
Por Benedito Emílio Ribeiro | 15/04/2025
Belém (PA) tornou-se um verdadeiro canteiro de obras para receber a COP 30, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em novembro de 2025. Mas uma pergunta tem sido cada vez mais feita: para quem serão os legados urbanísticos do megaevento?
Para quem transita pela cidade, a resposta é simples: a sustentabilidade que se prega é “pra gringo ver”.
De um lado, o governo paraense tem prometido uma “modernização sustentável” com projetos como o Parque da Cidade, a Nova Doca e o Porto Futuro II, além da “revitalização” do centro histórico, a macrodrenagem de canais e melhorias em bairros nobres como Reduto, Marco e Nazaré.
Enquanto essas áreas passam a ser requalificadas, temos bairros periféricos – que concentram a maioria da população negra – seguindo em uma situação precária e sendo reféns da parte da moeda que ninguém quer ver.
Apesar dos discursos de sustentabilidade e inclusão social, essas obras têm um modus operandi pautado na manutenção de desigualdades em Belém. Por exemplo, a Vila da Barca, uma das maiores favelas de palafitas da América Latina, vai receber os resíduos do sistema de esgotamento sanitário da Nova Doca, no bairro do Reduto – um dos mais ricos da capital.
A vila também tem sido o local de descarte de detritos (lama e entulhos) das obras em curso na Doca. Os moradores reclamam do descaso, da falta de saneamento e infraestrutura na comunidade com mais de 7.000 habitantes.
Outro empreendimento controverso é a avenida Liberdade, ou “Eco Rodovia Liberdade”, que conecta a avenida Perimetral (Belém) e a Alça Viária (Marituba). A obra busca melhorar a mobilidade urbana na região metropolitana, mas o projeto impacta diretamente o Quilombo de Abacatal, no interior do município de Ananindeua – na rota de construção da avenida.
Os moradores falam da falta de diálogo com a comunidade e expressam a preocupação com os impactos socioambientais que serão sentidos com a abertura da estrada.
Essas obras estão atravessadas por ideais e práticas que produzem segregações sociorraciais no espaço urbano. Entre fins do século 19 e início do 20, por exemplo, já se observam marcas do urbanismo de gentrificação no Brasil, com alterações na paisagem que atualizavam mecanismos de controle de corpos e das hierarquias sociais. Um modus operandi na lógica de ordenamento das cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus e outras.
Nesse contexto, Belém passou por transformações urbanas decorrentes da economia da borracha. Vivia-se a Belle Époque e a cidade precisava adequar-se ao modelo de civilidade burguesa da época, que era inspirado em Paris e Londres.
Os projetos de urbanização de Belém incluíam a ampliação de antigas ruas, o aterramento de áreas alagadiças, a construção de avenidas e boulevards, espaços culturais para usufruto da elite, com praças, cinema e o famoso Theatro da Paz, por exemplo.
A cidade recebeu luz elétrica e água encanada. Nessas áreas enobrecidas e embelezadas de Belém, a elite da borracha ergueu seus palacetes e casarões.
Essa nova Belém, civilizada e embranquecida, não comportava mais certos sujeitos e práticas cotidianas que manchavam sua imagem. Além de impactar a paisagem, as reformas da Belle Époque buscaram efetuar uma limpeza social na cidade.
Muitos cortiços foram desapropriados no centro e seus moradores passaram a ocupar zonas periféricas. Lavadeiras foram proibidas de usar praças e largos, e eram constrangidas ao se deslocarem pelo centro da cidade, como revela o jornal A República, de 1890.
Mas as tentativas de exclusão e controle social da Belle Époque não foram suficientes para tirar de cena gente negra e indígena, cuja presença revela as nuances históricas da formação de Belém.
Por exemplo, o jornal O Democrata de 1891 relata sobre “os batuques que dão-se todos os sábados na travessa dos Tupinambás”. Já a Folha do Norte, de 1897, retrata Tia Chica, mulher negra que organizava rodas de carimbó no quintal de sua casa, na estrada de São Brás. Experiências que exprimem nosso direito à cidade.
O ontem de hoje
Percebe-se que o interesse central segue sendo atender uma pequena parcela da população e seus espaços já confortáveis de moradia e lazer: as elites brancas. Resta aos negros e indígenas sempre o mínimo para sua sobrevivência.
Belém escancara em sua história facetas de um racismo ambiental e da sucessiva negação de direito à cidade para gente negra e indígena. Se vamos tratar sobre as mudanças climáticas, devemos falar também de justiça climática e de reparação. Não esqueçam que o futuro do planeta é ancestral. E, nós, negros/as e indígenas, já estamos falando e agindo há muito tempo!
agência de notícias anarquistas-ana
estação vazia
no trem sozinho
um passarinho
Ricardo Portugal
Anônimo, não só isso. Acredito que serve também para aqueles que usam os movimentos sociais no ES para capturar almas…
Esse texto é uma paulada nos ongueiros de plantão!
não...
Força aos compas da UAF! Com certeza vou apoiar. e convido aos demais compa tbm a fortalecer!
Não entendi uma coisa: hoje ele tá preso?