[França] Congresso da Confederação Camponesa: Consolidar bases e questionar limites

De 15 a 17 de abril de 2025, a cidade de Langres, em Haute-Marne, sediou o 28º congresso da Confederação Camponesa. Realizado poucos meses após as eleições para as Câmaras de Agricultura em janeiro de 2025, o congresso ocorreu em um momento de grandes reajustes sindicais, marcado por uma abstenção recorde e pelo avanço da Coordination Rurale (CR) frente ao bloco majoritário formado pela Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores (FNSEA) e Jovens Agricultores (JA).

Em janeiro de 2025, cerca de 400 mil chefes de exploração agrícola ativos, que compõem o primeiro de cinco colégios eleitorais, foram convocados para eleger seus representantes nas Câmaras de Agricultura departamentais [1]. Essas instâncias estratégicas são ao mesmo tempo órgãos de representação profissional e instrumentos de implementação de políticas agrícolas. As eleições ocorreram em um contexto explosivo: manifestações camponesas em 2024, assinatura do acordo de livre-comércio com o Mercosul, crise do modelo produtivista dominante em meio a desastres ambientais, entre outros fatores que acirraram a polarização entre os sindicatos, oscilando entre o conservadorismo e a vontade de transformação profunda.

Eleições sob pressão

Após as eleições, o bloco FNSEA/JA sofreu um retrocesso histórico, perdendo a maioria em 22 departamentos. Esse resultado questiona diretamente o modelo de cogestão agrícola herdado do pós-guerra, no qual a FNSEA se consolidou como intermediária das políticas públicas e parceira privilegiada do Estado. Essa crise afeta também os interesses consolidados do complexo agroindustrial, liderado por Arnaud Rousseau, presidente da FNSEA e dirigente do grupo Avril. Embora sua dominação comece a ser abalada, seus interesses continuarão a ser defendidos enquanto os mecanismos institucionais permanecerem inalterados.

O resultado mais surpreendente foi o avanço fulminante da CR, que passou de 3 para 14 departamentos em uma única eleição. Fruto de uma cisão com a FNSEA em 1991, esse sindicato se posiciona como oposição de fachada, criticando o sistema vigente enquanto reproduz grande parte de sua lógica. Não oferece ruptura real nem alternativas concretas, e suas ligações comprovadas com a Reunião Nacional o tornam um alvo a ser combatido [2]. A CR se estabeleceu em departamentos do Oeste, onde a agricultura enfrenta crises sucessivas: problemas sanitários na pecuária, substituição da pecuária por monoculturas de cereais em solos pouco produtivos e início de uma crise vitivinícola.

Nesse cenário polarizado, a Confederação Camponesa manteve sua base, com 20,49% dos votos válidos, e conquistou a presidência em quatro Câmaras: Ardèche, Guiana, Córsega e Mayotte (onde as eleições foram adiadas devido ao ciclone Chido). Pela primeira vez, a Conf’ obteve maioria em tantos departamentos. Apesar do resultado positivo diante das adversidades, o sindicato precisa enfrentar questões essenciais para se consolidar como a única alternativa real à FNSEA.

Por um sindicalismo transformador

Transformar a agricultura camponesa em um projeto unificador tornou-se mais complexo em um contexto de lutas de classes no campo cada vez mais intensas. É preciso abandonar a ideia — ainda difundida pela mídia e pelo sindicato majoritário — de uma classe camponesa homogênea e naturalmente solidária. Essa visão ignora a diversidade de práticas, situações sociais e trajetórias profissionais: um jovem que cultiva hortaliças orgânicas em menos de um hectare de terra alugada não vive a mesma realidade que um latifundiário com centenas de hectares e empregados. Acesso à terra, tributação, autonomia, renda, relação com o meio ambiente e com o coletivo — quase tudo os separa. Falar em nome de realidades tão distintas é uma simplificação política, quando não uma fraude.

Para fortalecer sua atuação, a Conf’ apresentou propostas estruturantes, como a criação de uma escola política camponesa popular. Concebida como ferramenta de emancipação, a escola usará métodos de educação popular para formar militantes, politizar debates no campo e difundir os princípios da agricultura camponesa além do círculo sindical. Trata-se de um projeto de autonomização política, que visa capacitar camponeses e camponesas a refletir sobre sua condição e construir alternativas.

Outro destaque foi a moção de solidariedade com as agriculturas dos territórios ultramarinos, denunciando a lógica neocolonial de exploração que ainda as marca. Terras ultramarinas são frequentemente tratadas como meros reservatórios para exportação, ignorando necessidades locais. A moção alerta para a apropriação de terras e o extrativismo agrícola, reforçando a solidariedade sindical com esses camponeses. Na área ecológica, o congresso aprovou por unanimidade uma moção contra a linha de alta velocidade Lyon-Turin, um projeto “inútil, imposto e destrutivo”, símbolo da fuga tecnocrática para frente.

Lugar às camponesas!

Um dos avanços mais significativos do congresso foi a moção proposta pela comissão de Mulheres da Conf’, apoiada por várias seções departamentais. Embora as mulheres representem um terço da força de trabalho agrícola, sua presença em instâncias sindicais e decisórias ainda é marginal. A moção aprovada prevê um plano de combate às violências sexistas e sexuais (VSS): formações sistemáticas para mandatárias, protocolo claro para lidar com casos de VSS, orçamento dedicado à prevenção e criação de uma rede de apoio. O apoio à comissão de Mulheres reflete uma conscientização coletiva e o compromisso do sindicato com a igualdade real, tanto internamente quanto em suas reivindicações.

Uma data de homenagem

O encerramento do congresso em 17 de abril não foi por acaso. A data marca o Dia Internacional das Lutas Camponesas, em memória do massacre de 19 sem-terra no Brasil em 1996. A Conf’ também reafirmou sua solidariedade com o povo palestino, especialmente seus camponeses, último bastião contra a fome sistêmica imposta pelo Estado genocida israelense.

O dia 17 foi ainda um momento de memória e emoção, um mês após o assassinato de Pierre Alessandri, camponês e secretário-geral da Via Campagnola, sindicato corso aliado da Conf’. Laurence Marandola, porta-voz nacional, prestou uma homenagem emocionada a esse militante incansável, defensor da agricultura camponesa, da terra e da dignidade dos povos. Ela denunciou o silêncio cúmplice de políticos e representantes do Estado e reafirmou que a Conf’ permanecerá vigilante ao lado da Via Campagnola até que a justiça seja feita [3].

Por um campo vivo

Diante de megaprojetos inúteis, desmonte social, grilagem de terras e avanço fascista, é preciso estar ao lado de quem trabalha a terra para alimentar a população com dignidade. A UCL, como todo nosso campo social, tem a responsabilidade de apoiar firmemente os camponeses em luta, seja nas manifestações ou nas campanhas. Porque o que está em jogo é nosso futuro comum: um campo vivo, uma relação emancipada com a terra e um mundo livre da exploração.

Lysandre (UCL Vosges)

Notas:

[1] Les résultats des élections 2025 aux Chambres d’agriculture par département et par collège sont consultables sur Chambres-agriculture.fr.

[2] «La Coordination rurale, un syndicat à l’extrême droite du monde agricole», 4 février 2025, Street press.

[3] «Assassinat de Pierre Alessandri: La violence au service de l’agro-industrie», Alternative libertaire n° 359, avril 2025.

Fonte: https://unioncommunistelibertaire.org/?Congres-de-la-Confederation-paysanne-Consolider-ses-bases-interroger-ses

Tradução > Liberto

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