[França] Lembrando Louise Michel: “Agora só me resta a revolução” | 120 anos após sua morte, a heroína da Comuna de Paris continua a inspirar

~ Maurice Schuhmann ~

No Hôtel Oasis, em Marselha, a anarquista, feminista e Communard [1] francesa Louise Michel faleceu em 9 de janeiro de 1905. Naquela época, ela era uma das figuras mais notáveis do anarquismo contemporâneo e era mencionada com frequência da mesma forma que Peter Kropotkin e Errico Malatesta. Hoje, uma placa comemorativa no hotel honra sua memória, e seu túmulo no cemitério de Levallois-Perret – um rico subúrbio de Paris – tornou-se um local de peregrinação. Na época de seu funeral, esse subúrbio ainda era considerado um território revolucionário.

Louise Michel nasceu duas vezes – primeiro como pessoa, em 29 de maio de 1830, e novamente como um mito, em 1871, no contexto da Comuna de Paris. Nesse último sentido, ela vive até hoje, embora de forma altamente romantizada, que é frequentemente apropriada por vários movimentos políticos. A memória da “Virgem Vermelha”, como tem sido reverentemente chamada desde a Comuna, tornou-se uma questão política na França desde o início do século XX.

Em meios feministas e anarquistas, seu envolvimento de vida geralmente começa em 1871 ou depois de sua conversão ao anarquismo, uma narrativa que a colocou postumamente como precursora do anarcofeminismo. Essa narrativa, no entanto, não faz justiça à sua complexidade – nem em um sentido positivo nem negativo. Esses relatos negligenciam, por um lado, suas primeiras atividades literárias aos 20 anos de idade e a correspondência com seu ídolo, o escritor naturalista francês Victor Hugo, o que sublinhou sua legitimidade como autora. Por outro lado, geralmente ignoram o fato de que, no início do levante da Comuna de Paris, ela apoiou o socialismo autoritário na linha de Auguste Blanqui.

Nascida filha de pais solteiros em Vroncourt-la-Côte (na região de Grand Est), Louise Michel desenvolveu um interesse precoce pela literatura e estabeleceu contato com Victor Hugo, que mais tarde lhe dedicou um longo poema intitulado “Viro Major”. Suas obras literárias incluem contos (Le Grand Pan), romances (Les Plus Forts) e peças de teatro (Le Voile du bonheur). No entanto, hoje essas obras raramente são lidas ou estudadas, ao passo que ela própria se tornou uma protagonista do teatro francês moderno. Seu relacionamento com Victor Hugo forneceu material para essas dramatizações.

Ela trabalhou como professora, inclusive em uma escola em Montmartre que ainda existe hoje, onde um pequeno memorial homenageia sua famosa ex-funcionária. Para ela, lecionar era mais do que apenas um meio de ganhar a vida – ela estava profundamente comprometida com a educação então embrionária das mulheres e, em 1852, abriu uma escola livre (embora isso não deva ser confundido com o conceito das modernas “escolas livres” [2]). Infelizmente, pouco foi documentado sobre sua abordagem pedagógica específica, que permanece em grande parte inexplorada. A educadora Louise Michel é ofuscada pelo mito da revolucionária.

Quando a Comuna de Paris se ergueu em 1871, após a Guerra Franco-Prussiana, ela estava lá desde o início. Vestida com um uniforme masculino, ela liderou o batalhão feminino da Comuna, que defendeu a área ao redor de Pigalle e da Place de Clichy – que posteriormente se tornaria o distrito da luz vermelha de Paris, como frequentemente é destacado com humor ácido.

A Comuna durou apenas 71 dias, mas demonstrou o que poderia ser uma sociedade alternativa e como ela poderia funcionar. Depois que a revolta foi esmagada, ela, ao contrário de muitos outros comunistas que foram sumariamente fuzilados, foi condenada por um tribunal ao exílio na Nova Caledônia, na época uma colônia francesa. Seu exílio de sete anos começou em 1873.

Usar um uniforme masculino tornou-se uma questão política. Uma das acusações feitas contra ela durante seu julgamento foi a de que, ao usar roupas masculinas, ela estava fazendo cross-dressing [3]. Embora isso possa parecer um detalhe menor, no contexto de uma leitura queer-feminista de sua vida, está longe de ser insignificante. Ela se defendeu alegando que havia usado o uniforme por apenas um dia.

Sua transformação em anarquista é normalmente datada da época de sua jornada para o exílio. Durante esse período, ela refletiu sobre o problema do poder, especialmente seus efeitos corruptores. Ela concluiu que ninguém está imune à sedução do poder quando ele está em suas mãos e inferiu que o objetivo não deveria ser tomar o poder, mas lutar contra ele.

“Vi nossos companheiros em ação e, gradualmente, cheguei à convicção de que até mesmo os indivíduos mais íntegros, se exercessem o poder, acabariam se assemelhando aos vilões contra os quais haviam lutado. Percebi a impossibilidade de conciliar a liberdade com qualquer forma de poder”.

Na colônia, ela também trabalhou como professora, chegando a lecionar para o povo indígena local Kanak. Embora muitos dos Communards nutrissem preconceitos racistas contra a população indígena, Louise Michel os via como iguais e não fazia distinções raciais. Entretanto, algumas passagens de seu livro de memórias de 1886 sobre essa época contêm termos com conotação racial.

Depois que uma anistia foi concedida aos ex-Communards, ela retornou à França em 9 de novembro de 1880, desembarcando na cidade portuária de Dieppe, na Normandia, onde uma grande multidão a aguardava para recebê-la. Mais tarde, em 1888, o poeta francês e colega Communard Paul Verlaine dedicou um poema a ela. Na própria Dieppe, restam vestígios esparsos da Communard que um dia pisou lá.

Em 1886, suas memórias foram publicadas, tornando-se sua obra mais lida. Nelas, ela relata vividamente o desenvolvimento e o andamento da Comuna – um projeto cujo legado havia se tornado um ponto de discórdia entre os teóricos socialistas e anarquistas.

Seu tempo no exílio, ou seja, seu banimento de anos, não abalou Louise Michel, muito pelo contrário. Em suas memórias, encontramos a frase que talvez melhor capte seu estado de espírito nessa situação: “Agora só me resta a revolução”. Assim, ela se transformou em uma espécie de revolucionária profissional. Cheia de entusiasmo, ela mergulhou no ainda jovem movimento anarquista na França, propagou suas ideias e manteve correspondência com figuras como Élisée Reclus, Malatesta e Kropotkin, continuando a dar palestras e a escrever contos propagandísticos, romances e peças de teatro até sua morte.

O anarquista francês Sébastien Faure resumiu sua importância no jornal Le Libertaire em 1935: “A história da Comuna é rica em figuras belas e nobres. A que permaneceu mais popular nessa notável galeria é a de nossa querida Louise Michel”.

Fonte: https://freedomnews.org.uk/2025/01/09/remembering-louise-michel-now-i-have-only-the-revolution-left/

[1] Nota de tradução: termo que se refere a pessoas membras e apoiadoras da Comuna de Paris.

[2] Nota de tradução: na Inglaterra, “free schools”, aqui traduzidas como “escolas livres”, são escolas financiadas pelo governo, mas independentes das autoridades locais, diferindo de nossa noção de “escola pública” que segue uma base curricular comum e diretrizes específicas.

[3] Nota de tradução: usar roupas geralmente associadas ao gênero oposto.

Tradução > acervo trans-anarquista

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