INTRODUÇÃO: PROPÓSITO
As tentativas de repensar nosso futuro como um lugar de solidariedade, apoio mútuo, equidade e decrescimento exigem o questionamento das estruturas de poder existentes. O enfrentamento das desigualdades sociais está no cerne da crítica às estruturas autoritárias e, sem isso, nunca poderemos viabilizar relacionamentos igualitários e de equidade, que são fundamentais a qualquer ideia anarquista.
Em Zagreb, nós, como anarquistas, vemos a necessidade de tratar explicitamente de um desses sistemas de desigualdade e dominação: o patriarcado. Como um sistema consolidado de dominação, ele continua a contribuir para a marginalização, a exploração e as repercussões violentas contra nós que não obedecemos aos papéis estritamente definidos e subjugados que circundam a figura do homem cis dominante. Mesmo em nossos coletivos e comunidades anarquistas, essas estruturas de poder são reproduzidas e, com muita frequência, não são contestadas nem questionadas. Isso gera violência e maior subjugação/marginalização/dominação e constitui um obstáculo imediato às nossas visões.
QUEM SOMOS NÓS?
Somos um grupo autônomo e auto-organizado de anarcofeministas queer que deseja criar um espaço seguro para enfrentar os desafios da opressão e lutar contra todas as formas de discriminação baseadas em gênero e sexualidade.
Somos anarquistas porque somos contra qualquer tipo de dominação e exploração e queremos criar uma sociedade livre onde tais dominações e explorações sejam abolidas.
Nosso grupo foi formado como uma resposta ao estado atual da sociedade patriarcal e à tolerância à violência física e sexual contra mulheres e pessoas queer em nossa sociedade. Isso também é visível em nossos círculos e é necessário aumentar a conscientização e condenar esse tipo de comportamento a partir de nossos espaços e grupos e disseminar nossos princípios na sociedade em geral.
Nossa base é em Zagreb, mas viemos de diferentes partes do mundo, “países” e culturas. Além disso, temos diferentes experiências e maneiras de nos envolvermos no ativismo e queremos compartilhar diferentes maneiras de lutar contra o sistema patriarcal e falar sobre métodos que podem ser diversos, dependendo de nossa experiência e formação anterior, para obter mais conhecimentos culturais sobre como agir ou quais estratégias podemos usar.
METAS/OBJETIVOS
Abordar especificamente tópicos anarco-queer-feministas dentro e fora das organizações anarquistas em Zagreb, inclusive analisando as estruturas e os projetos existentes que se dizem anarquistas sob o ângulo anarco-queer-feminista e, assim, identificar os locais onde ainda é necessário desenvolver a inclusão.
Construir uma rede de apoio e locais para compartilhar experiências relacionadas à violência patriarcal, de modo que seja possível abordá-las adequadamente, denunciá-las e criar locais isentos – na medida do possível – de tal violência.
Educar – por meio de nossa própria organização, encarnando os valores e o mundo que queremos criar e por meio de esforços mais diretos de compartilhamento de conhecimento, pretendemos incentivar uma mudança cognitiva na forma como percebemos o mundo e desmantelar todas as formas de dominação – o estado, o gênero, o hetero- e o cis-sexismo, o casamento e a família nuclear e assim por diante.
A QUEM DAMOS AS BOAS-VINDAS PARA SE JUNTAR À NOSSA LUTA?
Defendemos mulheres trans e cis, homens trans, pessoas genderqueer, two-spirit e não binárias, pessoas intersexo, pessoas queer, pessoas de todas as raças e etnias, pessoas em movimento, profissionais do sexo, pessoas indocumentadas e criminalizadas, pessoas com diferentes capacidades físicas, pessoas neurodivergentes, pessoas de todas as crenças (desde que não entrem em conflito com nossos valores) e muitas outras que são marginalizadas e oprimidas pelo sistema atual. Às pessoas que compartilham de nossos valores, listados aqui, por favor, entrem em contato conosco e vamos transformar nossa fúria em um propósito construtivo para mudar este mundo sombrio em que vivemos!
Em última análise, desejamos que os homens cis lutem ao nosso lado, já que todes sofremos com o patriarcado. No entanto, os mesmos esquemas de dominação patriarcal estão fadados a se repetir; mesmo em círculos anarquistas, vemos como as vozes masculinas são mais ouvidas e recebidas e como elas frequentemente assumem o papel principal. Como confirmação disso, algumas das reações à formação desse grupo refletem o engano comum de que excluir o grupo dominante da auto-organização marginalizada é de alguma forma “discriminação” (como se fôssemos convidar os patrões para os estágios iniciais da sindicalização dos trabalhadores). No entanto, a melhor maneira de eliminar muitos dos padrões de comportamento mencionados acima é simplesmente não permitir a entrada de homens cis no grupo, pelo menos enquanto estivermos nos orientando e estabelecendo uma dinâmica de grupo saudável.
Dito isso, oferecemos apoio a toda e qualquer pessoa que venha em paz e solidariedade.
Esse parágrafo, juntamente com o restante do manifesto, foi escrito logo no início de nossa reunião. Agora, um ano depois de nossa organização, decidimos reavaliar novamente e determinamos que essa decisão passou da validade. Embora essa tenha sido uma conversa contínua ao longo do ano, juntamente com a discussão de nossa rejeição à política de identidade, sabemos que a tomamos conscientemente, principalmente por motivos pragmáticos – era simplesmente mais fácil do que ter de se envolver em processos transformadores quando o grupo ainda é jovem e tem pernas finas. Colaboramos com homens cis em ações e em nossos esforços educacionais, mas mantivemos a organização central fechada para eles. Agora nos sentimos mais confiantes em nossa estrutura não hierárquica e solidária e achamos que estamos em condições de lidar com qualquer comportamento machista e patriarcal que possa surgir em nosso caminho e temos o desejo de abrir o espaço para a participação de homens cis. No entanto, pedimos que todes – mas especialmente os homens cis – se concentrem em agir sem dominar os espaços, ouvindo e refletindo seus comportamentos – portanto, pedimos a presença discreta de companheiros homens cis que queiram aprender.
NOSSOS VALORES
– antiautoritarismo – nos esforçamos conscientemente para denunciar as formas formais e informais de poder centralizado
– cuidado – percebemos que os padrões da economia neoliberal patriarcal, como a competição e a comunicação e o comportamento agressivos, estão sendo perpetuados nas relações sociais dentro e fora de nossos grupos. Em vez disso, queremos que o cuidado ativo e a camaradagem sejam a base de nossas relações sociais e comunidades
– ecofeminismo – o reconhecimento de que a cultura patriarcal e a economia capitalista subjugam e exploram as mulheres e outros grupos marginalizados da mesma forma que fazem com a natureza é fundamental para conectar (e entender melhor) essas lutas, tornando-nos mais conscientes dos padrões repetidos de dominação e mais minuciosos e táticos no desmantelamento desses sistemas de opressão (o que nos torna mais fortes e mais conscientes dos problemas em nossa sociedade)
– anti-especismo – garantimos o respeito e o cuidado com todos os seres vivos, independentemente de sua proximidade com a condição humana
– anticolonialismo e antirracismo – tendo em mente nosso privilégio, estamos tentando ativamente desaprender preconceitos coloniais e de supremacia branca e lutar contra a dominação cultural. Vemos formas específicas de racismo e xenofobia ocorrendo em nosso contexto regional (sentimentos anti-roma, violência contra refugiados…) que nos comprometemos a ajudar a desmantelar e, em contrapartida, contribuir para a liberdade de movimentações de pessoas
– antinacionalismo e antifascismo – reconhecendo a história (e o presente) violenta da região dos Bálcãs e as tensões étnicas ainda não reconciliadas, acreditamos que lutar explicitamente contra os movimentos nacionalistas é fundamental para a construção de uma comunidade melhor
– anticapitalismo – em vez de permitir que o capitalismo neoliberal patriarcal prejudique a totalidade de nossas relações sociais e observar como ocorre a mercantilização de todos os aspectos da vida (isso inclui o consumismo homonormativo e o capitalismo pink!!), estamos trabalhando ativamente com base no apoio mútuo, na economia solidária, nas práticas de compartilhamento e em “cada um de acordo com sua capacidade, a cada um de acordo com suas necessidades”. não podemos ter um crescimento econômico constante, mas podemos ter mais daquilo que realmente importa.
– interseccionalismo – todas as formas de marginalização e violência – racismo, sexismo, heteronormatividade, amatonormatividade, transfobia e transmisoginia, capacitismo, gordofobia, nacionalismo, classismo – trabalham em sincronia para manter as estruturas opressivas de dominação; não podemos ignorar nenhuma delas se quisermos alcançar a equidade e a paz
– anti-assimilacionismo – recusamo-nos a ter nossas identidades e expressões subjugadas e moldadas para sermos mais palatáveis e “mais bem tolerados” dentro da sociedade atual e nos esforçamos para criar espaços de pluralidade onde operamos, trabalhamos, aparentamos e sentimos de maneiras divergentes
– autonomia corporal – recusamo-nos a ter nossas experiências e decisões em relação aos nossos corpos governadas e estritamente controladas pelo estado e, em vez disso, optamos por lutar para ter uma agência maior em relação à saúde reprodutiva e sexual, cuidados de afirmação de gênero, saúde mental e muito mais
– anarco-queer-feminismo
COMO AGIMOS?
– prefiguração – acreditamos que a criação de um novo mundo é tomar medidas para criá-lo e viver a vida que queremos viver. queremos que nossas ações e nossa forma de organização reflitam a sociedade futura em que gostaríamos de viver
– resposta local – compartilhamos nossas preocupações nos grupos e círculos em que atuamos para conscientizar sobre situações e pessoas problemáticas e criar um espaço mais seguro para quem é afetade, nos organizamos no contexto local para atender e ajudar nas necessidades específicas de nossas comunidades e criamos vínculos com outros grupos que compartilham nossos valores e trabalham pelos mesmos objetivos, mas que podem lutar em frentes diferentes
– abordagem holística e antiautoritária para viver e se organizar – queremos trabalhar para fortalecer nossos instintos corporais, mentais, emocionais, interpessoais e outros, e nos engajar tanto na prática quanto na teoria
– uma estrutura de organização horizontal e não hierárquica que opera de forma participativa, com base em consenso – todas as ideias ou preocupações que você possa ter são bem-vindas!
Ao longo do nosso crescimento, planejamos organizar diferentes workshops e campanhas; você será mais do que bem-vinde a participar de cada um deles, ou apenas de um – o que você precisar.
COMO ENTRAR EM CONTATO?
Sinta-se livre para nos contatar em:
vrrrane1312.noblogs.org
Tradução > acervo trans-anarquista
agência de notícias anarquistas-ana
Alto da serra —
Passa sobre a terra arada
A sombra das nuvens.
Paulo Franchetti
esperemos que si, asi se difunde más, salud
A FACA agradece a ressonância que nossas palavras tem encontrado na ANA: ideias e projetos autônomos, horizontais, autogeridos e anticapitalistas…
parabens
Parabéns pela análise e coerência.
Olá Fernando Vaz, tudo bem com você? Aqui é o Marcolino Jeremias, um dos organizadores da Biblioteca Carlo Aldegheri, no…