
por Rui Preti
Fifth Estate #417, Inverno de 2025
Uma resenha de Jobs, Jive, & Joy: An Argument for the Utopian Spirit, de Bernard Marszalek (Ztangi Press e Charles H. Kerr, 2024)
“Certamente, enfrentar a catástrofe climática e o colapso da civilização exige uma revolução cultural à altura da devastação diante de nós.” – Bernard Marszalek
Os estresses ambientais, de saúde, sociais, econômicos e políticos das últimas décadas impulsionaram a formação de um número crescente de grupos de ajuda mútua voltados ao compartilhamento de recursos e solidariedade. Especialmente desde o surgimento da pandemia de Covid, muitas pessoas vêm refletindo sobre como mover suas vidas para além dos empregos humilhantes, entediantes e insalubres do mundo atual.
Não é, portanto, surpreendente que cada vez mais pessoas busquem inspiração nos sonhos de sociedades melhores e mais socialmente gratificantes que floresceram em tempos difíceis ao longo dos séculos.
Bernard Marszalek, autor de Jobs, Jive, & Joy, tem uma longa trajetória de exploração e defesa do espírito utópico na vida cotidiana. Participante da insurgência global anarquista/antiautoritária das bases nos anos 1960, ele foi um dos fundadores da Solidarity Bookshop, em Chicago, em 1964. Junto a seus camaradas, lia, compartilhava e discutia com entusiasmo publicações e ideias de anarquistas de várias partes do mundo, bem como dos Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW) e do movimento surrealista.
Como parte dessa exploração, Marszalek colaborou na reedição em inglês de O Direito à Preguiça, de Paul Lafargue, anteriormente publicado em 1907 pela Charles Kerr & Co. Embora Lafargue fosse genro e aliado de Marx durante os debates da Primeira Internacional, nesse livro ele divergia da visão marxiana de que o trabalho seria uma dimensão positiva da não alienação e expressão da essência humana. O Direito à Preguiça ridiculariza com orgulho a ética burguesa moderna do trabalho.
Lafargue escreveu:
“Uma estranha ilusão possui as classes trabalhadoras das nações onde a civilização capitalista exerce seu domínio. Essa ilusão arrasta consigo os males individuais e sociais que, há dois séculos, torturam a triste humanidade. Essa ilusão é o amor ao trabalho: a furiosa paixão pelo trabalho, levada até a exaustão da força vital do indivíduo e de sua descendência.“
Marszalek continuou essa investigação ao longo dos anos. Jobs, Jive, & Joy é um exame ricamente detalhado de parte do pensamento utópico mais significativo dos últimos três séculos. No livro, ele destaca perspectivas alternativas que rejeitam a ética do trabalho e a mercantilização dos seres humanos e de outras criaturas vivas, bem como negam a inevitabilidade das hierarquias e da exploração pelas elites.
Ele explora as diferenças de paradigma que ajudaram a criar as condições culturais e políticas prevalecentes em diferentes sociedades. Por exemplo, o tempo foi compreendido e medido de formas muito distintas em eras passadas e na modernidade. Nas sociedades pré-industriais, o tempo era geralmente entendido em termos da duração das tarefas realizadas por indivíduos ou grupos. Artesãos e camponeses medievais não calculavam horas gastas, mas pensavam em termos de resultados de qualidade adequada.
As épocas do ano não eram medidas em unidades abstratas de tempo, mas marcadas pelas estações, pelas fases da lua e pelos rituais religiosos, sinalizados por sinos, cornetas ou cantos altos.
Na sociedade moderna, o tempo é compreendido em função da exploração monetária do trabalhador e do lucro dos donos da indústria. Foram necessárias várias décadas para que os trabalhadores esquecessem o tempo pré-industrial e internalizassem, ainda que a contragosto, os horários de trabalho impostos pelos empregadores, aceitando-os como justos e vendo o “trabalhar duro” como virtude moral. Essa mudança de paradigma foi o que possibilitou o desenvolvimento da moderna ética do trabalho.
Hoje, está claro que as perspectivas utópicas são as únicas capazes de desafiar de modo abrangente as contradições da sociedade industrial, entre a necessidade do trabalho e o desejo por uma vida prazerosa e plena.
Marszalek entrelaça discussões sobre aspirações e projetos utópicos do passado com experiências de trabalho próprias, de sua mãe e de outras pessoas. Ele ressalta que, embora nenhum exemplo histórico ou contemporâneo ofereça soluções definitivas para os impasses atuais, as situações em que as pessoas têm controle sobre suas próprias atividades são as mais satisfatórias e as que mais favorecem a criatividade.
Ao mergulhar no legado de diversos utopistas, Marszalek incentiva o leitor a refletir sobre quais aspectos ainda podem ser relevantes hoje. Esses utopistas afirmavam a força da imaginação e da criatividade apaixonada das pessoas como forças transformadoras da vida cotidiana.
Por exemplo, Charles Fourier, escrevendo antes das grandes consolidações industriais e agrícolas do século XIX, compreendia que alcançar a liberdade individual e social autêntica exigiria abolir a escravidão econômica e a necessidade de trabalhar para sobreviver. Só então as pessoas poderiam contribuir para o bem comum nas formas em que fossem mais capazes.
Fourier também reconhecia que a experiência e a compreensão do trabalho são moldadas pelo contexto social. O labor útil pode ser gratificante quando quem o realiza é reconhecido e valorizado como contribuinte para o grupo, e quando o trabalho é compreendido como meio para um fim prazeroso. Para ele, as relações entre liberdade, trabalho e prazer precisavam ser entendidas como uma totalidade, firmemente entrelaçadas.
O livro de Marszalek também explora as ideias de William Morris, que enfatizava a relação entre liberdade e trabalho satisfatório. Na segunda metade do século XIX, Morris testemunhou e se opôs à centralização e mecanização da indústria, ao empobrecimento da vida pessoal e à crescente degradação ambiental gerada pela produção diária.
Morris via o capitalismo e o lucro como forças corrosivas da autoexpressão e da cooperação. Argumentava que uma sociedade verdadeiramente livre deveria basear-se na alegria, na criatividade e no respeito mútuo, compartilhando arte e cultivando o equilíbrio com a natureza.
No final do século XIX, alguns progressistas começaram a defender programas estatais de bem-estar social que garantissem as necessidades básicas em troca da aceitação de uma regimentação centralizada e eficiente. Um deles foi Edward Bellamy, autor do popular romance utópico Looking Backward, que idealizava tal sociedade. Morris respondeu com uma crítica direta, escrevendo seu próprio romance utópico, News from Nowhere.
Morris acolhia a mecanização de tarefas tediosas e cansativas, mas ficava horrorizado com a natureza destrutiva da tecnologia moderna e a brutal organização hierárquica da vida que ela engendrava. Recusava-se a aceitar a engenharia mecânica como a expressão máxima da realização humana, e muito menos como razão para abdicar da autonomia.
Hoje, alguns dos piores aspectos do autoritarismo moderno estão empurrando o mundo para o desastre e é preciso convocar os mais altos sentimentos de solidariedade e ajuda mútua para enfrentá-los.
Marszalek examina diversas propostas de solução para o impasse atual, denuncia algumas como engodos e demonstra esperança em outras. No conjunto, o livro presta um serviço valioso ao lembrar a grande variedade de perspectivas utópicas alternativas que rejeitam o autoritarismo e as relações sociais capitalistas.
Como afirma Bernard Marszalek com precisão:
“O ímpeto de superar a miséria da vida cotidiana, para que as expectativas diárias de deleite possam ser vividas, é a base de toda futura atividade social transformadora.“
Rui Preti é amigo de longa data do Fifth Estate e grande defensor do valor do questionamento contínuo dos paradigmas culturais.
Tradução > Contrafatual
agência de notícias anarquistas-ana
Dança da mulher molhada
Ao vento o galho
Orvalho nas pétalas.
Silvia Mera
Anônimo, não só isso. Acredito que serve também para aqueles que usam os movimentos sociais no ES para capturar almas…
Esse texto é uma paulada nos ongueiros de plantão!
não...
Força aos compas da UAF! Com certeza vou apoiar. e convido aos demais compa tbm a fortalecer!
Não entendi uma coisa: hoje ele tá preso?