Indócil, o romance rebelde de Laura Gómez Ortiz: feminismo, anarquismo e lutas sociais em Buenos Aires

Por Josep Masanés | 03/10/2025

Indócil. Laura Gómez Ortiz. Editorial Barrett

Indócil, de Laura Gómez Ortiz (Bogotá, 1986) é uma incursão na literatura social e experimental. Após sua estreia com um livro de contos e um diário no qual relata seu retorno à Colômbia depois de morar por alguns anos na Argentina, Gómez Ortiz situa seu primeiro romance na turbulenta Buenos Aires de 1907, onde a greve de inquilinos (ou “greve das vassouras”) serve como pano de fundo para uma história de resistência. A obra narra o desafio de um grupo de mulheres anarquistas que decide parar de pagar o aluguel, mas o faz a partir de uma perspectiva formal arriscada: a voz principal da história é a da casa em que os personagens vivem.

A história é estruturada por meio de pequenos monólogos e uma prosa poética e bela que flui com facilidade. A história concentra-se inicialmente em duas protagonistas, as imigrantes ucranianas Vira e Olena, inquilinas da casa. Elas encarnam um mundo feminino, triste e torturado, confrontado com o mundo masculino, representado pelo proprietário, o médico Demetrio Núñez Ortega, um homem que aparece como selvagem, ímpio e maligno. A dicotomia é brutal: a classe operária e a imigração, representadas por essas mulheres que se sentem furiosas, irritadas e perdidas, são vítimas de um sistema incapaz de aliviar seu sofrimento.

O romance é um texto hiperbólico, carregado de excessos verbais e emocionais. Os personagens, que frequentemente parecem extremistas ideológicos, se expressam por meio de frases lapidares que se acumulam sem conjunções, criando um efeito de adjetivação e substantivação muito floreada. O romance se torna uma grande fonte surrealista e barroca, um mundo estranho, poético e uterino. O elemento onírico e a atmosfera líquida e amniótica reforçam uma sensação claustrofóbica e explosiva.

O coração do romance reside em seus múltiplos narradores, destacando-se pela extensão e importância a casa rebelde e indócil. Este espaço não é apenas uma testemunha, mas um pequeno deus, poderoso, sábio e forte, a quem ninguém pode vencer. A casa não apenas narra, mas age: estoura os canos para forçar a saída dos proprietários, permitindo que fiquem no comando as empregadas domésticas, que enchem o lugar de “gente de má vida”. A casa vive as mudanças em seu interior como um ser vivo, refletindo a carga política da história: o direito à propriedade, o problema da moradia e da imigração, o feminismo e a violência policial. O romance, que começa com o anarquismo operário, conclui com um salto temporal que nos leva até a figura de Norma Beatriz Gimiel de Pla, ativista dos direitos dos aposentados nos anos 90, fechando um círculo sobre as lutas sociais na Argentina.

Indócil é uma obra ambiciosa que consegue fundir a experimentação formal com as ideias políticas. A multiplicidade de narradores constitui uma grande conquista, no entanto, seu maior triunfo é a criação de um espaço (a casa) que simboliza a capacidade de resistência do movimento operário feminino. Trata-se de um romance que gosta e busca manter o feminino como eixo, entregando um texto corajoso, vibrante e com uma tese política bem definida. Embora a hiperbolização e os excessos emocionais possam ser intensos, são necessários para refletir a raiva e a paixão de seus personagens. Uma leitura fundamental para quem busca uma literatura que, como a casa, se recusa a se submeter ao status quo.

Aqui deixo um vídeo explicativo sobre A Greve das Vassouras:

https://www.youtube.com/watch?v=-PbFDhKFlWg&embeds_referring_euri=https%3A%2F%2Ffanfan.es%2F&source_ve_path=MjM4NTE

Fonte: https://fanfan.es/indocil-laura-gomez-ortiz-novela-anarquista/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

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