O Suplemento Cultural aborda a história quase desconhecida do anarquismo no Paraguai, dando início à nova série “Historias perdidas del anarquismo paraguayo”, de Mariano Montero, com esta primeira parte sobre a misteriosa tentativa de assassinato de Leopoldo Ramos Giménez em 1916.
Um dos episódios da história do anarquismo paraguaio que nunca foi esclarecido foi o ataque ao jovem e promissor membro do movimento, Leopoldo Ramos Giménez, em 5 de julho de 1916, em Assunção.
O que sabemos – detalhado nas duas obras de referência sobre o movimento operário paraguaio (1) – é que, depois de meses sendo a principal força motriz por trás de uma campanha para denunciar as condições desumanas de trabalho dos ervais (plantações de erva-mate) do Paraguai, e considerado na época por seus contemporâneos como o sucessor de Rafael Barret, como o ideólogo do anarquismo paraguaio, Ramos Giménez foi abordado por um homem na Rua Paraguarí (outros meios de comunicação indicam Escalada, atual México), na esquina da Río Apa (atual Manduvirá), que lutou com a vítima e disparou tiros que atingiram Ramos Giménez no abdômen.
Nos textos especializados, esse episódio só é mencionado em conjunto com um ataque anterior a Libre Jara, outro líder do anarco-sindicalismo, como uma forma de significar que os proprietários das empresas denunciadas como exploradoras – como no caso da Industrial Paraguaya – haviam partido para a ofensiva contra os corpos físicos dos líderes dos trabalhadores. No entanto, nem Francisco Gaona nem Milda Rivarola se aprofundam em como a investigação desse caso continuou. Quem foi o braço executor do ataque? Aqui vamos nós.
O evento foi amplamente coberto nas páginas da imprensa da época, como La Tribuna e El Nacional. Dois dias após o ataque, organizações de trabalhadores – como o Comitê Primero de Mayo – condenaram publicamente o ataque e organizaram uma manifestação na Plaza Independencia. Ignacio Núñez Soler, um líder do anarco-sindicalismo, discursou nesse evento, acusando os comerciantes de erva-mate pelo ataque. Em seguida, falaram o socialista Rufino Recalde Milesi e o estudante Robustiano Vera. Duas semanas depois, a imprensa noticiou que um trabalhador de padaria chamado Basilio Gómez, conhecido como “Pájaro Negro” (Pássaro Negro), havia sido preso como o principal suspeito do ataque.
O registro policial de Basilio Gómez – preservado no Centro de Documentação e Arquivo para a Defesa dos Direitos Humanos – nos dá algumas informações sobre ele: nasceu em Villa Concepción em 15 de abril de 1886, filho de Marcelino González e Marcela Gómez. Apelidado de “Pájaro Negro” (Pássaro Negro), padeiro de profissão, era um frequentador assíduo das delegacias de polícia de Assunção. Entre 1906 e 1934, registrou 18 entradas por “embriaguez e desordem”.
Com relação à sua prisão, a imprensa noticiou: “Basilio Gómez, “el pajarraco”, foi preso e estava de posse de um revólver calibre 44″. As informações que começaram a aparecer na imprensa sobre Gómez levaram à especulação de que ele poderia ter sido um infiltrado nos círculos anarco-sindicalistas dos trabalhadores, especialmente por causa de seu passado como funcionário do escritório técnico de Investigações em 1914. A isso se somaram testemunhos de trabalhadores que afirmaram que Gómez foi visto nos últimos dias de abril frequentando as instalações dos trabalhadores e se apresentando como “Pájaro Negro” ou “Pajarraco”, mas sem dizer seu nome, perguntando insistentemente por Ramos Giménez. As crônicas acrescentam que “Gómez era mal visto pela família da classe trabalhadora” e que, após o ataque, ele desapareceu dos círculos onde perguntava por sua futura vítima.
Gómez recusou-se repetidamente a assinar suas declarações e estima-se que, por volta de março de 1917, ele foi libertado por falta de provas. Nunca ficou claro quem foi ou foram os responsáveis pelo ataque. As constantes visitas de Gómez às delegacias de polícia podem levar a especular que as autoridades policiais queriam usá-lo como espião, mas seu histórico também pode levar a considerá-lo um infiltrado.
Quase 16 anos depois, Gómez reaparece nas fontes; por exemplo, em um documento de novembro de 1933 do Departamento de Ordem Social da Polícia de Assunção, que relata que ele foi preso depois de entrar em um ônibus de passageiros e expressar em voz alta opiniões contra a Guerra do Chaco (1932-1935), momento em que um oficial do ônibus o deteve como “antiparaguaista”. O relatório detalhava: “Gómez expressou-se em termos impróprios, fazendo declarações hostis à causa nacional”; e ele foi acusado de ter dito que “todas as notícias que foram dadas ao público eram falsas (…) que tudo isso não é guerra, mas um comércio, porque os ricos não vão para a frente porque compram seus passes”. Cinco meses depois, em maio de 1934, aos 50 anos, ele foi deportado para Clorinda, Formosa (Argentina), o último registro conhecido dele.
Quanto à vítima, depois de se recuperar de seus ferimentos, ele foi um dos principais fundadores do Centro Obrero Regional del Paraguay (CORP), o novo centro anarco-sindicalista de trabalhadores, herdeiro da Federación Obrera Regional Paraguaya (FORP). Parecia que o Paraguai havia encontrado o sucessor de Barrett. No entanto, o ímpeto libertário durou tanto quanto sua adolescência. Apenas quatro anos depois, em 1920, ele já havia se voltado para posições puramente nacionalistas e, entre 1920 e 1954, atuou como intelectual orgânico da Asociación Nacional Republicana – Partido Colorado, bem como intelectual do Itamaraty. Seu terceiro e último estágio foi como intelectual a serviço do regime stronista (1954-1989), tornando-se um dos historiadores “nacionais” que ajudaram a construir a matriz disciplinar da história de acordo com o stronismo.
A questão que liga Ramos Giménez a Gómez permanecerá em aberto. Gómez era um infiltrado no movimento anarco-sindicalista? Um assassino da Industrial Paraguaya? Ele era apenas um espião? Ou ele viajou no DeLorean para a década de 1960 e voltou convencido de que algo precisava ser feito com relação ao futuro traidor?
Notas
(1) Francisco Gaona, Introducción a la Historia Gremial y Social del Paraguay. Tomo II, Asunción, Arandurã, 2008; Milda Rivarola, Obreros, utopías y revoluciones. Formación de las clases trabajadoras en el Paraguay liberal (1870-1931). Assunção, CDE, 1993.
Fontes de jornais e periódicos
“Ecos del atentado criminal”, El Nacional, 7 de julio de 1916.
“Policía. Detención del autor del atentado a Ramos Giménez”, La Tribuna, 20 de julio de 1916.
“Antecedentes del presunto autor del hecho”, La Tribuna, 21 de julio de 1916.
“Gómez buscaba antes del atentado al director de Prometeo”, La Tribuna, 22 de julio de 1916.
“Otra grave contradicción de Gómez”, La Tribuna, 24 de julio de 1916.
*Mariano Damián Montero é investigador y professor de história pela Universidad de Buenos Aires. Publicou os livros Agapito Valiente. Stroessner kyhyjeha (2019) e Obras completas de Lincoln Silva (2021) e colabora habitualmente com revistas e jornais da Argentina, Paraguai e outros países.
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
Pássaro ligeiro
Come o pêssego maduro
Antes de mim.
Roseli Inez Jagiello
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!