Breve declaração sobre a insurreição na Indonésia e a repressão subsequente

A seguinte declaração do Palang Hitam / ABC Indonésia foi transmitida ao vivo na segunda-feira, 9 de dezembro, entre 11h e 13h (CET), na Rádio Blackout. O nome do programa é “bello come una prigione che brucia” (Bonito como uma prisão em chamas), um programa transmitido há 20 anos contra prisões, repressão, vigilância, tecnologias militares e IA. A Rádio Blackout é uma rádio autônoma (FM em Turim, Itália, e streaming em outros lugares), fundada em 1992 como um projeto comum autogerido por ocupações locais, centros sociais e diversos coletivos e indivíduos (antifascistas, antiautoritários, anticapitalistas, anti muitas coisas, com camaradas de diferentes vertentes do anarquismo e do comunismo).

De agosto ao início de setembro de 2025, a Indonésia foi atingida por manifestações e tumultos desencadeados pela indignação pública diante de políticas governamentais consideradas prejudiciais ao povo. Os principais gatilhos desses protestos foram aumentos drásticos no custo de vida, incluindo os preços dos alimentos e os custos da educação, bem como demissões em massa que afetaram muitos trabalhadores. Além disso, aumentos nos impostos sobre terras e edificações, impostos por governos locais em decorrência de cortes de financiamento do governo central, agravaram ainda mais a situação. A frustração pública atingiu o auge quando surgiram propostas para aumentar os auxílios e salários dos membros da Câmara dos Representantes (DPR), o que pareceu ignorar o sofrimento da população.

Inicialmente, a indignação pública se manifestou apenas nas redes sociais, com apelos pela dissolução da Câmara dos Representantes. No entanto, a resposta de membros da Câmara, especialmente Ahmad Sahroni, que chamou os críticos de “as pessoas mais estúpidas do mundo”, apenas piorou a situação. Em 25 de agosto, a raiva explodiu na forma de uma grande manifestação em frente ao prédio da Câmara dos Representantes, que terminou em caos, com confrontos entre manifestantes e a polícia.

Essa primeira manifestação contou com a participação de diversos setores da sociedade, como motoristas de aplicativos de mototáxi, estudantes de escolas técnicas e membros do público em geral não vinculados a nenhuma organização específica. Embora os cartazes produzidos por eles tenham sido ridicularizados por alguns ativistas pró-democracia por serem mal elaborados e, portanto, supostamente “feitos por agentes de inteligência”, os protestos continuaram. Suas reivindicações se concentravam na eliminação dos auxílios aos membros da Câmara dos Representantes, considerados excessivamente dispendiosos, na aprovação do Projeto de Lei de Confisco de Ativos e na rejeição de uma série de outros projetos de lei controversos.

Nos dias 26 e 27 de agosto, as manifestações continuaram, apesar da diminuição do número de participantes. Muitos estudantes passaram a realizar debates abertos, indicando que a questão da Câmara dos Representantes estava ganhando atenção pública. No entanto, novos tumultos eclodiram em 28 de agosto, quando manifestações trabalhistas em várias grandes cidades exigiram aumento do salário mínimo, a abolição do sistema de terceirização e mudanças na Lei do Trabalho. Em Jacarta, os protestos trabalhistas em frente ao prédio da Câmara dos Representantes e ao Palácio do Estado terminaram em confrontos, que se intensificaram após a morte de um motorista de mototáxi por aplicativo chamado Affan Kurniawan, atingido por um veículo blindado da polícia em Pejompongan, Jacarta Central. O incidente foi registrado em vídeo e viralizou, provocando ainda mais indignação.

Desde o início de 29 de agosto, motoristas de mototáxi por aplicativo se reuniram na sede da Brigada Móvel de Kwitang, exigindo justiça pela morte de Affan e responsabilização da polícia pela violência contra os manifestantes. A multidão cresceu, com a adesão de estudantes, e a manifestação se deslocou para delegacias de polícia e prédios governamentais. No entanto, apesar das negociações, o público ficou insatisfeito com os resultados, e novos tumultos eclodiram, paralisando o transporte público e levando ao fechamento de várias estações.

Os tumultos se espalharam para diversas grandes cidades fora de Jacarta. Houve outros 34 focos de conflito fora da capital, onde instalações públicas, delegacias de polícia e prédios de conselhos locais foram incendiados pela multidão. Nos dias 30 e 31 de agosto, as tensões se intensificaram após a revelação de que vários membros da Câmara dos Representantes, incluindo Ahmad Sahroni, estavam no exterior. Essa notícia alimentou ainda mais a raiva popular, levando à invasão das casas de Sahroni e de vários outros membros da Câmara, bem como de autoridades governamentais como a ministra das Finanças, Sri Mulyani. Suas residências foram saqueadas por uma multidão que já não conseguia conter sua fúria.

Naquela noite, houve queda de energia nas imediações da sede da Brigada Móvel, e as forças policiais mobilizadas para controlar os distúrbios utilizaram gás lacrimogêneo e disparos de arma de fogo para dispersar a multidão. As forças armadas e a polícia realizaram operações de varredura em diversas áreas para reprimir os envolvidos nos tumultos. Essa repressão continuou nos dias seguintes, elevando as tensões em toda a Indonésia. O governo indonésio passou a rotular os manifestantes com acusações que iam de terrorismo a traição. Em vez de atender às reivindicações apresentadas durante as manifestações, o governo respondeu com repressão contínua e um recuo no processo de democratização.

Essa revolta popular foi essencialmente impulsionada por pessoas comuns, em particular estudantes do ensino médio, desempregados e a comunidade de mototáxis por aplicativo, forças que haviam sido subestimadas e consideradas “politicamente inconscientes” por ativistas de classe média e pela maioria da esquerda. Esses rebeldes não são pessoas que agem a partir da leitura de livros marxistas ou anarquistas. Eles estão nas ruas porque as informações que circulam nas redes sociais provocaram sua raiva; uma raiva que, em seguida, é moderada pela classe média que grita “não destruam equipamentos públicos”, “não sejam anarquistas”, “não se deixem provocar” e, por fim, formula uma série de demandas longas e prolixas chamadas “17+8”, em 1º de setembro, apenas para apagar o fogo e a indignação (as demandas “17+8”, que nunca foram concretizadas até hoje). É verdade que a multidão ainda carece de inteligência prática. Mas, evidentemente, isso não é culpa dela. Trata-se de pessoas que sempre foram sacrificadas pelo Estado e até mesmo pelas elites da oposição que se autodenominam “revolucionárias”, cresceram com a compreensão de que a raiva precisa encontrar uma válvula de escape.

Então, quando os incêndios cessaram em todos os lugares, quando governantes e elites políticas se desculparam publicamente, ninguém pôde dizer com certeza como tudo havia começado. Houve muita articulação, discussão, criação de redes entre diferentes ideologias, campanhas políticas etc.; mas o que aconteceu em agosto de 2025 foi um festival de insurreição que ninguém poderia ter previsto. Mesmo quando as manifestações começaram, até a morte de Affan Kurniawan como ponto de ebulição da raiva pública, esses protestos ainda eram vistos como “manifestações encenadas” em benefício dos que detêm o poder, o que, ironicamente, foi amplamente promovido pela maioria dos ativistas pró-democracia de classe média e seus seguidores.

Agora, após os tumultos, a polícia prendeu muitas pessoas, incluindo anarquistas egoístas/niilistas, mas a maioria delas são vítimas de prisões arbitrárias que sequer participaram das manifestações. Elas são acusadas de serem mentores, provocadores, atores intelectuais e rotuladas como “grupos de estrelas do caos”. Enquanto isso, membros da DPR como Ahmad Sahroni, que desencadearam a indignação pública, permanecem em seus cargos e não foram destituídos. Recentemente, a DPR aprovou uma revisão do Código de Processo Penal que permite à polícia prender pessoas sem provas e realizar escutas telefônicas secretas, bem como gravar e adulterar dispositivos digitais.

Palang Hitam / ABC Indonésia

Fonte: https://darknights.noblogs.org/post/2025/12/08/brief-statement-about-the-insurrection-in-indonesia-and-the-subsequent-repression/

Tradução > Contrafatual

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agência de notícias anarquistas-ana

O jantar chique: máscaras
de prata sobre a podridão
do lucro fácil.

Liberto Herrera

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