
Anarquismo e educação tornou-se um pequeno clássico da literatura pedagógica de caráter ácrata. Que motivações te levaram a escrever o livro na época?
O livro foi fruto de uma pesquisa pessoal que iniciei na minha época de estudante na Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Sevilha, no final da década de 1990. A busca por modelos pedagógicos alternativos me levou, junto a um grupo de colegas, a convidar professores ativistas da época, e até criamos um Seminário de Pedagogia Libertária que funcionou por uns 3 ou 4 anos. Nossa principal referência era a Escola Paideia, em Mérida, mas também Summerhill e o legado de Paulo Freire.
Ao concluir a graduação, propus-me a fazer uma tese de doutorado nesse campo; cheguei a apresentar a dissertação (que foi o texto-base do livro), mas nunca concluí a tese — embora o aprendizado e a pesquisa tenham sido enormes.
O resultado foi um texto simples e organizado (segundo me dizem), que teve sucesso em sua difusão graças ao trabalho editorial da Fundação Anselmo Lorenzo.
O livro se tornou uma porta de entrada para debates sobre modelos pedagógicos para muitas pessoas interessadas no tema. Considerando tua experiência como autor, acreditas que as editoras do meio libertário podem contribuir para ampliar esses debates além dos círculos militantes interessados na questão?
Acredito que sim, que nossas editoras podem se conectar com esse campo de debate, embora isso possa ser difícil, já que normalmente não se movem nesse ambiente. As libertárias perderam conexão com o mundo estudantil e acadêmico, e ainda mais com as profissionais da educação.
As experiências de educação libertária diminuíram muito; pouquíssimas sobrevivem, e nem mesmo as teorias anarquistas da educação inspiram educadores e educadoras.
Seria necessário repensar como recomeçar um trabalho de difusão e diálogo com os setores sensíveis a essas questões — setores que talvez hoje estejam mais atentos a propostas amplas de pedagogia antifascista, mas que quase esqueceram o discurso libertário.
Já se passou muito tempo desde a publicação, mas os debates sobre pedagogias alternativas continuam despertando interesse entre docentes e militantes da esquerda política e sindical. Achas que o debate sobre os modelos de escola ganhou mais vigor nos últimos anos?
Acredito que não, ou pelo menos não tanto em nosso contexto. A maioria dos docentes e professores mal questiona o modelo escolar; talvez o debate tenha ficado restrito à dicotomia público–privado, que ganhou força com o movimento “Marea Verde”, mas em geral não se vai além disso.
Talvez na América Latina esse debate esteja mais vivo, com o peso da chamada Educação Popular; porém, na Europa, com um sistema estatal bastante consolidado e acomodado, também se gerou uma acomodação entre os profissionais e a esquerda — que, insisto, luta pela Escola Pública, mas raramente se aprofunda em outros aspectos.
Por outro lado, observo grande interesse por questões metodológicas (aprendizagens ativas, etc.) e por áreas como a educação emocional — mas muitas vezes descontextualizadas de fatores como classe social e contexto cultural.
Será que nossos jovens dos bairros operários periféricos podem realmente praticar “coaching emocional” com base na psicologia norte-americana? Ou suas emoções — e, sobretudo, sua expressão — não teriam direito de ser diferentes e de se desenvolver com aceitação nas escolas?
Considerando as óbvias dificuldades para generalizar a prática da pedagogia libertária em uma sociedade capitalista como a atual, qual é o papel que atribuis aos sindicatos, ateneus e outros espaços de cultura libertária na construção de uma alternativa formativa de caráter contra-hegemônico?
O papel continua sendo fundamental — ainda mais diante da emergência social —, pois a dissolução dos espaços comunitários se acelerou muito. É vital que nossos “redutos” de luta continuem tendo projetos educativos que proponham nos “deseducar” de tantas coisas que deturparam nossa essência livre e comunalista.
Se na escola convencional não aprendemos outras coisas e de outras formas — e se nela tampouco se trabalha minimamente a capacidade crítica —, só nos restam os momentos de convivência e luta no sindicato, no ateneu, no centro social etc.
São espaços nos quais ainda podemos contar com garantias mínimas de autonomia, independência e autogestão — e isso é vital para desenvolver projetos de educação anarquista.
Sabemos que os debates pedagógicos raramente penetram entre as famílias das classes populares. Que maneiras te ocorrem para suscitar esses debates entre as famílias da classe trabalhadora?
Uff, aí o trabalho é árduo. Submersas no esforço pela sobrevivência, poucas famílias têm serenidade para refletir sobre que tipo de educação querem para seus filhos e filhas.
Penso que, voltando à questão anterior, os sindicatos e centros culturais poderiam criar espaços de encontro e debate onde se possa conversar com calma sobre o modelo educativo de que precisamos.
Porque evidentemente não basta estender a escolarização às classes populares — precisamos de uma educação útil (funcional à classe trabalhadora), que nos permita alcançar autonomia e caminhar para uma maior justiça social.
Nesse sentido, o debate sobre a Escola Pública é positivo, mas devemos ir além: discutir também a qualidade (os “bons” estudos continuam sendo acessíveis apenas aos ricos) e as possibilidades de autogestão nos contextos escolares.
Tu és docente e, nos últimos anos, tens visto como as administrações vêm deteriorando a escola pública de forma gradual. Sabemos que é uma pergunta ampla, mas gostaríamos de saber tua opinião sobre o papel que a escola pública deve desempenhar em sociedades ameaçadas pelas consequências da mudança climática.
Se considerarmos a escola pública tal como o Poder atual a concebe, ela já cumpre sua função. Trata-se, na verdade, de uma escola estatal, que “acolhe” as crianças e as prepara lentamente para posições subalternas no mundo produtivo (para as posições hegemônicas já existem a escola particular e a conveniada). E faz isso com cada vez menos investimento e mais desânimo.
Agora, se a considerarmos a partir de nosso ponto de vista, a escola pública deveria centrar-se numa ação educativa que sensibilize para outro tipo de relação socioeconômica, distante do extrativismo capitalista — em geral, uma educação “verde”.
Os anos de escolarização são decisivos para que nossas crianças desenvolvam essa sensibilidade ecológica e de reconexão com os ciclos da Terra.
Por fim, podes recomendar três livros que consideres imprescindíveis para se aproximar dos debates sobre pedagogias alternativas?
Para começar, não podemos esquecer um clássico: Tina Tomassi, Breviario del pensamiento educativo libertario (Nossa y Jara editores, 1988), que esclarece as ideias e situa muito bem o contexto histórico da elaboração gradual das propostas educativas anarquistas, fortemente vinculadas ao pensamento dos teóricos do anarquismo do fim do século XIX.
Outro clássico é Jesús Palacios, La cuestión escolar (Laia, 1989), uma obra muito completa sobre as transformações educacionais ao longo da história, recorrendo aos seus textos fundamentais de referência. Tanto este livro quanto o anterior podem parecer um pouco “antigos”, mas nos oferecem uma visão trans-histórica essencial para entender que o que temos hoje é fruto de grandes esforços coletivos e de contribuições maravilhosas que foram aceitas e generalizadas.
E, por último, algo mais atual: Enrique Javier Díez Gutiérrez, Pedagogía antifascista (Octaedro, 2024), que, embora se situe em parâmetros marxistas, oferece diretrizes imprescindíveis para resistir, desde a escola, à generalização da agenda reacionária.
Anarquismo e educação. A proposta sociopolítica da pedagogia libertária foi escrito por Francisco Cuevas Noa e reeditado pela Fundação Anselmo Lorenzo em 2024.
Fonte: https://fal.cnt.es/entrevista-a-jose-cuevas-noa-autor-de-anarquismo-y-educacion/
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
velho haicai
séculos depois
o mesmo frescor
Alexandre Brito
Anônimo, não só isso. Acredito que serve também para aqueles que usam os movimentos sociais no ES para capturar almas…
Esse texto é uma paulada nos ongueiros de plantão!
não...
Força aos compas da UAF! Com certeza vou apoiar. e convido aos demais compa tbm a fortalecer!
Não entendi uma coisa: hoje ele tá preso?