Para o filósofo equatoriano Bolivar Echeverria a vida moderna se sustenta em um absurdo:
“[…] um modo de vida no qual, em meio da possibilidade da abundância, se reproduzir é ao mesmo tempo se mutilar, se sacrificar, se oprimir e explorar uns aos outros”.
É dizer, as possibilidades técnicas e sociais atuais são tais que nos permitem alcançar o tão ansiado Sumak Kawsay (a vida plena de todos os seres que habitamos este planeta). Mas, “a maldição da abundância” é que, apesar disso, a sociedade atual gera, consome, reproduz a riqueza social destruindo suas duas principais fontes: os seres humanos e a natureza.
Historicamente nos constituímos em povos e culturas cada um com características particulares fruto de diversas formas de relacionar o trabalho humano com a natureza e de significar essa experiência, ou seja, de criar um certo tipo de sociedade. Mas, ademais, como povos e indivíduos, somo possuidores de uma característica particular: o “Ruray – ushay”, a capacidade de fazer, de construir, criar, tanto individual, mas sobretudo coletivamente. Esta, para muitos, seria a capacidade ou característica que nos faz humanos e nos afasta do animal (ainda que nunca totalmente). Por outro lado, está a natureza – Allpamama – como sustento material da reproduçã ;o dos povos e culturas, mas também como fonte de significações e saberes que tem acompanhado o longo processo de produção das diferentes socied ades humanas na história, e que agora está ameaçada pelos efeitos da cobiça e do egoísmo.
Estas duas fontes originárias da riqueza social são destruídas sob o capitalismo para acumular valores. Se destrói a natureza e as culturas do mundo para sustentar a vida opulenta de um grupo reduzido de pessoas no mundo. Este absurdo, como diz Echeverria, se observa quando olhamos a atual ofensiva da mineração transnacional em vários territórios da nacionalidade Shuar, a agressão aos povos, a seus modos de vida, e seu meio de reprodução social: a selva amazônica.
Mas a história da expansão do capitalismo nunca esteve isento de sua correspondente resistência, pois o que gera riqueza (o fazer) e os que se apropriam estão necessariamente unidos: “não há capital, não há acumulação possível, sem seres humanos criadores, fazedores”. Os Shuar, povo guerreiro, tem habitado soberanamente o sul da Amazônia equatoriana e nordeste do Peru há séculos, muito antes de que os estados nacionais se construíram desconhecendo, como em todas partes de Abya Yala, a presença de nações originárias. O papel que o governo está fazendo ao apoiar frontalmente as t ransnacionais mineiras chinesas mostram a atualidade do racismo e a colonialidade de um Estado que despreza a presença imemorial dos povos indígenas. Quando o presid ente Correa diz que nesses territórios não existiam povos ancestrais não faz mais que verbalizar uma antiga ideologia segundo a qual a Amazônia era território baldio, e, portanto, disponível de exploração. Ao mesmo tempo, Correa fala por essa histórica missão dos estados coloniais da América: construir uma só nação passando por cima a presença dos povos originários.
Neste sentido, a luta da nação Shuar é diretamente contra o Estado colonial, contra essa estrutura de dominação que tem servido para subjugar aos povos indígenas em nome do bem de uma nação que nunca reconheceu na prática a pluralidade histórica desse país. Sua luta mostra a violência que este Estado colonial deve exercer contra os diferentes povos para tratar de se consolidar e culminar esse processo inconcluso, e inevitável que diz: “um Estado – uma Nação”. Ao mesmo tempo, sua luta, mostra a “atualidade da pluralidade”, como projeto de superação dessas estruturas políticas que não permitem a autodeterminação territorial das nacionalidades indígenas e de sua própria historicidade. O Estado-plurinacional – como sugere a antropóloga Rita Segato, deve ser uma garantia de reestruturação e autodeterminação dos povos, da “devolução da história, da capacidade de cada povo de desdobrar seu próprio projeto histórico”. E isto é justamente o que está em jogo na luta do povo Shuar contra a política extrativista deste governo.
Mas, além do mais, a agressão das transnacionais mineiras chinesas em território Shuar mostram outra dimensão da luta, desta vez contra o capitalismo selvagem. No mundo capitalista, segundo Bolívar Echeverría, a reprodução da vida social de todo povo se faz possível de forma subordinada à lógica de acumulação do capital. Os seres humanos, como indivíduos e povos, não logram autodeterminar totalmente seu modo de reprodução social, senão que o vivem de forma alienada.
“[…] porque seu processo natural de reprodução não obedece a um télos próprio capaz de sintetizá-lo, senão a um alheio que é o télos ‘cósico’ do valor instalado como sujeito que se autoafirma, que se valoriza: o télos da acumulação capitalista”.
Em palavras mais simples, a lógica do capital não permite aos povos decidir livremente sua forma de vida coletiva, mas sim lhe impõe uma vida que serve majoritariamente à acumulação de riqueza para uns poucos. Nessa lógica, a natureza e os seres humanos se tornam coisas, mercadorias que se compram, vendem, consumem, exploram. A luta do povo Shuar contra a grande mineração capitalista é também contra essa lógica coisificadora, é uma luta por manter aberta a possibilidades de ser sujeitos, de poder decidir os termos de convivência histórica por fora das coerções do capital, de poder seguir construindo sua hist& oacute;ria junto à Sachamama (selva). A resistência Shuar à grande mineração chinesa desafia portanto o controle do capital sobre o ser humano, o s povos e a natureza. Mostra que os povos ao longo do tempo não só somos vítimas da agressão capitalista e do estado colonial, senão que no fundo somos – apesar dos efeitos da dominação – sujeitos que lutam diariamente por construir um caminho que nos permita concretizar nossos próprios projetos de sociedade. É uma aposta pela possibilidade de ser livres.
Inti Cartuche Vacacela
Fonte: https://periodicoacracia.wordpress.com/2017/02/08/acracia-62los-shuar-contra-el-estado-y-el-capital/
Tradução > KaliMar
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Carlos Seabra
Thank you for the support from nepal comrades ✊🏽
Ditadura foi perversa. Empatia as famílias.
foda!
nao existe comunidade anarquista em nenhum lugar do mundo, (no maxinmo sao experiencias limitadas em si mesmo com uma maquiagem…
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