De Fifth Estate, nº 415, Verão de 2024
Por Norman Nawrocki
Imagine se mais pessoas acreditassem no poder e na magia da criatividade coletiva, que novo e maravilhoso mundo anarquista poderíamos construir. Sob o capitalismo, qualquer forma de criatividade geralmente é vista como uma busca individual, o domínio dos ricos, da elite e dos artistas. É algo a ser comodificado, reembalado e vendido de volta aos outros na forma de cultura pop a ser consumida. As pessoas aceitam que devem assinar plataformas para assistir filmes ou ouvir música a fim de satisfazer suas necessidades culturais. Para a pessoa comum, os altos custos de frequentar apresentações de teatro ou dança ao vivo costumam ser proibitivos.
Quem então imaginaria que pessoas comuns, com pouca experiência, poderiam acessar e aproveitar sua própria criatividade e imaginação, usando seus próprios poderes de expressão junto a outros para criar uma arte não comercial com um propósito político? Uma obra artística que também pode ser usada como uma ferramenta de organização? E fazer isso em uma atmosfera coletiva, de apoio, sem julgamento, juntos a outros que compartilham o mesmo desejo de mudança social radical? Quando as pessoas têm a oportunidade e o objetivo de dançar, desenhar, pintar, cantar, gritar, atuar e planejar uma maneira de alcançar as mentes e os corações de um público inesperado, isso tudo pode acontecer. E, pode ser divertido.
Usando minhas décadas de experiência como artista anarquista multidisciplinar, ensino Resistência Criativa (RC): como usar as artes, música, dança, teatro, poesia, arte visual, arte digital, etc., para abordar questões críticas e trabalhar na criação de um mundo mais sensato. E, como usar essa abordagem para um ativismo comunitário mais eficaz e uma mudança social radical. O palco pode ser universidades e faculdades, mas também pode ser nas comunidades com ativistas de direitos à moradia ou que lutam contra a crise climática, organizadores trabalhistas, grupos LGBTQ2S e anarquistas. Os participantes são, na maioria, pessoas sem prática artística, sem experiência em apresentações, que nunca imaginaram como as artes poderiam ser úteis em seus trabalhos.
Em um workshop de RC sobre direitos à moradia, realizado por um grupo de anarquistas e simpatizantes em Kelowna, uma pequena cidade na Colúmbia Britânica, onde o turismo é uma atividade econômica importante, os participantes foram convidados a nomear e resumir os problemas locais e possíveis soluções em respostas curtas. A lista se transformou em material para slogans, cartazes e esquetes. Por Exemplo:
“Falta de direitos dos inquilinos: é preciso advogar!”
“Imóveis como investimento de capital: A moradia é um direito humano!”
“Casas de férias vazias: Encham-nas com ocupantes!”
“Aluguéis de curto prazo para turistas: Proíbam os Air B’n’Bs!”
“O estigma prejudica pessoas sem casa ou em situação de insegurança: Educação!”
Cada grupo de trabalho escolheu um tema, fez uma sessão de brainstorming para criar uma representação criativa e teatral desse tema e dramatizou tanto o problema quanto a solução. O resultado: esquetes de teatro anarquista de guerrilha improvisadas, contundentes e de fácil compreensão, que poderiam ser apresentadas em qualquer lugar público. Eles também adicionaram acompanhamento musical ao vivo improvisado, cantaram cânticos e desenharam obras de arte simples, mas poderosas, para segurar atrás e ao lado das performances. Durante um workshop de duas horas, conseguiram fazer tudo isso em menos de trinta minutos com um rápido ensaio de dez minutos. O restante do tempo foi dedicado a aprender os princípios e a teoria da RC e as práticas recomendadas em outros lugares.
O próximo passo foi retornar aos seus grupos comunitários para compartilhar as novas habilidades, incluindo como trabalhar com a população local de pessoas sem casa, algumas das quais haviam manifestado interesse em usar o teatro para avançar suas demandas por moradia acessível.
Em St. John’s, Newfoundland, alguns anos atrás, um grupo de estudantes queria montar uma campanha para enfrentar o problema das drogas de estupro em bares. Como resultado de um workshop de RC, eles criaram uma série de esquetes improvisadas sobre experiências reais em bares, que mais tarde refinariam, filmariam e, com a cooperação dos bares locais, exibiriam nas TVs dos estabelecimentos como anúncios de serviço público. Uma das participantes do workshop escreveu: “Saí cheia de ideias, funcionando a todo vapor! Muito do que você disse era muito prático e extremamente útil. Algumas de suas palavras se repetem na minha cabeça todos os dias: por exemplo, ‘Você não pode fazer esse tipo de trabalho criativo sozinha, sentada em frente a uma tela de computador.'”
Em Regina, Saskatchewan, alguns anos atrás, jovens sindicalistas planejaram uma campanha de apoio público a baristas que estavam tentando organizar as filiais de uma cadeia local de cafeterias. A equipe de RC fez um brainstorming e encenou não apenas esquetes de teatro agitprop a serem apresentadas na rua em frente e dentro das lojas, mas também criou porta-copos impressos com mensagens de apoio aos trabalhadores. Eles até reescreveram as letras de músicas pop para incentivar o público a pressionar a administração e a reconhecer o sindicato e os direitos dos empregados por melhores condições de trabalho. De acordo com um dos ativistas: “Seu workshop me fez perceber que, embora nossa paixão pela justiça social seja uma batalha séria pela qual lutamos todos os dias, nossa visão parece mais alcançável quando nos concentramos em construir uma cultura de resistência por meio da criatividade, ação coletiva e diversão!”
No início deste ano, trabalhei online com membros de um grupo ambiental que desejam permanecer anônimos, combatendo o financiamento de oleodutos pelo Royal Bank of Canada. Os participantes criaram toda uma estratégia de ações de RC usando teatro improvisado, realizado em saguões de bancos, durante reuniões de acionistas e nas ruas durante essas reuniões. As ações incluíam tudo, desde derramar tinta preta para representar óleo na propriedade do banco até se vestir como acionistas, invadir reuniões e tomar os microfones exigindo responsabilização, ou se vestir como caixas eletrônicos convidando o público a colocar dinheiro, para depois alguém derramar óleo/tinta preta na máquina. Um participante escreveu depois: “Seu workshop nos deixou animados e prontos para planejar uma nova campanha baseada em ações de Resistência Criativa.”
Como um anarquista de carteirinha, com bandeira preta tremulando, todos os participantes dos meus workshops de RC são incentivados a seguir os princípios anarquistas — sem líderes, sem estrelas. Todos têm um papel igual a desempenhar. O consenso é fundamental. Contestando a autoridade, as narrativas dominantes e as crenças hegemônicas. Trabalhamos coletivamente, adotamos abordagens de grupos de afinidade e aprimoramos práticas de autossuficiência e autogestão do grupo. Nunca esquecemos da importância de brincar, de ter a liberdade de explorar nossa própria natureza brincalhona, de nos soltar e experimentar a alegria da auto expressão. Porque a luta nem sempre precisa ser chata.
Após um workshop ou aula de RC cheio de energia, os participantes se sentem empoderados. Sabem que agora têm uma nova ferramenta de organização e ativismo. Uma ferramenta para ajudar a se pensar, imaginar, planejar e criar campanhas visíveis e ações mais eficazes. Eles descobrem talvez habilidades criativas nunca antes reconhecidas que revelam o palhaço, cantor ou ator oculto dentro de si mesmos e ouvem o poder de suas próprias vozes em uma formação grupal dinâmica e diferente, cantando, atuando ou gritando juntos. Experimentam a emoção de criar coletivamente algo possivelmente selvagem e artístico para abordar questões sociais e imaginar soluções potenciais.
E percebem que conseguiram isso se dedicando em um curto período de tempo. É uma alternativa nova ao ativismo geralmente monótono que negligencia as práticas criativas. Uma abordagem para ajudar a reiniciar imaginações e inspirar, informar e empoderar a si mesmos e aos outros. Um meio de engajar pessoas de formas novas e divertidas. Provocar questionamentos. Alcançar um público mais amplo cansado de protestos tradicionais. Comunicar ideias de forma mais eficaz. E atrair mais atenção da mídia. Os participantes sempre afirmam que saem dos workshops energizados e prontos para ir às ruas.
Essa liberdade de criar e se expressar dentro de uma estrutura política é algo com o qual os anarquistas sempre se identificaram. Desde críticas ao Estado e à ordem social burguesa até visões de um novo mundo, artistas e simpatizantes anarquistas sempre usaram marionetes, poesia, canções e teatro para espalhar a Ideia.
Cabarés anarquistas animados prosperaram pela Europa no final do século XIX. Dezenas de grupos de teatro anarquista existiram mundialmente no início do século XX. Protestos anarquistas ao estilo de carnaval, desde os anos 1970, sempre tiveram um componente artístico. O Festival Internacional de Teatro Anarquista de Montreal, onde o público pode ver o melhor do teatro anarquista contemporâneo, continua essa tradição, assim como os cabarés do Anarchist Writers Bloc (Bloco de escritores anarquistas), também em Montreal.
Artistas anarquistas estão especialmente conscientes das conexões entre a autoexpressão criativa, o poder das artes de agitar a mente das pessoas e o trabalhar pela Revolução Social.
Todo poder à imaginação.
Norman Nawrocki é comediante, educador sexual, artista de cabaré, músico, autor, ator, produtor e compositor baseado em Montreal. Seu mais novo livro é o Red Squared Montreal (Black Rose Books, 2023). normannawrocki.com
Tradução > Alma
agência de notícias anarquistas-ana
Quietude na sala
Apenas rompida
Pelo perfume da rosa.
Ignez Hokumura
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!