aos lutadores antiautoritários. A história do movimento é mantida viva, especialmente para as crianças. Quando uma estátua de anjos na praça foi destruída por ordem do governo, titereiros criaram réplicas dos anjos e os levaram aos festivais e protestos. No Carnaval, manifestantes fantasiados dançaram o Sirtaki ao redor de um enorme boneco em chamas de Mitsotakis, em frente à polícia militarizada. Na primavera passada, criaram um enorme tigre de papel machê que percorreu as ruas. Crianças animadas pulavam ao redor dele, colocando a cabeça em sua boca.

Uma diversidade de táticas é essencial para proteger o bairro. Isso vai desde sabotagem de máquinas de construção até boicotes a negócios que promovem a gentrificação, protestos que tomam as ruas e processos judiciais que lotam os tribunais. O que torna todos esses métodos tão bem-sucedidos é a variedade de pessoas envolvidas; jovens e velhos, ricos e pobres, advogados atuando dentro do sistema, e militantes lutando nas ruas. Cada ato de resistência reforça o outro, e tais atos têm sido coletivamente eficazes em parar a usurpação de espaços públicos, prisões e despejos — os do tipo violento pelos policiais e os silenciosos por proprietários que aumentam os aluguéis ou por investidores estrangeiros que compram prédios.

As táticas de Exarchia devem parecer familiares aos americanos, porque muitas delas foram inspiradas na história americana, que tem um número surpreendente de movimentos autônomos populares — coletivos agrários, redes de escravizados trabalhando em células para se mover e conduzir outros para a liberdade, os abolicionistas que os ajudaram, os Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW) a resistência indígena, redes clandestinas de aborto, a força-tarefa ACT UP contra a AIDS, ativistas anti-gasodutos, e o Earth Liberation Front, cuja ideologia radical sobre proteger a terra se tornou amplamente mainstream.

Para os americanos que se sentem presos na armadilha de um governo abertamente hostil, é essencial entender como se organizar sem um líder. A maior lição de Exarchia pode ser que, quando o estado falha ou se vira contra nós, nos penalizando, nos negando recursos, restringindo nossa liberdade de expressão e movimento, e atacando os mais fracos entre nós, tudo o que temos é uns aos outros: nossa coragem, nossa competência, nossa alegria, nossa raiva, nossa recusa em recuar ou ver o outro ser prejudicado. As pessoas têm o poder de derrubar ditadores.

Cara Hoffman é uma romancista e editora fundadora da “The Anarchist Review of Books”. Ela ensina na Universidade Johns Hopkins.

Fonte: https://www.bostonglobe.com/2024/11/15/opinion/what-greek-anarchists-teach-us-about-trump/

Tradução > Alma

agência de notícias anarquistas-ana

cantam os pássaros
aqui e ali; deito na rede
e começo a roncar

Rafael Noris

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