Para muitos que são marginalizados, o Estado apenas os prejudica. Reparação é o poder diretamente nas mãos das pessoas
Por William C. Anderson
Atualmente, o mundo está em um impasse. Isso pode significar apenas uma coisa: não que não haja uma saída, mas que chegou a hora de abandonar todos os costumes que nos levaram a fraude, tirania e assassinato. – Aimé Césaire
Não estou aqui para explicar o anarquismo preto porque ele é uma explicação em si mesmo. Os tempos que estamos vivendo demonstram sua relevância. Políticas que podem conceber a libertação apenas através do aparato do Estado-nação não pode verdadeiramente servir ao povo que está sempre além das suas considerações.
Aqueles que são os mais marginalizados não são libertados por formas do Estado que apenas os matou, excluiu e prejudicou. Pessoas pobres, sem Estado, migrantes e oprimidas de todos os tipos são declaradas descartáveis pelas classes dominantes.
Uma transformação radical significa o poder diretamente nas mãos das próprias pessoas, sem minimizar a diversidade em nome de fronteiras, cidadanias e identidades nacionais homogeneizantes.
O que significaria as pessoas se representarem diretamente, ao invés das administrações dos Estados-nações, políticos e classes dominantes falando por elas? Nos Estados Unidos, durante a era dos direitos civis e Black Power, essa questão levou ao desenvolvimento do(s) anarquismo(s) preto(s) e da autonomia preta, através do trabalho de pretos radicais que se voltaram ao socialismo sem Estado e mais.
Lucy Parsons, uma mulher preta ex-escravizada, foi uma das primeiras anarquistas pretas identificáveis. Fundamental ao movimento trabalhista da década de 1920 e conhecida como uma poderosa oradora, ela foi descrita pelo Chicago Police Department como “mais perigosa do que cem amotinados”. Parsons teve uma relação complicada com sua identidade radical, a qual é parte de sua história longa e dinâmica.
Parsons antecede o reformismo da era dos direitos civis e das políticas estadistas da era do Black Power e representa o anarquismo preto. O coorte estadunidense responsável por esse desenvolvimento inclui, mas não se limita a, radicais como: Martin Sostre, Lorenzo Kom’boa Ervin, Kuwasi Balagoon, Jo Nina Ervin, Ojore Lutalo e Ashanti Alston.
Sostre, que faleceu em 2015, foi autodescrito como “preso politizado” internacionalmente conhecido que transformou quase sozinho o sistema prisional através dos seus processos. Ele foi educador da comunidade e conquistou vitórias para os direitos das pessoas encarceradas, de liberdades políticas e religiosas à restrição do uso da solitária, e à contestação da censura da literatura nas prisões.
Lorenzo Kom’boa Ervin, que teve Sostre como mentor, foi ativista dos Panteras Negras e pelo Student Nonviolent Coordinating Committee, uma organização central no movimento de direitos civis estadunidense. Nina Ervin, que eventualmente se casou com Lorenzo, também fez parte dos Panteras Negras e foi a última editora do jornal dos Panteras Negras.
Alston, Lutalo e Balagoon fizeram parte dos Panteras Negras e do Black Liberation Army. Lutalo foi apresentado ao anarquismo por Kuwasi, que trouxe sua própria perspectiva única como anarquista New Afrikan.
Esses são apenas alguns dos revolucionários pretos e pretas que, ao invés de escolherem nova representação, nova reforma e novos mestres, decidiram por não ter mais mestre algum.
Cheguei ao anarquismo preto há mais de dez anos e o deixei silenciado nos espaços dominantes dos movimentos de esquerda socialistas nos quais não se encaixava. Observei o anarquismo em geral ser pintado como utópico, caótico, branco e inviável, enquanto as pessoas regurgitavam antigas máximas políticas sobre construir um Estado reformado ou revolucionário. Um dia compartilhei muitas dessas mesmas visões sobre a construção do Estado e sua reforma, antes de entender o anarquismo em seus próprios termos, sem se basear em equívocos populares ou individuais.
A história do anarquismo preto foi completamente negligenciada e, em retrospectiva, consigo ver por que tinha que ser assim. O anarquismo é uma ameaça com a qual muitos podem concordar. Não fazer das populações um apêndice do Estado-nação apresenta um grande perigo à ordem do mundo que conhecemos. O fato de que facções estadistas tanto de esquerda quanto de direita utilizam o bicho-papão anarquista como um alvo é crucial. Aqueles preocupados com a conquista ou o uso do poder do Estado em benefício próprio regularmente se sentirão ameaçados por aqueles que não veem o Estado como o único augúrio da libertação.
O anarquismo preto rejeita a autoridade coercitiva e hierarquias opressivas na forma como existem no espectro político inteiro. Não finge que alguém que diz (ou dizia) ser um libertário, falando pelas massas, não pode cometer atrocidades e admite que reconhecer isso, ao invés de negar, é como movimentos mais fortes crescerão.
Em meu novo livro, ‘The Nation on No Map’, amplio meu raciocínio ‘o anarquismo da negritude’ como apareceu por meio da condição sem-Estado de pessoas pretas pela diáspora africana. Isso não é apenas teorização. O que destaco é a realidade da migração do povo preto (forçada ou não) e da escravização. Isso ocorre porque, no meu livro, defendo como a história do anarquismo preto pode ser atraente para um movimento abolicionista agora revigorado, entre outras coisas.
As vidas de muitos dos anarquistas pretos historicamente relevantes que mencionei traçam um caminho familiar de crescimento e desenvolvimento. Muitos atravessaram do movimento de direitos civis aos movimentos de nacionalismo preto e Black Power [poder preto] antes de chegar ao anarquismo. Eles de forma nenhuma são uma coisa só e deveriam ser concedidos sua diversidade. Há muitos anarquismos pretos, autonomias pretas e tendências anarquistas nos movimentos pretos. O que fizeram com o anarquismo quando chegaram foi tão multifacetado quanto são os anarquismos históricos clássicos. Uma quantidade comparável de pessoas compartilham uma rejeição que Sostre chamou de “the wooden party line”. Ele rejeitou “algumas linhas políticas ou ideologias abstratas” em favor da luta por “seres humanos com vidas a serem vividas”.
Sostre é uma das razões pelas quais vejo o anarquismo preto como uma parte da política e da história que não é tão nebulosa que se torna incoerente. Ao invés disso, é realista o suficiente para sustentar a pesada verdade que regularmente se perdeu na história da disposição de líderes individuais afirmando representar ‘o povo’. O povo é as pessoas, não uma bola de futebol retórica para qualquer um que pretenda fazer uso. Somos todos e todas uma parte ‘do povo’.
Estamos lutando por uma existência na qual não haja Estados para deportar, expropriar, assassinar, deter, aprisionar, poluir e controlar as pessoas em benefício da elite dominante do mundo. Estamos falando sobre destruir a máquina de opressão, não a renomear e dar novo propósito para que possa ser utilizada para oprimir novamente. Esse é o motivo pelo qual, para mim, o anarquismo preto significa se afastar de e transcender todos os esquerdismos inundados pelos binarismos simplistas sectários. Lutamos por algo muito maior.
Há uma saída. Aponto aqui uma placa a indicando – não se detenha em olhar para o meu dedo.
Fonte: https://www.opendemocracy.net/en/oureconomy/black-anarchism-politics-left-united-states-redress/
Tradução > Sky
Conteúdos relacionados:
agência de notícias anarquistas-ana
o sol inclinado
leva até minha parede
o gato do telhado
José Santos
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!