
Todo projeto anarquista é territorial. Isto no sentido de que é situado, que se planeja sobre um território específico, com sua história, cultura, momento político, condições materiais, relação de forças, etc. Nós, anarquistas, agimos baseando-nos, para a ação, na análise prévia e surgida da prática e do projeto concreto que desejamos realizar em um terreno específico. Seja uma ação em particular, uma sabotagem qualquer, uma ação propagandística ou um jornal virtual, há sempre uma “adaptação territorial” necessária. Assim, as características de cada intervenção dependem das forças próprias, dos princípios e, obviamente, também do contexto e da oportunidade. Neste sentido, a interpretação vinculada ao imaginário desempenha seu papel inevitavelmente.
É certo que muitas vezes a coisa começa por um símbolo; o símbolo costuma ser mais ou menos geral, e quando se aposta em projetos amplos e ambiciosos, mais ainda. As assembleias anarquistas de tal ou qual lugar não tentam impor um signo ideológico a todo o território, mas utilizam conscientemente o nome territorial para mostrar suas intenções projetuais. Isto não é obrigatório, mas tampouco representa algo ruim; ruim (fraco) é agir sem projeto. Uma e outra vez temos falado sobre a importância de uma projeção para uma zona e a necessidade de “fazê-lo bem”. Os projetos propriamente territoriais costumam gerar mais frustrações nos militantes do que ganhos, se realizados pela metade ou como repetição inconsciente. Pensar global e agir local implica um equilíbrio difícil, mas possível. Além disso, toda ação é sempre, de alguma maneira, localizada.
Neste ponto, quero ser muito cauteloso; não creio que haja uma regra, cada companheiro, cada grupo e cada projeto concreto deve definir seus limites e as tensões internas e externas que seu projeto pode assumir. Agora, apenas tento falar de diretrizes gerais. Neste caso, a diretriz é a da necessidade dos símbolos na luta pelo imaginário social. Não apenas para o grupo de companheiros, mas para a sociedade, esvaziada de sentidos coletivos e atomizada por simbologias capitalistas e governamentais. Parto de algo simples: são necessários símbolos, o movimento anarquista deve recuperar a primazia social onde a tinha ou criá-la onde não a tinha. Não há possibilidade de pensar sequer na insurreição, na revolução, sem um imaginário insurrecional ou revolucionário, anarquista, antiautoritário, transformador. Quem não consegue dar nomes, história, materialidade, tensões, às suas ideias, lutará por um fantasma, e ao primeiro sinal de mudança, quando a realidade se mostrar mais complexa, se retirará ou escolherá negá-la. Outra coisa muito diferente é a explosão social, inevitável e imprevisível, talvez, mas todo anarquista sabe que o combate se trava desde antes.
O paradoxo atual do crescimento das ideias antiautoritárias e a perda da rua
Atualmente, desde, pelo menos, a queda do chamado socialismo real, o antiautoritário ganhou muito terreno, sobretudo na academia e no mundo da cultura, mas também nos movimentos sociais. Desde os anos sessenta e setenta, o antiautoritário em sentido amplo (talvez muito amplo) impôs-se nos movimentos sociais, que se tornaram relutantes com mesas executivas ou com a anulação da horizontalidade em prol da antiga postulada “eficácia marxista”. Exemplo disso são os descentralizados movimentos ecologistas e feministas. No entanto, este crescimento, salvo exceções, não se traduz na influência dos grupos ou organizações anarquistas na rua, uma e outra vez arrasados pela recuperação politicista ou pela repressão.
Ao paradoxo anterior – de que, em termos gerais, haja muito mais espaço para as ideias antiautoritárias em certos âmbitos enquanto a influência de rua quase não existe –, devemos somar a expansão de uma revolução autoritária e neoconservadora bombeada a partir das redes capitalistas. A rua é nosso lugar e, como aconteceu outras vezes, as ideias antiautoritárias, se não criarem raízes, logo são arrasadas pelo poder. A luta pelo imaginário é parte do confronto geral de forças contra o capitalismo. As potências da auto-organização, do apoio mútuo e da solidariedade estão aí, mas também precisam circular pela imaginação das pessoas para se instalarem fortalecidas como uma opção quando o imposto se enfraquece. Em definitivo, os símbolos devem ser mantidos, encarnados e fortalecidos pelas práticas concretas. O que em algum momento é apenas imaginário um dia se converte em senso comum, mas para que isso aconteça são necessárias práticas concretas e sua inteligibilidade em símbolos.
Um problema que muitos companheiros têm colocado é o da recuperação pelo reformismo de nossos símbolos. Como se trata de uma relação de forças, muitas vezes isso poderá acontecer, mas também o contrário. Em muitos lugares, Barcelona por exemplo, “o antifa” (que não vem do anarquismo) não tem um signo revolucionário claro, e muitas vezes (embora nem sempre) quando se vê uma bandeira vermelha e preta antifa, quase com certeza se trata de um lugar reformista ou de um partido político de fato. Podem usar o ACAB, o 1312 ou o que seja, mas depois tentam ter, ou já têm, representantes que pactuam com as forças da ordem. No entanto, em Atenas, por exemplo, ainda que possa haver por trás algum grupo mais partidário-político, também o movimento anarquista impulsiona bastante a questão antifascista e seus símbolos, tornando muito mais possível que, se você encontrar uma bandeira vermelha e preta antifa, não haja especuladores políticos por trás. Não há uma essência nos símbolos, não há uma maldição stalinista da frente única ligada à simbologia antifascista, mas sim uma relação de forças concretas que une setores mais ou menos antiautoritários e ideias emancipatórias versus ideias de recuperação. Não é minha ideia recomendar, como já disse, o que cada grupo deve fazer em seu território, apenas refletir acerca da necessidade de símbolos claros atados às práticas.
Tentativas de trabalhar sobre o imaginário social anarquista na sociedade houve muitas nos últimos tempos, sem dúvida. Como anarquistas, nunca marcharemos atrás de uma única cor ou sigla, o que vem de nosso ser refratário. No entanto, acreditamos que se deve tentar, em cada lugar onde for possível, criar pontes para que as pessoas, fora de nossos âmbitos, possam unir signo à prática. No final das contas, signo significa comunicação. Não se trata de agir unidos à força ou mostrar uma falsa ideia de unidade, mas de ampliar a capacidade de influência em tempos de fragmentação criada pelas redes capitalistas. Contrariamente ao que creem vários companheiros, o territorial não deveria necessariamente significar a redução da intervenção anárquica. Estratégica e taticamente seria um erro agir apenas em um local, isso é certo, mas o erro é confundir difusão com atuação ou reduzir intervenção a localismo. A difusão é apenas uma parte da ação e nem toda ação é difusão; sempre se baseia na ética, sim, mas nem sempre se faz com fins de difusão.
Arquipélagos, não ilhas
Diante da necessidade de unir simbolicamente nossas ações à ideia (dizemos simbolicamente pois ação e ideia são a mesma coisa), da necessidade de impulsionar o anárquico como resposta concreta, acessível, e de povoar o imaginário com as práticas reais e possíveis do anarquismo, temos que conseguir transcender nossas redes. Não digo nada que muitos companheiros já não façam, mas quero chegar àqueles que não o consideraram. O erro histórico da organização de síntese, como modo organizativo, talvez, foi querer unir o que era demasiado desigual. Cada tentativa de unir tudo o que não está pronto, ou é antagônico, sempre fracassará. O movimento anarquista deve aprender a lidar com a diversidade, pois a própria ideia anárquica trata da generalização possível das relações sociais não dominadas, portanto, diversas. A união anárquica é voluntária, como nossa ideia de comunidade de luta, mas é preciso conseguir que o diferente se potencialize. Não significa que todos devemos ser amigos, ou nos enquadrarmos numa mesma estratégia, mas sim impulsionar a ideia social por excelência, a anarquia, para além de nossos círculos. O erro histórico da tática da sigla de ataque, talvez, foi assumir a generalização mecânica e não prever ou analisar as diferenças dos territórios de ação, a relação movimento específico e social, repressão, etc.
Outrora, os movimentos anarquistas disputavam o imaginário social com o mundo instituído. Em alguns lugares, os companheiros chegaram a publicar jornais que influenciavam mais do que a mídia burguesa sobre uma população que não havia sido inserida no consumo aparatoso de hoje. O poder foi se adaptando, mudou, obrigado pela luta social, mas o que não mudou foi o domínio que exerce sobre a população e a devastação que provoca sobre o vivo. Propomos, para começar, mudar a atitude de derrota, mesma atitude que se espalhou sobre nossas populações.
Quando analisamos algo, no nosso caso, é para transformá-lo.
R.
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
Borboleta branca
Pousa em minha janela —
Dou-lhe cores vivas
Tony Marques
Anônimo, não só isso. Acredito que serve também para aqueles que usam os movimentos sociais no ES para capturar almas…
Esse texto é uma paulada nos ongueiros de plantão!
não...
Força aos compas da UAF! Com certeza vou apoiar. e convido aos demais compa tbm a fortalecer!
Não entendi uma coisa: hoje ele tá preso?