[Reino Unido] Relembrando Joe Hill

O lendário compositor e membro da IWW, executado 110 anos atrás, foi celebrado mundialmente por sua resiliência e seu humor

Owen Clayton ~

Joseph Emanuel Hägglund, mais tarde conhecido como Hill, nasceu em 1879 na Suécia. Depois de seu pai ter morrido, quando ele ainda era criança, ele foi criado em meio a dificuldades. Sem treinamento formal, ele herdou dos pais um amor pela música – seu pai tocava órgão e sua mãe era uma cantora talentosa. Conforme foi crescendo, Hill foi afiando suas habilidades musicais e líricas criando músicas de paródia, algo que acabaria o tornando famoso. Seu talento também se estendia aos quadrinhos, um meio de comunicação popular dentre a classe trabalhadora.

Hill se mudou para os Estados Unidos em 1902. As evidências sobre o que ele fez pelos próximos 5 anos são controversas, mas provavelmente ele ia rodando o país como um trabalhador temporário, situação de trabalho também chamada na época de “hobo”. Esses trabalhadores se deslocavam ilegalmente, pegando carona em trens de carga, trabalhando nas minas, nos moinhos, assentando trilhos de trem, e em geral construindo o Oeste capitalista estadunidense. Sabemos que Hill estava em San Francisco durante o terremoto de 1906, porque ele escreveu sobre isso para o jornal da sua cidade natal.

Em 1908 ele estava em Portland, onde se uniu ao Industrial Workers of the World (a IWW, ou os “wobblies”), o único sindicato que não excluía pessoas por etnia e que também tentava organizar todos os trabalhadores, ao invés de apenas aqueles em cargos “qualificados” (os cargos de ofício da época). Os wobblies acreditavam que se todos os trabalhadores estivessem em “Um Grande Sindicato”, isso poderia levar a uma greve geral, e, a partir daí, à tomada dos meios de produção. Eles evitavam política partidária e a via eleitoral, em prol de uma postura revolucionária, o que fez deles o inimigo público número 1 no que ficaria conhecido mais tarde como o “Primeiro Terror Vermelho” dos Estados Unidos.

Hill participou da famosa luta por liberdade de expressão em Spokane, Washington, nos anos de 1909 e 1910. Foi uma luta contra uma retirada de direitos de livre associação e expressão. A IWW chamou centenas de ativistas para ir a Spokane com a deliberada intenção de serem presos por falar em público. As cadeias de Spokane ficaram logo cheias de wobblies incontroláveis, o que desesperou um governador, que não conseguia fazê-los parar de cantar. O custo ao Estado foi astronômico, e então os prisioneiros eventualmente foram soltos e o banimento à liberdade de associação e expressão foi revogado – um evento que ecoa atualmente nas prisões em massa da Palestine Action.

Por essa época, Hill e camaradas wobblies começaram a usar música de rua para combater as bandas do Exército da Salvação que deliberadamente tentavam abafar oradores da IWW. Foi um momento crucial para a IWW, que depois ficou conhecida como um “sindicato que canta”: lançando edições regulares de seu Little Red Songbook (Livrinho Vermelho de Canções), também conhecido como “música para atiçar as chamas do descontentamento”.

Hill embarcou numa onda prolífica de composições. Sua música mais famosa é “The Preacher and the Slave” (também conhecida como “Long Haired Preachers”), que critica o “Exército da Inanição” por prometer uma “torta no céu” (“pie in the sky”, uma frase que Hill inventou) ao invés de dar ajuda mais imediata. Assim como ele fez na Suécia, Hill frequentemente usava melodias religiosas ou populares, em parte porque suas músicas muitas vezes eram paródias, mas também porque isso deixava as músicas mais fáceis de aprender.

Hill disse que “se uma pessoa conseguir colocar alguns fatos frios, de senso comum, numa música, e vesti-los com um manto de humor… ela terá sucesso em atingir um grande número de trabalhadores”. E sua música era imensamente popular: de 12 músicas da edição de 1913 do Little Red Songbook, 10 eram de Hill. Valorizando sua música como uma forma de propaganda, a IWW o enviou a um local de greve no Canadá para que ele pudesse escrever uma nova música por lá.

Hill acreditava na importância de alcançar mulheres trabalhadoras, que eram, ele escrevia, “mais exploradas que os homens”. Ele escreveu uma de suas músicas mais famosas, “The Rebel Girl”, em homenagem a organizadoras wobbly como Elizabeth Gurley Flynn (o nome “Rebel Girl” é provavelmente um trocadilho com “Gurley”), Katie Farr, e Anges Thecla Fair. Ele também escreveu cartas argumentando que os wobblies passavam tanto tempo organizando homens trabalhadores que eles acabavam negligenciando a organização de mulheres. Não é necessário dizer que, ao fazer esses argumentos, ele estava bem à frente de seu tempo.

Em 1911, Hill manifestou seus sentimentos revolucionários de um jeito mais prático. Com vários outros wobblies, ele se juntou à Revolução Mexicana, que depôs com sucesso o Porfirio Diaz, ditador apoiado pelos EUA. A revolução logo foi traída, como acontece frequentemente, por seus temporários aliados Liberais: uma vez que Diaz saiu do poder, eles voltaram o exército mexicano contra os rebeldes. Hill teve sorte não apenas por escapar com vida, mas também por poder retornar com sucesso aos Estados Unidos.

Entretanto, em 1913, sua sorte acabou. Como é sabido, ele levou um tiro no que ele alegava ter sido uma discussão por uma mulher na mesma noite que um vendedor e seu filho foram assassinados. A evidência era extremamente frágil, mas o juiz do julgamento de Hill, Morris L. Ritchie, era tão tendencioso, que Hill foi considerado culpado pelos assassinatos e condenado à morte. A IWW lançou uma campanha pública em massa sobre seu julgamento injusto, embora Hill tivesse expressado receio de se tornar um mártir, ou um “Jesus de Lata”, como ele sarcasticamente dizia. Quando a hora finalmente chegou, ele foi estoico e bastante irônico: segundo relatos, ele deu ao pelotão de fuzilamento a ordem para atirar.

Logo antes da sua execução, ele rascunhou um poema chamado “The Last Will of Joe Hill”, que proclama que seu testamento é fácil de ditar, por ele não ter nada a dividir; e que sua família não precisa chorar, porque pedras que rolam não juntam musgo. O poema também expressa um desejo de ser cremado, o que a IWW honrou. Suas cinzas foram divididas em seiscentos envelopes e enviados ao redor do mundo, para que uma parte de Joe Hill pudesse inspirar futuras gerações. Em uma de suas cartas finais mais famosas, Hill disse ao líder da IWW “Big” Bill Haywood: “Não percam nem um segundo em luto – organizem”. Mas, na verdade, parece mais apropriado fazer os dois.

A influência de Hill só aumentou depois de sua morte. Isso se deu em parte à popular música-poema de 1936 “Joe Hill” por Alfred Hayes e Earl Robinson, em que Joe volta em um sonho, que diz que ele “nunca morreu”, e diz que ele está presente “Em toda mina e moinho/Onde trabalhadores fazem greve e se organizam/Lá você encontrará Joe Hill”. Músicos como Joan Baez, Tom Morello, Billy Bragg e a estrela de hiphop finlandesa Paleface citaram Hill como inspiração. Seu nome até foi tomado em homenagem pelo escritor de terror Joseph Hillstrom King, o filho de Stephen King (que escolheu dar ao filho o nome “Hillstrom”). E, principalmente, suas músicas ainda são cantadas em marchas e em linhas de piquete ao redor do mundo, em que trabalhadores e ativistas buscam concretizar a promessa de um mundo melhor por Joe Hill.

Imagem: Joe Hill, ‘Oh You Hoboing’ [tradução pro português: Ah, Você Sendo Hobo], enviado para Charles Rudberg por carta, em 2 de setembro de 1911

Fonte: https://freedomnews.org.uk/2025/11/19/remembering-joe-hill/ 

Tradução > Caio Forne

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