Por Tomáz Ibánez
É obvio que o anarquismo atual é diversificado, que se apresenta como uma entidade sem conexão, fragmentada, poliforma, fluída, instável, e, sem dúvida, isso pode criar certa preocupação, certo desassossego entre aqueles que culpam essa dispersão, essa fragmentação como uma dificuldade para adotar o anarquismo com uma maior capacidade de incidência política e social. Sem embargo, creio que cometem um gravíssimo erro quem buscando maior eficácia pretende estruturar o movimento anarquista, organizá-lo projetando sobre ele, o clássico e defasado modelo das organizações políticas de antanho, a nominação de “um anarquismo organizado”, que está sendo sistematicamente propagado no seio dos movimentos libertários já há algum tempo, sendo que, no entanto, não existe na realidade um anarquismo organizado por um lado, e outro que de outro lado não o seja.
É obvio que sempre há de se organizar e que o desenvolvimento de qualquer tipo de atividade coletiva exige, necessariamente, alguma forma de organização, assim como que para a execução de certa atividade organizativa, ainda que somente para editar umas folhas ou para organizar um debate. Portanto, a questão não é se há de se organizar e sim como se organizar, sendo que a resposta é que para saber como se organizar temos que saber para que queremos nos organizar, pois isso é o que condiciona e o que determina a forma organizativa que se convém adotar. Na medida em que para ser eficaz, a forma de organização deve se adequar a natureza das tarefas e dos objetivos para os quais foi criada, e na medida em que esses são diversos e às vezes variáveis, transitórios, na realidade são múltiplas formas organizativas as que devem coexistir de maneira tão complementar quanto possível. Não duvidando em desaparecer ou se transformar ao ritmo das mudanças que experimenta no contexto social, e ao ritmo dos eventos que acontecem em seu seio.
Baseado em amplas perspectivas estratégicas, o modelo organizativo tradicional pressupõe a criação de uma estrutura permanente, estável, envolvente, articulada em torno de umas bases programáticas, a alguns objetivos comuns de caráter suficientemente geral para que a estrutura disponha de uma ampla permanência temporal, desde tal perspectiva se propõe a construir organizações tão grandes, tão duráveis, tão potentes como seja possível para poder sustentar enfrentamentos globais e para poder aguentar prolongadas guerras de trincheiras.
Pois bem, se deixamos de lado a nostalgia por um saudoso passado que ainda sentimos muito próximo, é fácil perceber que é um modelo que não condiz com as atuais condições sociais e que perdeu uma boa parte de sua eficácia em uma época que está situada sob o signo da velocidade desenfreada, e que também se caracteriza pela rapidez das mudanças. Frente ao modelo organizativo tradicional, o novo imaginário anarquista substitui os planejamentos estratégicos por perspectivas simplesmente táticas e se inclina mais para a fluidez de uma guerra de guerrilhas, onde as pesadas e grandes organizações constituem geralmente um peso, em lugar de uma ajuda.
Parece claro que a atual fragmentação e a instável fluidez do movimento anarquista se correspondem bastante bem, encaixam bastante bem, com as características da realidade nas quais se inserem e com a natureza dos dispositivos de poder que enfrentam, e é precisamente porque se encaixam com a realidade atual e porque luta contra as formas que a dominação adota no período atual, que o movimento anarquista contemporâneo se enraíza e expande como tem feito, e ao que indica a realidade atual exige modelos organizativos muito mais flexíveis, muito mais fluídos, orientados por simples propósitos de coordenação para levar a cabo tarefas concretas e específicas.
O fato de romper a fluidez organizativa, propiciada entre outras coisas pelas novas tecnologias, e que desenha uma mobilidade organizativa que poderíamos qualificar como “reticular” e “viral” conduziria muito provavelmente (e temo que assim será) o movimento anarquista a sofrer um novo eclipse. Meu convencimento é que a questão da organização deve ser repensada, resignificada, ao estilo do que ocorreu com o conceito de revolução, não para propugnar a ausência ou inutilidade da organização, já o disse, mas para renovar seu conceito, suas formas e sua prática, sem embargo, muito receio que a fascinação exercida atualmente em certos setores militantes pelo antigo modelo de organi zação, concebido como uma panaceia para incrementar a eficácia e a difusão do anarquismo, não facilita em nada esse objetivo, quando em verdade entorpece a criatividade militante que requer essa reflexão.
Se queremos avançar na tarefa de repensar a problemática da organização, e explorar qual é a melhor forma de organização, a mais adequada ao momento atual das lutas e as características do terreno em que se inserem, temos que deixar de alimentar a enganosa ilusão de que as dificuldades enfrentadas nas lutas atuais, se devem principalmente a ausência de uma grande organização libertária, e que essas dificuldades desaparecerão tão rapidamente quando essa organização passe a existir. A problemática da organização, que frequentemente vem acompanhada pela exortação da criação de um “poder popular” e do “empoderamento” do povo, me faz temer que retornemos a cair em velhos erros que a efervescente explosão libertária dos anos setenta parecia ter ajudado a superar.
Fonte: revista Parrhesia # 30 | http://www.mediafire.com/file/jbsxibm5638yfae/PARRHESIA_N%C2%BA30.pdf
Tradução > Liberto
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