
O aniversário de Piotr Kropotkin no calendário moderno cai no solstício de inverno, em 21 de dezembro de 1842 (Wikipedia, como ocorre com muitas coisas, não reconhece que o 9 de dezembro é o aniversário de Kropotkin segundo o antigo calendário russo). A cada ano por estas datas gosto de publicar algo de Kropotkin, às vezes com temática natalina. Assim que este ano apresento este extrato de Memórias de um revolucionário, de Kropotkin, onde descreve como lia os contos natalinos de Charles Dickens enquanto estava encarcerado na Rússia em 1874.
Robert Graham
Quando se inteirou de minha detenção, meu irmão, Alexander deixou tudo imediatamente, o trabalho de sua vida, a própria liberdade, tão necessária para ele como o ar livre para um pássaro, e regressou a São Petersburgo, uma cidade que detestava, só para ajudar-me durante meu encarceramento.
A ambos nos afetou muito esta entrevista. Meu irmão estava muito emocionado. Odiava ver os uniformes azuis dos gendarmes, esses carrascos de todo pensamento independente na Rússia, e expressou seus sentimentos com franqueza em sua presença. Enquanto a mim, vê-lo em São Petersburgo me encheu dos mais sombrios temores. Alegrou-me ver seu rosto honesto, seus olhos cheios de amor, e ouvir que os veria uma vez ao mês; e, no entanto, desejava que estivesse a centenas de quilômetros daquele lugar ao qual havia chegado livre aquele dia, mas ao qual inevitavelmente o levariam alguma noite escoltado por gendarmes. «Por que veio à cova do leão? Volte em seguida!», gritava todo meu ser interior; e no entanto, sabia que ficaria enquanto eu estivesse na prisão.
Ele compreendia melhor que ninguém que a inatividade me mataria, e já havia solicitado permissão para que pudesse voltar ao trabalho. A Sociedade Geográfica queria que terminasse meu livro sobre o período glacial, e meu irmão movimentou todo o mundo científico de São Petersburgo para que apoiasse sua solicitação. A Academia de Ciências se interessou pelo assunto e, finalmente, dois ou três meses depois de meu encarceramento, o governador entrou em minha cela e me anunciou que o imperador me permitia terminar meu informe para a Sociedade Geográfica e que me proporcionaria pena e tinta para tal fim. «Só até o pôr do sol», acrescentou. Em São Petersburgo, o pôr do sol é às três da tarde no inverno, mas isso não se podia evitar. «Até o pôr do sol» foram as palavras que utilizou Alejandro II quando concedeu a permissão.
Assim que podia trabalhar!
Agora me custa expressar o imenso alívio que senti ao poder voltar a escrever. Havia aceitado viver só de pão e água, na cela mais úmida, contanto que me deixassem trabalhar.
No entanto, eu era o único prisioneiro que permitiam ter material de escrita. Vários de meus companheiros passaram três anos ou mais reclusos antes que acontecesse o famoso julgamento de «os cento e noventa e três», e a única coisa que tinham era uma lousa. Claro, inclusive a lousa era bem vinda naquela lúgubre solidão, e a utilizavam para escrever exercícios nos idiomas que estavam aprendendo ou para resolver problemas matemáticos; mas o que se anotava na lousa só durava umas poucas horas.
Minha vida na prisão adquiriu então um caráter mais regular. Tinha um motivo imediato para o qual viver. Às nove da manhã já havia dado minhas primeiras trezentas voltas pela cela e esperava que me trouxessem meus lápis e canetas. O trabalho que havia preparado para a Sociedade Geográfica continha, além de um informe sobre minhas explorações na Finlândia, uma discussão sobre as bases nas quais devia sustentar-se a hipótese glacial. Agora, sabendo que tinha muito tempo pela frente, decidi reescrever e ampliar essa parte de meu trabalho. A Academia de Ciências pôs a minha disposição sua admirável biblioteca, e um canto da minha cela logo se encheu de livros e mapas, incluindo todas as publicações do Serviço Geológico Sueco, uma coleção quase completa de informes de todos as viagens ao ártico e séries completas da Revista Trimestral da Sociedade Geológica de Londres. Meu livro cresceu na fortaleza até alcançar o tamanho de dois grandes volumes. O primeiro deles foi impresso por meu irmão e Polakóff (nas Memórias da Sociedade Geográfica), enquanto que o segundo, ainda sem terminar, permaneceu em mãos da Terceira Seção quando fugi. O manuscrito não foi encontrado até 1895 e entregue à Sociedade Geográfica Russa, que o enviou a Londres.
Às cinco da tarde, às três no inverno, assim que traziam a pequena lâmpada, me tiravam os lápis e canetas e tinha que deixar de trabalhar. Então costumava ler, sobretudo livros de história. As gerações de presos políticos que haviam estado reclusos na fortaleza haviam criado uma biblioteca bastante completa. Permitiram-me acrescentar à biblioteca várias obras fundamentais sobre a história da Rússia e, com os livros que me traziam meus familiares, pude ler quase todas as obras e coleções de atos e documentos relacionados com o período moscovita da história da Rússia. Desfrutava lendo não só os anais russos, especialmente os admiráveis anais da república democrática medieval de Pskov, talvez os melhores da Europa no que respeita à história desse tipo de cidades medievais, mas também todo tipo de documentos áridos e inclusive as Vidas dos santos, que em ocasiões contêm dados da vida real das massas que não se pode encontrar em nenhum outro lugar. Durante esse tempo também li um grande número de novelas e inclusive me preparei um presente para a véspera de Natal. Meus familiares conseguiram enviar-me as histórias natalinas de Dickens e passei as festas rindo e chorando com essas belas criações do grande novelista.
Fonte: https://theanarchistlibrary.org/library/petr-kropotkin-christmas-in-prison
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
Regato tranquilo:
uma libélula chega
e mergulha os pés.
Anibal Beça
não...
Força aos compas da UAF! Com certeza vou apoiar. e convido aos demais compa tbm a fortalecer!
Não entendi uma coisa: hoje ele tá preso?
Vlw Ana, por sempre atualizar quem fala portugues sobre as movidas gregas!
E em breve quando se iniciar outro ciclo eleitoral (2026) supostos anarcos que nada fazem dirão que o único caminho…