Por Carlos Taibo | 26/04/2020
Diante do vigor da saúde e das pandemias repressivas, é urgente empreender uma discussão sobre a relevância da perspectiva do decrescimento. Tanto mais que o que infelizmente temos diante dos nossos olhos não se encaixa de forma alguma no que essa perspectiva exige. Nada tem a ver, dito de outra forma, com o horizonte que o mundo decrescente conseguiu nas últimas duas décadas, que não é outro senão o dos movimentos e sociedades que, de forma consciente e voluntária, e em virtude dos imperativos derivados dos limites ambientais e de recursos do planeta, assumiram um exercício de autocontrole.
O cenário atual não é o do nosso decrescimento, por mais que ele revele claramente a necessidade de articular – tendo em vista a condição insustentável do sistema que estamos sofrendo – um projeto dessa natureza, e por mais certos fenômenos supervenientes, e certas lógicas sociais de caráter cooperativo, demonstrem que o decrescimento é possível. Entre estas últimas, as lógicas, parece necessário mencionar a estimulante proliferação de grupos de apoio mútuo. Entre os primeiros, os fenômenos, é necessário incluir o recuo operado nos níveis de poluição, a sensível redução registrada no consumo de combustíveis fósseis e, finalmente, o freio que experimentou a agressiva turistificação dos últimos anos.
É urgente ressaltar, no entanto, que os três processos que acabamos de mencionar, que são saudáveis em si mesmos, não são produto de decisões coletivas e voluntárias. Além disso, não há evidências que sugiram que órgãos internacionais, governos e empresas pretendam mantê-los ao longo do tempo. Mesmo que não seja dada mais atenção ao debate correspondente, alguns dados marcantes estão na mesa. Um estudo recente anunciou que o declínio na contaminação poderia salvar 77 mil vidas na China, talvez vinte vezes o número de mortes oficialmente reconhecidas naquele país por causa do coronavírus. Isso dá o que pensar.
Creio que, diante do exposto, é oportuno recordar o que a proposta de decrescimento nos diz hoje, com o objetivo expresso de ressaltar que esta proposta se refere a horizontes muito diferentes daqueles dos que administram a miséria que nos cerca. Ela nos diz, por enquanto, que devemos colocar em primeiro plano as demandas das camadas mais castigadas da população, algo que, com todas as evidências e fanfarras retóricas à parte, não está acontecendo em uma crise, a atual, que apresenta um caráter de classe manifesto. Por outro lado, exige uma redução no peso – se necessário o desmantelamento – de setores econômicos inteiros, como a indústria automobilística, a aviação, a construção civil, a guerra e a indústria animal. Ao mesmo tempo, exige que os segmentos de luxo da economia sejam abandonados e que aqueles ligados ao atendimento de necessidades sociais não atendidas e ao respeito ao meio ambiente natural sejam mais valorizados.
Em particular, parece que devemos acabar com a indústria agroalimentar – uma fonte óbvia de enormes riscos à saúde – como a conhecemos hoje; nosso dever é realocar essa indústria, aproximar a produção e descentralizar todos os processos envolvidos. Em suma, também é urgente nos libertarmos do sistema financeiro e de suas misérias, e buscar nossas próprias fontes de financiamento, longe do lucro e do ganho privado. Entre nossas obrigações estarão, como resultado de tudo isso, viajar e consumir menos, distribuir trabalho, desenvolver formas criativas de lazer, reduzir o tamanho de muitas infraestruturas, fortalecer a vida local e optar pela sobriedade e simplicidade voluntária.
Diante do que está acontecendo nessas horas, é vital recuperar a vida social e colocar em primeiro plano os cuidados e os bens relacionais – aqueles que surgem das relações entre os seres humanos. Devemos também rejeitar a dimensão hierárquica, autoritária, repressiva e militar de medidas que, como as comumente aplicadas nos últimos tempos, podem muito bem anunciar um estado permanente de exceção. O antídoto é chamado de apoio mútuo e exige a denúncia da superstição que faz do Estado o nosso salvador e protetor.
Apesar do silêncio que acompanha a discussão correspondente, somos obrigados a tomar consciência, também, da situação, muitas vezes sombria, dos países do Sul. Não se trata de exigir -compreender- que elas diminuam: trata-se de exigir que elas cresçam de uma forma diferente, que evitem os obstáculos que alcançamos no Norte e que o façam sob a proteção da recuperação de muitas das práticas e sabedorias diárias das comunidades indígenas. Ambos são muitas vezes muito esclarecedores quando se trata de enfrentar o horizonte do colapso, de nos prepararmos para o que ele significa, e de fazê-lo de mãos dadas com o decrescimento do qual falo, a desurbanização, a destecnologização, a despatriarcalização, a descolonização, a desmercantilização e a descomplexificação de nossas mentes e de nossas sociedades.
Volto ao início, e o faço para lembrar que a perspectiva de decrescimento requer mudanças radicais a serem introduzidas. Neste sentido, esta poderia ser uma boa oportunidade para pensarmos sobre o que nos espera se continuarmos como temos feito até agora. Em minha opinião, e em resumo, é difícil imaginar que essas mudanças não terão um carimbo libertário e não se concretizarão em práticas de autogestão, em apoio mútuo e… na expropriação do capital.
Tradução > Liberto
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