[França] O anarquismo pragmático | Não contem conosco para fazer parte dos anarquistas esquerdistas

Desde as últimas eleições legislativas, temos assistido ao florescimento de uma noção de anarquismo pragmático, que seria um anarquismo mais moderno e que votaria à esquerda para impedir a extrema direita de chegar ao poder. Adeus ao parlamentarismo anarquista tradicional e bem-vindo ao mundo das pessoas responsáveis que cumprem seu dever de cidadãos colocando um voto na urna ou apertando um botão. Não discutiremos desta vez nosso abstencionismo recorrente, mas insistiremos na inconsistência da esquerda francesa, pela qual não temos qualquer responsabilidade nas guerras de egos e poder. Nossos inimigos frequentemente nos acusam de nos trancarmos em nossa torre de marfim e de que é muito fácil estar certo contra todos. No entanto, gostaríamos de dizer aos nossos detratores que a lei do trabalho e as ordens do presidente Macron são responsáveis pelo enfraquecimento da representação sindical nas empresas. E que Hollande [ex-Presidente da França] aumentou nossa idade de aposentadoria com Marisol Touraine. Que a esquerda está bem dividida e não precisa de nós para isso. Que a esquerda não é anticapitalista nem antimilitarista, ao contrário dos libertários. Que a esquerda pretende aumentar as despesas militares, etc. Que o antissemitismo borderline de Mélenchon não nos agrada; que flertar com os militantes trotskistas do seu ex-partido, a OCI, não nos entusiasma, tanto mais que muitos militantes “insubmissos” relatam uma certa violência nas relações dentro do movimento populista. Que seguir Glucksman [político francês] não nos convém, pois ele é muito social-democrata e segue os passos de Hollande. Que os ecologistas partidários são políticos que só aspiram ao poder. Que nos lembremos das trajetórias políticas de François de Rugy, Brice Lalonde… sem contar as travessuras de certos eleitos com comportamento sexista e abusador etc. Os ecologistas sempre foram os suplentes do PS [Partido Socialista]. E trabalhar com comunistas de um partido stalinista é fora de questão; decididamente, os libertários estão a milhas de distância dos microcosmos políticos. E é a estes últimos que devemos nos unir para fazer barreira à extrema direita.

Aliás, Macron, Attal e companhia fizeram mais de escada do que de barreira ao RN [Reagrupamento Nacional].

Então, os anarquistas estão confinados a ver os trens passarem? Claro que não.

Para nós, o anarquismo pragmático tem outro sentido e outra prática. Quando vários horticultores, agricultores e criadores biológicos se juntam para criar uma quinta e um restaurante associativo, mesmo que nem todos sejam anarquistas, a iniciativa é anarquista. Quando um ex-funcionário público se reconverte em padeiro biológico e o seu forno solar é construído por estudantes de engenharia mecânica, a padaria pode não se chamar “a conquista do pão”, mas o espírito libertário está bem presente. Quando um centro cultural reúne uma biblioteca operária e juvenil, um centro documental, pintores, escultores e atores… para criações e exposições, isso se inscreve em um certo espírito libertário. Quando são ministrados cursos noturnos voluntários, quando as crianças são “orientadas” por animadores e professores libertários em atividades extracurriculares, etc., isso faz parte de uma concepção ampla e prática da pedagogia libertária. Quando festividades como o centenário da greve das sardinheiras em Douarnenez fazem sentido comum, ultrapassando as barreiras partidárias, isso também faz parte do espírito libertário combativo e memorial. Quando uma creche autogerenciada é criada com pais que doam seu tempo para reduzir custos e prestar serviços, essa é mais uma prática libertária em vigor.

Quando militantes se envolvem nas ZAD [Zonas A Defender), coletivos de luta contra o extrativismo, o enterramento de resíduos nucleares etc., muitos anarquistas estão presentes nessas lutas e lhes conferem um espírito autogestionário, mesmo que seja necessário manter a guarda alta para evitar a tomada do poder por certos protagonistas.

Quando 300 a 400 pessoas montam uma mercearia solidária e cooperativa, onde os associados doam seu tempo para fazer funcionar a estrutura sem funcionários permanentes, isso reforça nossas posições libertárias. Quando outra mercearia solidária faz um cadastro de idosos e deficientes que não podem se deslocar e recebem entregas, isso contribui para a ajuda mútua. Nas associações esportivas, libertários promovem o prazer do esporte longe das competições; nas associações culturais, um vento libertário sopra às vezes em lugares onde não se esperava.

Há mil e uma maneiras de dar vida à Ideia. Inúmeras experiências de SCOP [Sociedade Cooperativa e de Produção, um modelo de empresa democrática, NDT], de retomada do controle dos meios de produção, estão se ampliando. Não é preciso esperar pelo Grande Dia e muito menos pelos políticos, que sabemos que mais cedo ou mais tarde trairão. Vimos desfilar a esquerda plural no Primeiro de Maio de 2025 em Dunkerque para ressuscitar a ideia da nacionalização da ArcelorMittal, o que permitiria salvar os empregos e o aço francês. É novamente o país da fantasia. Por que essa esquerda política deixou fechar os altos fornos de Florange quando estava no poder com Hollande? Porque esses políticos têm facilidade em dizer que “as finanças são nossas inimigas” para captar os votos dos ingênuos, mas não deixa de ser verdade que os líderes da esquerda também são defensores do sistema capitalista. 

Os planos sociais se sucedem e a LVMH, multinacional que registra lucros superiores a 12 bilhões, pagou ao mesmo tempo três bilhões de dividendos ao seu principal acionista, Bernard Arnault, e demitiu 1.200 funcionários da sua subsidiária Moët Hennessy, principalmente por não substituir os funcionários que se aposentaram.

Portanto, os libertários não querem a vergonha nem a desonra de apoiar tal sistema. Se ser anarquista pragmático é votar nesse sistema injusto, não contem conosco para fazer parte dos anarquistas esquerdistas que só querem ficar na cola de políticos em busca de reconhecimento.

Ty Wi (GLJD)

Fonte: https://le-libertaire.net/lanarchisme-pragmatique/

Tradução > Accattone

agência de notícias anarquistas-ana

Maré outonal.
As ondas quebram na areia
Bem devagarinho.

Benedita Silva de Azevedo

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