Por Marcelo Valko | 25 de março de 2025
Antonio Gramsci, antes de morrer em 1937, escreveu uma daquelas frases visionárias e definitivas, que não perdem a validade nem atualidade: “O velho não acaba de morrer e o novo não termina de nascer. Enquanto isso, surgem monstros.” E ele tinha toda razão. Naquele momento, o mundo se preparava para uma noite muito escura de dor e espanto. Hoje, sopram ventos de um neoliberalismo extremo e extremista. Sem a intenção de comparar um período com outro, observamos semelhanças de intolerância e afinidades de autoritarismo absoluto. Como diria Giambattista Vico, o corsi e ricorsi da história não avançam de forma linear, mas em ciclos que se repetem, com avanços e retrocessos. Fluxos, recorrências e refluxos da história que, no dia de ontem, com a mobilização massiva em todo o país pelo Dia da Memória, Verdade e Justiça, parecem começar a ser revertidos.
Um mar de gente se mobilizou em Mar del Plata, Rosario, Bariloche, Córdoba e em diversas localidades como Chivilcoy ou Bolívar, para citar alguns pontos onde houve manifestações contra o absurdo negacionismo de um governo que ignora a realidade dos aposentados, a escolha sexual das pessoas, que atenta contra a saúde, a educação, a economia familiar, ignora as mudanças climáticas e também descarta a verdade histórica.
O governo e seus lacaios devem ter percebido algo, e o temor e tremor os levaram a perpetrar não apenas o absurdo vídeo relacionado ao 24 de março, mas também a cometer outro ato repulsivo. Na entrada da cidade de Río Gallegos, em Santa Cruz, como uma “boas-vindas”, um monumento erguido em sua memória no dia 24 de março de 2023, homenageando o escritor Osvaldo Bayer, que revelou uma carnificina deplorável perpetrada pelo governo de Irigoyen em 1920/1921 com o fuzilamento de mil e quinhentos trabalhadores rurais na Patagônia, foi derrubado, como pode ser visto nessas fotos. O ato foi cometido no dia 23 de março, e mandaram a Viação Nacional destruí-lo, cuja função é bem diferente. O fato de terem cometido isso um dia antes do 24 é um símbolo e uma mensagem. Inclusive, deixaram registrado por escrito na “página libertária de El Diario Santa Cruz”, onde, entre uma série de falácias, balbuciam que “essa estrutura, mais do que um tributo, era parte da propaganda ideológica que o kirchnerismo impôs ao espaço público.”
Todos os que conheceram o minucioso pesquisador Osvaldo Bayer sabem tanto de sua honestidade intelectual à prova de tudo, quanto de seu amor pela bela Patagônia. Uma pessoa que resiste a qualquer arquivo, sempre manteve sua postura de anarquista libertário (autêntico, não como esse corso de fantasias que usurpa esse nome). Era daquelas pessoas que “nunca se casou com ninguém” que estivesse no poder. E isso apesar de terem tentado seduzi-lo. Por isso, teve que se exilar com sua família quando o governo de Isabel Perón/López Rega o ameaçou de morte no começo do espanto que depois se espalhou pelo nosso país. Nunca foi peronista, radical, nem kirchnerista. Todos sabem disso. Fui seu amigo por quase 20 anos.
Que derrubem o monumento alegando essas bobagens é indignante, irritante e revolta a consciência, e sua honesta memória não merece isso. No país existem bibliotecas públicas que levam o nome de Bayer, e até quatro cidades têm seu nome nas ruas, como Puerto Deseado, Pirâmides, Calafate e Governador Gregores, todas na Patagônia, uma região onde Osvaldo Bayer tem grande ascendência. Lá, os moradores conseguiram deixar para trás, sempre de forma democrática, o general Julio Roca, substituindo-o pelo escritor Osvaldo Bayer. Que um país remova um militar para colocar um escritor é um sonho realizado. Mas o nosso país tem imensos feitos, um potencial que não devemos esquecer, ainda mais agora: na Argentina, Videla morreu na prisão, enquanto no Chile, Pinochet faleceu como senador vitalício. Não devemos desanimar, continuar e avançar.
Mas está claro que nesses tempos brutais, onde batem na cabeça de uma aposentada de 81 anos que desmaia no Congresso, tudo pode acontecer. Apesar de esta nota estar escrita, poucos minutos após conhecer essa aberração contra a história, estou convencido de que essa bela imagem de Bayer voltará ao seu lugar mais cedo ou mais tarde. A história é longa e haverá prestação de contas. Para finalizar, vale a pena lembrar novamente o que Gramsci disse: “a indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua.” Memória, Verdade, Justiça. São 30.000. Foi genocídio. É lento, mas vem…
Fonte: https://huelladelsur.ar/2025/03/25/osvaldo-bayer-volvera-a-su-lugar/
Tradução > Liberto
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