“Há algo no anarquismo que facilita uma melhor experiência de acordo com os desejos sexuais das pessoas”

A seguir entrevista com Richard Cleminson, autor de Anarquismo e Homossexualidade e Anarquismo e Sexualidade (Espanha, 1900-1930), entre outros livros. Ele é professor da Universidade de Leeds (Inglaterra) e também vice-diretor do Centro Interdisciplinar de Estudos de Gênero. Estudioso das relações, históricas e atuais, entre anarquismo e sexualidade.

Pedro Guirao > Para começar, algo que pode surpreender alguns. Você é o vice-diretor do Centro Interdisciplinar de Estudos de Gênero da Universidade de Leeds. Há quem diga: Estas posições não são normalmente reservadas para as mulheres? Você tem sido criticado por ocupar uma suposta parcela simbólica de poder que seria correspondido a uma mulher?

Richard Cleminson < Não, nem uma coisa nem outra. Os colegas do Centro apóiam pesquisadores sobre questões de gênero e sexualidade de todos os tipos e por uma grande variedade de pessoas. O Centro tem pesquisadores que se definem como mulheres, outros como homens e outros/as ainda como transgêneros. Justamente os objetivos do Centro incluem a investigação em como as divisões entre gêneros, sexos e sexualidades são formados e qual seu impacto sobre a vida contemporânea e entre as pessoas no passado. Mas creio que há certos aspectos de nossas vidas que, por experiência própria, alguns podem comentar com mais precisão. Seria mais difícil, por exemplo, para uma mulher que tem sido heterossexual a sua vida inteira opinar sobre a vida lesbiana ou sobre a discriminação contra lésbicas. No entanto, nem o Centro deseja classificar as pessoas ou calar suas opiniões sobre um tema ou outro. Pelo contrário, o papel do Centro é abrir um espaço onde estas explorações acadêmicas e pessoais possam ter lugar com o mínimo de restrições para um bom funcionamento intelectual e de respeito.

Pedro > Existe alguma afinidade entre anarquismo e a homossexualidade? Ou, dito de outra maneira, carrega consigo, a ideologia anarquista, certas práticas sexuais que, de outra forma, não poderiam surgir em outras organizações sindicais e/ou políticas?

Richard < Não creio que haja necessariamente nenhuma afinidade entre os dois. Penso o seguinte: há algo no anarquismo que facilita uma experiência melhor de acordo com os desejos sexuais das pessoas, sejam quais forem. Por outro lado, creio que as demandas por liberdade sexual devem ser levadas a sério pelas organizações sindicais. Historicamente, até certo ponto, este tem sido o caso; é necessário aprofundar esta parceria no presente.

Pedro > Em seu livro Anarquismo e Sexualidade (Espanha, 1900-1939), nos fala das contradições que alguns médicos anarquistas viam entre o amor livre e as práticas homossexuais, levando a tolerar o que chamavam de homossexualidade congênita, mas não a experimental, ou seja, não aquela que busca provar novas sensações. Esta última acreditava ser uma prática perversa. O que explica tais afirmações? Existem contradições entre a teoria do amor livre e sua prática?

Richard < Creio que esse tipo de declarações se devia ao anarquismo ter uma forte noção do que era “natural” na sexualidade e nas relações humanas em geral. Tendo substituído a igreja e a religião como mediadores nesse processo, muitos anarquistas se apoiaram em certo entendimento da natureza como iluminadora do caminho a seguir na sexualidade. Não vendo a própria homossexualidade na natureza, por exemplo, entre os animais, consideraram que a única expressão correta da sexualidade era a heterossexual. Quanto ao amor livre, não acho que há uma contradição, mas sim uma limitação não justificada em termos da sua maneira de conduzir.

Pedro > Em um de seus escritos, Federica Montseny mostrava seu desagrado em relação àquelas mulheres que pretendiam separar-se do movimento anarquista, criando um grupo específico centrado em questões de gênero. Para ela, a revolução devia libertar conjuntamente ao ser humano. Você já utilizou este mesmo argumento para atacar a homossexualidade dentro do anarquismo?

Richard < Em vez da rejeição da homossexualidade no passado (as coisas, graças a um grande esforço de pessoas de todos os tipos, mudaram), veio das atitudes que sugeri acima. Outra questão é em que medida as organizações específicas – de mulheres, de gays – podem ser uma tática por usar. Do meu ponto de vista, se algumas pessoas sentem a necessidade de fazê-lo, pois bem, mas acho que deve manter laços estreitos com outros ramos do movimento.

Pedro > Você usou em vários escritos a expressão Techno-sexual landscapes  (Cenários Tecno-sexuais). Poderia explicar brevemente em que consiste? Como usá-la ao abordar a questão da homossexualidade?

Richard < Nesse livro de mesmo nome, procuramos ilustrar como a sexualidade pode estar relacionada com o mundo material, focando, por exemplo, nos moinhos de vento como sítios de troca de idéias, técnicas, discussões e, por que não, relações. Outro cenário que investigamos foram as estações e os trens. Não devemos nos estender muito sobre os vínculos entre amor e os trens no filme Brief Encounter (Encontro Breve), por exemplo. Mas é menos sabido que certos vagões de trem ou estações de metrô eram sido usados, principalmente, por homens que procuram outros homens. Na Espanha, é claro, sob o franquismo, um dos cenários onde ocorriam estes contatos, bem como em igrejas, era nos banheiros públicos da Praça de Catalunya, em Barcelona. O que nos interessava, portanto, eram as relações entre sexualidade, movimento, cultura material e história.

Pedro > Por último, em sua opinião, a que desafios enfrenta o anarquismo espanhol do século XXI?

Richard < Além dos desafios óbvios, como a atual ofensiva dos empregadores e dos Estados contra as condições de vida dos trabalhadores, seria, na minha opinião, construir um anarquismo mais global e mais dinâmico, sem esquecer da luta da vida cotidiana. O anarquismo necessita se tornar mais relevante no cotidiano das pessoas, nos bairros, entre os imigrantes, entre os trabalhadores. Para isso, tem que começar a usar outra linguagem acessível para as pessoas e mostrar-se mais flexível em suas maneiras de ser e agir.

Fonte: Periódico “CNT” 381 – agosto-setembro 2011 – www.cnt.es/periodico